Gastroenterologia
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Doença celíaca: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento 

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Equipe medclub
Publicado em
4/9/2024
 · 
Atualizado em
4/9/2024
Índice

A doença celíaca, também conhecida como enteropatia sensível ao glúten, é uma patologia crônica comum na população e que afeta o intestino delgado. Estudos epidemiológicos estimam que a prevalência global da doença seja em torno de 1,4% - variando dependendo da região. 

No Brasil, há 2 milhões de pessoas celíacas, porém a maioria delas encontra-se sem diagnóstico. Diante disso, é extremamente importante que médicos e estudantes de medicina saibam sobre a doença celíaca, para que ocorra um aumento no diagnóstico precoce dessa doença e uma melhora na qualidade de vida para essas pessoas. 

O que é a doença celíaca?

A doença celíaca é uma distúrbio do intestino delgado que se manifesta a partir do surgimento de inflamação da mucosa intestinal, das vilosidades e pela hiperplasia, devido a uma reação imunológica inadequada pela exposição ao glúten na dieta naquelas pessoas geneticamente predispostas. 

O glúten é uma substância formada pelas proteínas quando a farinha de trigo é misturada com água. Tal substância garante maior elasticidade em vários alimentos. 

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Propaganda exibindo alimentos não recomendados pelos celíacos e alternativas seguras para troca. Fonte: ACELERA

Fisiopatologia da doença celíaca

Como foi dito anteriormente, a ingestão de alimentos ricos em glúten, formado por proteínas presentes em grãos como trigo, cevada, centeio, vai causar uma série de manifestações danosas ao intestino delgado, que muitas vezes leva à má absorção e uma série de sintomas gastrointestinais. Diferentemente de uma reação alérgica ao trigo, que estão mais relacionadas com o IgE ou IgG, a doença celíaca se relaciona com células T reativas à gliadina

Existem uma série de fatores que estão relacionados com o desencadeamento e/ou aprofundamento da doença. Entre elas, podemos mencionar: fatores genéticos, exposição ao glúten, microbiota intestinal e fatores ambientais

Fatores genéticos 

A base genética da doença ocorre pela presença do locus gênico do antígeno leucocitário humano (HLA) DR3-DQ2 e/ou DR4-DQ8. Isso porque, 99% dos indivíduos celíacos possuem, em comparação com a população em geral, que apenas 40% dela apresenta os genes. 

Exposição ao glúten 

Qualquer pessoa que possui doença celíaca precisa ter sido exposta ao glúten. Estudos evidenciaram que maiores quantidades de glúten na dieta da criança apresentam um fator positivo para o desenvolvimento da doença para aqueles que são geneticamente predispostos. 

Microbiota intestinal

Desequilíbrios da microbiota podem contribuir para a patogênese da doença celíaca. 

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Fatores ambientais

O acontecimento de infecções gastrointestinais, principalmente na infância, estão sendo relacionados como fatores que podem desencadear ou agravar a doença. Foi visto que indivíduos que tiveram infecção por rotavírus ou enterovírus são mais comuns em crianças com doença celíaca do que naquelas sem a doença. 

Outros fatores

Pessoas com diabetes tipo 1; tireoidite autoimune e com síndromes de Down e Turner. 

Sintomas da doença celíaca

Os sintomas clássicos de doença celíaca são diarreia e/ou sinais e sintomas de má absorção, como esteatorreia, perda de peso ou outros sinais de deficiência de nutrientes ou vitaminas

Entretanto, os pacientes podem adquirir a forma atípica da doença. Nesse caso, as queixas gastrointestinais podem existir, mas em menor intensidade se comparada à forma clássica. Manifestações extraintestinais, como anemia, defeitos no esmalte dentário, osteoporose, artrite, sintomas neurológicos e diversas doenças autoimunes podem estar associadas.

Além disso, é importante mencionar que existem a forma assintomática da doença. Nesse caso, o diagnóstico é feito de forma incidental, mediante a realização de uma endoscopia para outros motivos que acabam identificando o remodelamento arquitetônico característico da mucosa intestinal, como a atrofia das vilosidades. 

Como estabelecer o diagnóstico?

Antes de estabelecer o diagnóstico, o médico deve questionar a possibilidade da doença para aquelas pessoas que apresentam um quadro clínico com sintomas gastrointestinais sugestivos e/ou sinais e sintomas extraintestinais sugestivos. 

