Neurologia
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Acidente vascular cerebral: como identificar e qual a conduta inicial

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Equipe medclub
Publicado em
24/4/2023
 · 
Atualizado em
7/5/2023
Índice

Por: Beatriz Lages Zolin

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a segunda principal causa de morte no Brasil, sendo também uma causa de morte relevante no resto do globo. É o maior causador de incapacidade na população idosa, sendo o motivo de cerca de 40% das aposentadorias precoces no país, devido às sequelas neurológicas.

É uma síndrome neurovascular aguda que acomete em especial indivíduos maiores de 65 anos e do sexo masculino. Os principais fatores de risco são o etilismo, tabagismo, sedentarismo, má nutrição e comorbidades como diabetes, hipertensão, obesidade e arritmias cardíacas.

O período entre sintomas e tratamento do AVC pode atenuar ou agravar os impactos negativos dessa condição. Estima-se que cada redução de 15 minutos nesse período se traduz em redução do risco de incapacidade a longo prazo. Sendo assim, o ágil reconhecimento e manejo é extremamente importante.

O que significa o acidente vascular cerebral?

O AVC caracteriza-se por um déficit neurológico focal devido a problemas vasculares no cérebro. ele pode ser classificado em AVC isquêmico - sendo esse responsável por mais de 80% dos casos - que ocorre por oclusão arterial, resultando em isquemia do tecido neurológico adjacente, e AVC hemorrágico, que resulta do rompimento arterial, com repercussões mais significativas e além do território de irrigação do vaso. 

No entanto, hoje a nomenclatura do AVC hemorrágico não é mais tão utilizada no meio científico, sendo enquadrado como hemorragia intracerebral. Isso ocorreu pelo fato de que a fisiopatologia é distinta e mais abrangente que a do tipo isquêmico, além de demandar diferentes condutas. Sendo assim, o foco desse texto é o AVC isquêmico (AVCi).

No AVCi, os sintomas variam de acordo com qual artéria foi acometida e seu território de irrigação. Nesse sentido, é válido relembrar a neuroanatomia. As artérias Cerebral Anterior (ACA) e Cerebral Média (ACM) derivam-se da artéria carótida interna, enquanto as artérias Cerebral Posterior (ACP), cerebelares e do tronco encefálico se originam a partir das artérias vertebrais.

  • ACA: irriga regiões responsáveis pela motricidade dos membros inferiores. Logo, quando obstruída, leva a monoparesia crural contralateral, ao lado da isquemia.
  • ACM: irriga a maior parte do córtex cerebral, produzindo muitos sinais e sintomas quando ocluída, como alteração na fala (disartria, afasia), nos movimentos da face e membros (hemiparesia contralateral) e desvio do olhar conjugado.
  • ACP: irriga a porção posterior, que é responsável pela visão, gerando hemianopsia homônima, contralateral a isquemia.
  • Artérias cerebelares e do tronco encefálico: no caso de oclusão dessas artérias, o paciente poderá apresentar alterações no equilíbrio e na marcha, rebaixamento de nível de consciência, ataxia e paralisia de nervos cranianos.
Irrigação cerebral. ACI, artéria carótida interna; ACM, artéria cerebral média; ACP, artéria cerebral posterior. Fonte: Tratado de Neurologia Merrit.
Irrigação cerebral. ACI, artéria carótida interna; ACM, artéria cerebral média; ACP, artéria cerebral posterior. Fonte: Tratado de Neurologia Merrit.
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Etiologias 

Reconhecer o que levou a obstrução dos vasos cerebrais é importante para compreender o prognóstico do paciente, para quantificar o risco de recorrência e orientar medidas de prevenção secundária. A classificação etiológica de TOAST (Trial of Organon in Acute Stroke Treatment) é a mais utilizada e inclui 5 subtipos de AVC: 

Aterosclerose de grandes artérias

Placas de aterosclerose podem levar ao AVC por dois meios, hipoperfusão (pela estenose arterial crítica) ou embolia arterioarterial (ruptura da placa aterosclerótica, com formação de trombos que obstruem vasos menores). O último mecanismo é o mais frequente.

A aterosclerose pode se encontrar no sistema arterial extra ou intracraniano, mas os locais mais comuns são na bifurcação da artéria carótida comum, na origem da artéria vertebral, na junção vértebrobasilar ou nas origens das artérias cerebral anterior e média. 

Cardioembólico

O acidente vascular cerebral Cardioembólico é causado por êmbolos de origem cardíaca, seja por arritmias, lesões em valvas, próteses valvares, miocardiopatias, mixomas ou endocardite infecciosa. Pode ser difícil diferenciar clinicamente este tipo do AVC por placas ateroscleróticas, mas este último costuma levar a quadros recorrentes de isquemia cerebral, quando comparado ao cardioembólico.

Lacunar

O infarto lacunar ocorre pela obstrução de pequenos vasos, as artérias perfurantes cerebrais, acometendo mais frequentemente os núcleos da base, tálamo, cápsula interna, coroa radiada ou a ponte. A hipertensão arterial é o principal fator de risco, mas diabetes, tabagismo e envelhecimento também contribuem. 

É fácil diferenciar o Acidente vascular cerebral lacunar dos outros tipos pelo exame de imagem, que geralmente mostra isquemia de pequena dimensão e de localização subcortical.

