A doença inflamatória pélvica (DIP) é uma patologia comum nas emergências, acometendo principalmente mulheres jovens e sexualmente ativas. A doença configura-se como uma das complicações mais relevantes das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), representando um grave problema de saúde pública, especialmente prevalente em mulheres jovens envolvidas em atividades sexuais desprotegidas.
A DIP está intimamente associada a consequências significativas a longo prazo, acarretando morbidades reprodutivas, tais como infertilidade por comprometimento das trompas, ocorrência de gravidez ectópica e a persistência de dor pélvica crônica. As taxas de incidência variam na literatura, situando-se entre 9% e 20%, e apresentam aumento proporcional ao número de episódios da condição.
O que é a doença inflamatória pélvica?
A doença inflamatória pélvica é caracterizada pela infecção aguda das estruturas do trato genital superior englobando o útero, ovidutos e ovários, frequentemente com comprometimento dos órgãos pélvicos adjacentes. Por isso, causa endometrite, salpingite, miometrite, ooforite, parametrite e/ou pelviperitonite.
Convencionalmente, a doença tem início com um agente sexualmente transmissível, que se propaga para o trato genital superior de forma espontânea ou secundária a procedimentos médicos como a inserção de DIU, biópsia de endométrio, curetagem, entre outros.
Epidemiologia e fatores de risco
A atividade sexual é o principal fator de risco para o desenvolvimento do problema, por isso, a maioria dos outros fatores estão relacionados a:
- Múltiplos parceiros
- Parceiro com IST
- Relação sexual sem contraceptivo de barreira
- Idade jovem (15 a 25 anos)
- Condições socioeconômicas desfavoráveis
- Quadro anterior de DIP
Os contraceptivos orais não estão relacionados à incidência de novos quadros, no entanto, parecem reduzir a chance de quadros graves. O risco de doença inflamatória pélvica em caso de dispositivos intrauterinos (DIU) limita-se principalmente às primeiras três semanas após a sua inserção e está associado à introdução física do dispositivo.
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Fisiopatologia
A maioria das mulheres saudáveis possui uma flora vaginal que inclui diversas bactérias potencialmente patogênicas. O canal endocervical atua como uma barreira protetora, normalmente estéril, que separa o trato genital superior dos organismos presentes no ecossistema vaginal dinâmico.
Infecções endocervicais por patógenos sexualmente transmissíveis podem comprometer essa barreira e ascender, permitindo que as bactérias vaginais acessem os órgãos genitais superiores, resultando em infecções como endometrite, salpingite, ooforite, peritonite pélvica e inflamação do estroma subjacente.
Sendo assim, cerca de 85% dos casos de DIP são causados por agentes patogênicos transmitidos sexualmente ou associados à vaginose bacteriana. A Neisseria gonorrhoeae e a Chlamydia trachomatis são as mais frequentemente encontradas. Os demais patógenos podem ser vistos na tabela abaixo.
Sintomas de doença inflamatória pélvica
O curso da apresentação da doença inflamatória pélvica é tipicamente agudo, mas também pode ocorrer de forma indolente com sintomas pélvicos leves e vagos até dor intensa associada a abscesso tubo-ovariano e, raramente, sepse.
A DIP sintomática aguda é caracterizada pelo início de dor abdominal inferior ou pélvica (geralmente bilateral), podendo ser simétrica ou assimétrica, sensibilidade nos órgãos pélvicos e evidência de inflamação do trato genital.
Os sintomas clássicos da DIP sintomática envolvem dor hipogástrica, dor a mobilização do colo cervical e dor a palpação anexial durante o exame pélvico bimanual. Os sintomas como sensibilidade de rebote, febre e diminuição dos ruídos intestinais tendem a ser mais proeminentes em casos mais graves.
O início recente de dor que piora durante o coito ou com movimentos bruscos pode ser o único sintoma de apresentação, acometendo um terço das pacientes. O surgimento da dor durante ou imediatamente após a menstruação é especialmente indicativo. Outras queixas inespecíficas incluem frequência urinária e corrimento vaginal anormal.
