Intoxicação aguda é definida como um conjunto de efeitos nocivos que causam desequilíbrio ao organismo, produzidos pelo uso abusivo de um ou mais agentes tóxicos. A gravidade do quadro depende da quantidade e letalidade de substância a que o paciente foi exposto, o tempo decorrido entre o acidente e a intervenção médica, além de fatores do próprio indivíduo, como idade e competência imunológica.
As exposições às toxinas podem ocorrer por diversas vias, como oral, cutânea, inalatória, por exposição de mucosa e intravenosa. Enquanto crianças costumam se intoxicar por acidentes, nos adultos é mais comum que a intoxicação seja proposital, a fim de provocar uma tentativa de extermínio.
As intoxicações agudas são a principal causa de morte por agentes externos, superando até os acidentes automobilísticos. Logo, é essencial identificar qual a etiologia e realizar rápido manejo na emergência.
Como realizar a avaliação inicial?
Suspeitamos de intoxicação aguda quando há uma história compatível do paciente e sinais de rebaixamento de nível de consciência, mudanças comportamentais ou outras alterações neurológicas, além de insuficiência respiratória, broncoaspiração, arritmias inexplicadas e insuficiência hepática ou renal agudas.
Com a suspeita diagnóstica, devemos encaminhar o indivíduo para a sala de emergência com maior monitoramento e prosseguir com a avaliação, realizando a anamnese e exame físico.
Anamnese
A anamnese muitas vezes não vai ser possível de obter com o próprio paciente, sendo necessário questionar o acompanhante.
É necessário perguntar o histórico de abuso de substâncias, transtornos psiquiátricos, medicações em uso e se há motivações recentes para a tentativa de suicídio (ex: separação de parceiro amoroso e falência são motivos comuns). Pode-se solicitar ajuda de parentes e amigos para checar o domicílio à procura do agente tóxico.
Exame físico
No exame físico devemos lembrar da avaliação ABCDE (vias aéreas, respiração, circulação, déficit neurológico e exposição). Focar então nos sinais vitais (temperatura, frequência e ausculta cardíaca e respiratória, pressão arterial, saturação de O2), funções autônomas (verificar se há peristalse, diurese, sialorreia etc.), estado mental, tônus muscular, avaliação da cavidade oral e narinas (inalação de cocaína? Substância aparente? Cheiro característico?) e avaliação das pupilas.
A seguir, coletar gasometria arterial (avaliar ânion gap) e screening toxicológico (por exame sérico ou de urina).
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Etiologias
Há diversas etiologias, em crianças é muito comum a intoxicação aguda por medicamentos e produtos de limpeza. Em adultos até 40 anos é mais comum intoxicações por medicamentos e por animais peçonhentos. Em adultos maiores de 40 anos, a intoxicação aguda por animais peçonhentos é a principal etiologia.
No entanto, as substâncias que mais causam mortalidade são os produtos agrotóxicos agrícolas, seguido de abuso de drogas e medicamentos, em adultos, e por animais peçonhentos em crianças.
Classificação para as intoxicações agudas
Podemos classificar as intoxicações agudas em síndromes toxicológicas, onde existem “grupos” de toxinas que causam sinais e sintomas específicos, possíveis de identificar no exame físico. Essa classificação guia o tratamento de maneira mais rápida, pois não há “perda de tempo” na confirmação do agente etiológico.
Síndrome simpaticomimética
Define-se pelo excesso de atividade do sistema simpático, causado por drogas como cocaína, ecstasy, anfetaminas, efedrina, teofilina, cafeína, sibutramina, salbutamol e LSD. A clínica apresenta os sinais clássicos da "luta e fuga", como agitação, diaforese, pupilas midriáticas, taquipneia, taquicardia e hipertensão e hipertermia. Em situações mais graves pode haver arritmias, IAM e tromboses.
Síndrome anticolinérgica
Este tipo de intoxicação aguda ocorre após o uso de substâncias antimuscarínicas, como anti-histamínicos, anti-parkinsonianos, atropina, escopolamina, ciclobenzaprina e antidepressivos tricíclicos. Há um bloqueio do tônus colinérgico normal (e predominância do simpático), com ausência de peristalse, delirium, alterações visuais, hipertermia, midríase, rubor cutâneo e mucosas secas.
Síndrome colinérgica
Ela se apresenta quando há estimulação excessiva do sistema parassimpático, causada pelo uso de substâncias como fisostigmina, pilocarpina, inseticidas, carbamatos, organofosforados - chumbinho e nicotina. Ocorrem sintomas relacionados aos receptores muscarínicos, como aumento de secreção glandular (vômitos, broncorreia, diaforese, diarreia, lacrimejamento, sialorreia) letargia e miose, mas também nicotínicos (taquicardia, fraqueza, tremores, convulsões, midríase e sonolência).