Criptogênico

Até 40% dos AVC’s permanecem com causa indeterminada, mesmo após a realização de exames complementares. No entanto, estima-se que a maior parte desses casos tenham causa cardioembólica, em pacientes não diagnosticados com fibrilação atrial.

Outras causas

Esse grupo representa menos que 5% dos casos, com causas variadas e específicas, como hipercoagulabilidade (mieloma múltiplo), anemia falciforme, doenças infecciosas, dissecção vascular, iatrogênico.

Como identificar um caso de acidente vascular cerebral?

Apenas 6% dos pacientes com o tipo isquêmico recebem a terapia fibrinolítica (tratamento de reperfusão) por conta do retardo no reconhecimento de seus sinais e sintomas. Mas assim que tiver qualquer suspeita, o indivíduo deve ser levado ao centro de referência para maior averiguação.

A anamnese e o exame físico devem ser centrados na identificação do déficit focal neurológico e no tempo de início dos sintomas, para reconhecer se ele está dentro da janela terapêutica, menos de 4,5h entre início de sintomas e tratamento com trombólise.

No exame físico, deve-se analisar o score do NIHSS (National Institutes of Health Stroke Scale), que avalia 11 parâmetros, de motricidade, fala, consciência e heminegligência. Quanto maior a pontuação do NIHSS, maior é o comprometimento neurológico. Um score até 6, indica um quadro leve, entre 7 e 15 indica um quadro moderado e um score maior que 16, indica um quadro grave.

ATENÇÃO! Um NIHSS de 0 significa que a pessoa não possui sintomas naquele momento, mas não descarta a possibilidade de um AVC ou AIT (ataque isquêmico transitório).

O diagnóstico é praticamente clínico, mas para diferenciar de uma hemorragia intracerebral, é necessário solicitar uma tomografia de crânio sem contraste.  Se o exame vier com achados de hemorragia, devemos prosseguir as condutas do tipo hemorrágico. Em muitos casos a TC pode ser normal, por isso, o tratamento é guiado pelo quadro clínico do paciente, não sendo necessário confirmar com exames de imagem.

Outros exames complementares que devem ser solicitados caso haja suspeita são o ECG, coagulograma, hemograma, ionograma, glicemia, função renal e hepática. Para investigar a causa solicita-se então o ultrassom cervical (avaliar possível obstrução das carótidas) e ecocardiograma e ECG para avaliar causas cardíacas.

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Condutas Iniciais

Primeiramente, checamos os sinais vitais e estabilizamos o que for necessário. Também devemos manter a via aérea pérvia e a ventilação adequada, ofertar insulina/glicose nos casos de glicemia <60 ou >400, monitorar pressão e temperatura corporal (antitérmicos se T>38ºC), hidratação venosa e dieta zero.

O objetivo principal é tornar possível a reperfusão cerebral, desobstruindo o vaso acometido. Para isso, utilizamos o agente trombolítico intravenoso Alteplase (ativador de plasminogênio tecidual) - 0,9 mg/kg - sendo 10% da dose em bolus e 90% em bomba de infusão por 1 hora. Depois disso, é preciso reavaliar o paciente em trombólise a cada 15 min com a escala do NIH.

Importante lembrar que só pode ser utilizado nas primeiras 4,5h desde o início dos sintomas. Após esse tempo, os efeitos benéficos do fármaco diminuem e o risco de conversão hemorrágica aumenta. Outros pré-requisitos de trombólise são idade > 18 anos, infarto ou edema acometendo menos que 1/3 do território da ACM e a ausência de hemorragia nos exames de imagem.

ATENÇÃO! Nos casos de wake-up stroke (sintomas observados quando o paciente acordar) e quando o tempo de início dos sintomas for desconhecido, optamos por não fazer a trombólise. Quando o NIHSS for maior do que 25, a janela terapêutica para trombólise recomendada é de até 3 horas, já que depois desse tempo os indivíduos possuem mais risco de hemorragia.

Outras contraindicações para trombólise são pressão persistente maior do que 185/110 mmHg, sinais de conversão hemorrágica (cefaleia, náuseas, vômitos, agravamento de déficit neurológico e/ou alteração do nível de consciência), cirurgia de grande porte ou traumatismo nos últimos 14 dias, plaquetas <100.000, INR >1.7, hemorragia digestiva há 21 dias e Infarto do miocárdio recente.

Se o paciente com AVCi não for candidato a terapia com Alteplase, pode-se avaliar a indicação para trombectomia (>18 anos, NIHSS > 6, ASPECTS > 6, até 6h do início dos sintomas, até 24h em alguns casos) ou cirurgia descompressiva (até 60 anos, até 48h do início dos sintomas, indicado para AVC grave). 

Conclusão

O AVC é uma importante causa de morbimortalidade no mundo, acometendo principalmente idosos, tabagistas, diabéticos e hipertensos. Em caso de suspeita, o paciente deve ser rapidamente encaminhado para centro de referência para melhor averiguação do quadro.

Mais de 80% dos casos com déficit neurológico focal agudo são por AVC isquêmico e reconhecer seus sinais rapidamente é essencial para um tratamento que diminua o risco de sequelas, com agente trombolítico, que só pode ser feito em até 4,5h desde o início dos sintomas. 

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