De modo geral, indivíduos que não apresentam sinais ou sintomas sugestivos de má absorção, como diarreia/esteatorreia crônica ou perda de peso, que não possuem história familiar de doença celíaca e possuem uma dieta com glúten, apresentam uma baixa probabilidade de apresentar o problema

Nesses pacientes, só é indicado a realização de testes sorológicos. No caso de teste positivo, a endoscopia digestiva alta com biópsia é indicada para o diagnóstico. A biópsia é realizada na segunda porção do duodeno, conhecida como duodeno distal. Nesta porção, são retiradas amostras do tecido, as quais serão examinadas quanto a presença ou não de atrofia das vilosidades intestinais, hiperplasia das criptas e aumento do número de linfócitos. Por outro lado, nos casos de teste negativo, a doença poderá ser afastada como hipótese diagnóstica. 

Dentre os exames sorológicos, poderá ser feito o teste para Anticorpo Antiendomísio (EMA)-IgA. Porém, é um teste caro, então poderá ser feito de forma mais acessível o exame anti-transglutaminase (IgA). Para adultos que não querem ser submetidos a uma biópsia, a elevação do IgA superior a 10x o limite superior do normal, com anticorpo endomisial (EMA) positivo em uma segunda amostra de sangue os diagnosticam com provável doença celíaca. 

ATENÇÃO! O exame anti-transglutaminase tecidual IgA é uma excelente alternativa, por apresentar uma sensibilidade e especificidade em torno de 95%. Contudo, junto com ela, é preciso fazer a dosagem de IgA, uma vez que 3% dos pacientes vão apresentar uma deficiência de IgA. Nesses casos, outras alternativas de teste serão a anti-gliadina e a anti-endomísio. 

Para os pacientes com alta probabilidade de ter a doença, por apresentarem uma clínica compatível, deve ser feito, além do teste sorológico, a biópsia de intestino delgado, independentemente se o resultado da sorologia específica der negativo. 

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Tratamento da doença celíaca

O principal ponto do tratamento de pacientes que possuem o problema é a eliminação do glúten da dieta, uma vez que não existem medicamentos aprovados especificamente para tratar a doença. Assim, é recomendado que o paciente tenha um acompanhamento multidisciplinar. 

Deve ser ressaltado a importância de um acompanhamento nutricional, para que seja criada uma dieta sem glúten para o paciente. Sabe-se que a eliminação total do glúten na dieta de alguém pode trazer várias restrições no estilo de vida,  por isso a importância de um bom acompanhamento profissional, pois a capacidade de tolerar o glúten na dieta é bastante variável entre os pacientes. Ou seja, apesar de que é recomendado uma dieta isenta de glúten para a maioria dos celíacos, dependendo do caso, podem ser feitas exceções. 

Além disso, os pacientes devem ser testados para possíveis deficiências nutricionais, problema relativamente comum nos pacientes, para que, quando carências forem encontradas, ocorram as devidas reposições. A testagem deve ocorrer principalmente para deficiência de vitaminas (A, D, E, B12); cobre; zinco; caroteno; ácido fólico; ferritina; ferro e tempo de protrombina (TP) para possível deficiência de vitamina K. 

Quando ocorre uma deficiência de vitamina D, é possível que o indivíduo adquira um hiperparatireoidismo secundário, resultando em perdas ósseas. Nesse caso, o paciente deverá ser tratado para o hiperparatireoidismo e para a sua doença base. Assim , pacientes com o diagnóstico de doença celíaca devem ser avaliados quanto à perda óssea. 

Conclusão 

A compreensão aprofundada da doença celíaca é crucial para o diagnóstico precoce e o manejo eficaz dessa condição, que afeta uma parcela significativa da população. Os avanços no entendimento da fisiopatologia, como a identificação dos fatores genéticos e imunológicos envolvidos, têm sido fundamentais para aprimorar as estratégias diagnósticas. 

A adesão estrita a uma dieta sem glúten permanece a principal forma de tratamento, sendo essencial o suporte nutricional e o monitoramento de deficiências nutricionais. A conscientização sobre a doença e a capacitação dos profissionais de saúde são essenciais para melhorar a qualidade de vida dos pacientes celíacos, promovendo uma abordagem multidisciplinar e personalizada.

Continue aprendendo:

FONTES:

  • Kagnoff MF. Celiac disease. A gastrointestinal disease with environmental, genetic, and immunologic components. Gastroenterol Clin North Am 1992; 21:405.
  • Rubio-Tapia A, Hill ID, Semrad C, et al. American College of Gastroenterology Guidelines Update: Diagnosis and Management of Celiac Disease. Am J Gastroenterol 2023; 118:59.
  • Schuppan D. Current concepts of celiac disease pathogenesis. Gastroenterology 2000; 119:234.
  • MELO, Francisco M. de et al. Associação entre marcadores sorológicos de doença celíaca e das doenças autoimunes da tireóide. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, v. 49, p. 542-547, 2005.
  • BOÉ, Cristiane et al. Doença celíaca e constipação: uma manifestação clínica atípica e pouco frequente. Revista Paulista de Pediatria, v. 30, p. 283-287, 2012.

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