Síndrome sedativo-hipnótica
Nesta intoxicação aguda há perda de tônus muscular e reflexos de proteção das vias aéreas, além de sedação. Pode ocorrer na intoxicação por álcool, barbitúricos e benzodiazepínicos.
Síndrome opioide
Ela envolve sedação, diminuição da FR e miose. O diagnóstico é confirmado quando observa-se resposta ao uso de naloxone, antídoto de opióides. Nos Estados Unidos é o tipo de intoxicação mais comum. No Brasil ainda não é um grande problema, mas a aquisição de opióides está crescendo.
Síndrome serotoninérgica
Geralmente ocorre horas/dias após a introdução de duas ou mais medicações que estimulam a produção de serotonina em doses acima da faixa terapêutica (situações em que profissionais prescrevem erroneamente esses medicamentos controlados). Os medicamentos são: ISRS, IMAO, ADT e antipsicóticos atípicos. As manifestações incluem estado mental alterado, agitação, hipertermia, hiperreflexia e diaforese.
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Diagnósticos diferenciais
A síndrome de abstinência é um diagnóstico diferencial a ser pensado, pois costuma ter sinais e sintomas (diaforese, midríase, taquicardia, náuseas) muito semelhante aos de intoxicação, mas o manejo é diferente. Outras condições que devem ser descartadas são reações alérgicas, infecções do sistema nervoso e distúrbios psiquiátricos.
Manejo das intoxicações agudas
O manejo é realizado simultaneamente ao exame físico, priorizando medidas de acordo com o ABCDE, ou seja, primeiro garantir vias aéreas pérvias, oxigenação adequada, e, caso haja sinais de choque, fornecer hidratação venosa. Após isso, coletar material para exames é essencial (solicitar hemograma, CPK, função hepática e renal, eletrólitos, glicemia, b-HCG, gasometria arterial e screening toxicológico).
ATENÇÃO! A solicitação de exames complementares diagnósticos não é necessária nos casos em que os achados clínicos são compatíveis com dados da anamnese ou em pacientes assintomáticos com intoxicação acidental.
Em pacientes com parada cardiorrespiratória, se houver suspeita de intoxicação por opióides, além da conduta usual de PCR, indicar uso de naloxone (antídoto para opioides).
Medidas de descontaminação
- Induzir ao vômito
- Lavagem gástrica: indicado se realizada em até 1h após a intoxicação oral.
- Uso de carvão ativado: indicado se realizado em até 2h após contaminação oral com substâncias absorvíveis por carvão (medicamentos, produtos de limpeza, toxina botulínica, LSD, carbamatos e organofosforados).
- Lavagem intestinal: laxantes para eliminar toxinas não absorvíveis pelo carvão ativado, como lítio, ferro, chumbo, body Packers (transporte de drogas em cápsulas).
- Alcalinização da urina (para barbitúricos, tricíclicos e salicilatos) e acidificação (anfetaminas e quinidina): aumentam a excreção de toxinas específicas. Deve ser feita com monitorização rigorosa do pH.
- Hemodiálise: indicado para álcool, fenobarbital, carbamazepina, ácido valproico, lítio e salicilatos. Corrige distúrbios eletrolíticos e acidose.
- Utilização de Antídotos: não são todas substâncias que tem um antídoto, mas abaixo segue alguns exemplos:
- Opioides 🡪 naloxone
- Benzodiazepínico 🡪 Flumazenil
- Paracetamol 🡪 N-acetilcisteína
- Metanol/etilenoglicol 🡪 Fomepizol / etanol
- Pesticidas (carbamatos e organofosforados) 🡪 Atropina e fisostigmina
- Cianeto 🡪 hidroxicobalamina
- Anestésicos locais 🡪 emulsão lipídica
- Ferro 🡪 desferoxamina
Conclusão
Portanto, as intoxicações agudas são resultantes da exposição a substâncias tóxicas provenientes do ambiente externo. O diagnóstico requer atenção à história do paciente e exame físico, solicitando exames laboratoriais também. O manejo deve ser hábil pela gravidade em que o indivíduo se encontra na maioria dos casos, avaliando necessidade de ventilação, oxigenação, hidratação e medidas de descontaminação (lavagem, carvão ativo, laxantes e antídotos).
Antes de o indivíduo receber alta, é necessária a avaliação com psiquiatra, em relação a possibilidade de tentativa de suicídio. Quanto às crianças, cabe orientação dos pais e responsáveis para que acidentes com produtos químicos não ocorram.
Continua aprendendo:
- Ventilação mecânica invasiva: indicações, modos e parâmetros
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FONTE:
- Medicina de Emergência FMUSP 16ª edição
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