A maioria das mulheres apresenta doença leve a moderada e apenas uma minoria desenvolve peritonite ou abscesso pélvico, que geralmente se manifestam por dor mais intensa, maior sensibilidade ao exame físico e sintomas sistêmicos como febre. Em algumas mulheres, o processo inflamatório pode estender-se à cápsula hepática e causar peri-hepatite conhecida como síndrome de Fitz-Hugh Curtis.
Além disso, a presença de corrimento endocervical purulento e/ou corrimento vaginal é comum, embora a lateralização significativa da sensibilidade anexial seja mais rara em casos de doença inflamatória pélvica leve a moderada.
Diagnóstico
O diagnóstico clínico de DIP é feito a partir de uma lista de critérios maiores, menores e elaborados. Para o diagnóstico é necessária a presença de:
- Três critérios maiores + um critério menor
OU
- Um critério elaborado
A DIP ainda pode ser classificada em estágios segundo os estádios de Monif para conduzir o nosso tratamento:
- Monif 1 – Salpingite sem peritonite
- Monif 2 – Salpingite com peritonite
- Monif 3 – Oclusão tubária/ abscesso tubo ovariano íntegro
- Monif 4 – Abscesso tubo-ovariano roto
Diagnóstico diferencial
Os principais diagnósticos diferenciais de DIP incluem:
- Gravidez ectópica
- Apendicite aguda
- Infecção do trato urinário
- Litíase ureteral
- Torção de tumor cístico de ovário
- Torção de mioma uterino
- Rotura de cisto ovariano
- Endometriose
- Diverticulite
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Tratamento da doença inflamatória pélvica
O tratamento deve ser conduzido a partir de um fluxograma, a fim de compreender se o paciente deve ser tratado via ambulatorial ou hospitalar. Os cenários em que é necessário o internamento são os seguintes:
- Abscesso tubo-ovariano, gravidez
- Falta de melhora clínica após 72 horas de antibioticoterapia oral
- Intolerância a antibióticos por via oral ou dificuldade no acompanhamento ambulatorial
- Estado geral comprometido com náuseas, vômitos e febre
- Dificuldade em descartar emergência cirúrgica (como apendicite ou gravidez ectópica).
De forma geral, pacientes a partir do estádio 2 de Monif devem ser hospitalizadas. Além disso, aquelas com abscesso tubo-ovariano roto, devem ser submetidas a procedimento cirúrgico.
A escolha do antibiótico também dependerá do local de condução do tratamento, conforme a tabela abaixo. A administração por via parenteral deve ser interrompida 24 horas após o desaparecimento dos sintomas, enquanto o tratamento antimicrobiano oral deve ser mantido por um período adicional de até 14 dias.
A ceftriaxona será útil no controle da Clamídia, a doxiciclina para tratar o gonococo e o Metronidazol para combate de agentes anaeróbios. Os critérios para indicação cirúrgica são: instabilidade hemodinâmica, piora clínica ou resposta inadequada durante o tratamento e abscesso ≥ 7 cm.
As complicações podem ser agudas como pelviperitonite e ruptura de abscesso tubo-ovariana ou crônicas como infertilidade, maior risco de gravidez ectópica e dor pélvica crônica.
Conclusão
De forma abrangente, o diagnóstico da doença inflamatória pélvica é clínico e deve fazer parte dos possíveis diferenciais das patologias pélvicas agudas, a fim de identificar o quadro de forma precoce e introduzir o tratamento adequado. Essas medidas são fundamentais para evitar complicações e resguardar a saúde reprodutiva da paciente.
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FONTES:
- Harold C Wiesenfeld. Pelvic inflammatory disease: Treatment in adults and adolescents. UpToDate. 2023
- Jonathan Ross. Pelvic inflammatory disease: Clinical manifestations and diagnosis. UpToDate. 2023
- Jonathan Ross. Pelvic inflammatory disease: Pathogenesis, microbiology, and risk factors. UpToDate. 2023
- Ministério da Saúde. Protocolo Clínico E Diretrizes Terapêuticas Para Atenção Integral Às Pessoas Com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Brasília, DF. 2022
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