A embolia por líquido amniótico (ELA) é uma condição rara, acometendo 1.9 a 6.1 pacientes a cada 100.000 partos. Entretanto, é um quadro catastrófico, com taxa de mortalidade que pode chegar a 80%. Por isso, seu reconhecimento precoce é de extrema importância.
O que é embolia por líquido amniótico?
A embolia por líquido amniótico ocorre quando o líquido amniótico entra em contato com a circulação materna, sendo interpretado pelo sistema imune como um antígeno desconhecido. Isso desencadeia uma “tempestade de citocinas”, similar ao quadro da síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS). A embolia ocorre mais frequentemente durante o trabalho de parto ou no puerpério imediato.
Fisiopatologia
A fisiopatologia não está completamente elucidada. Todavia, como mencionado anteriormente, acredita-se que o líquido amniótico, que contém células fetais e outros antígenos, promova uma ativação anormal do sistema imune e humoral materno, liberando substâncias pró-coagulantes e vasoativas.
Consequentemente, há um aumento rápido da pressão intrapulmonar e, posteriormente, do ventrículo direito, concomitante a uma redução da resistência vascular periférica (RVP). A hipertensão pulmonar irá cursar com alteração da relação ventilação-perfusão, edema pulmonar cardiogênico e insuficiência respiratória.
A redução da RVP cursa com hipotensão e falha da bomba cardíaca esquerda. Esta última pode ser consequência da “tempestade de citocinas”, de uma possível lesão hipóxica do miocárdio, ou do contato direto do líquido amniótico com o músculo cardíaco.
E mais, a ativação de substâncias pró-coagulantes - especialmente o fator VII e as plaquetas - ativam a cascata de coagulação, e o paciente frequentemente evolui com coagulação intravascular disseminada (CIVD). Consequentemente, a paciente evolui com hemorragia importante, contribuindo para o quadro de instabilidade hemodinâmica.
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Sinais e sintomas da embolia por líquido amniótico
Na maioria dos casos (90%), a apresentação inicial da embolia por líquido amniótico é abrupta e rapidamente progressiva. Classicamente, as pacientes evoluem com comprometimento cardiorrespiratório, hipóxia súbita e hipotensão.
As manifestações clínicas iniciais incluem aura, calafrios, náuseas e vômitos. E ainda, agitação, ansiedade e mudanças do estado mental. E mais, a paciente pode abrir o quadro com comprometimento cardiorrespiratório, sendo a embolia por líquido amniótico uma causa comum de parada cardiorrespiratória no período intraparto e pós-parto.
Nesses casos, a paciente pode apresentar dessaturação, dispneia e taquipneia. E ainda, cianose, crepitações e sibilos na ausculta respiratória. Além disso, a hemorragia acomete cerca de 80% das mulheres com ELA, e o sangramento comumente surge logo após o início dos sintomas de comprometimento cardiovascular.
Assim, em mulheres grávidas, o sangramento pode se exteriorizar por dispositivos invasivos, como o acesso venoso periférico. Já em puérperas, o sangramento frequentemente localiza-se no útero, nas lacerações de canal vaginal ou no local da incisão cirúrgica nas pacientes que realizaram cesária. Também pode ocorrer hemorragia espontânea pelo trato urinário ou gastrointestinal.
Por fim, o edema pulmonar cardiogênico e não cardiogênico são quadros comuns nas mulheres com ELA. E ainda, convulsões tônico-clônicas e acidentes vasculares cerebrais são manifestações iniciais raras na embolia por líquido amniótico, mas que também podem ocorrer.
Dessa forma, o problema sempre deve ser suscitado em mulheres gestantes ou em puerpério imediato com colapso cardiovascular, insuficiência respiratória e hipóxia. Além disso, deve-se lembrar da ELA para os diagnósticos diferenciais de convulsões tônico-clônicas, especialmente quando essa é procedida pela CIVD.
Diagnóstico
O diagnóstico da embolia por líquido amniótico é clínico, e se dá na presença das características clínicas específicas, associado à exclusão de outras causas potencialmente fatais. Todavia, é preciso ter em mente que os achados clínicos clássicos podem não estar presentes, visto que cerca de 25% das pacientes apresentará apenas a insuficiência respiratória e hipotensão.
A CIVD é o achado laboratorial mais específico, sendo evidenciado por níveis elevados de D-dímero, níveis baixos de fibrinogênio (< 200 mg/dL) e trombocitopenia. Já o hemograma destas pacientes é pouco específico, podendo demonstrar anemia secundária às perdas sanguíneas, bem como elevação dos glóbulos brancos. Entretanto, deve-se ter em mente que a leucocitose é um achado comum em mulheres pós-parto.
Para mais, a gasometria demonstra hipoxemia importante e, raramente, hipercapnia. A acidose metabólica pode ser evidenciada em pacientes em parada cardiorrespiratória prolongada. O raio-X de tórax é comumente normal no quadro inicial, entretanto, pode ser evidenciado infiltrado bilateral denso, decorrente do edema pulmonar.
O eletrocardiograma frequentemente revela taquicardia sinusal, mas também podem ser evidenciados arritmias tipicamente visualizadas em pacientes em parada cardiorrespiratória. Já o ecocardiograma demonstra o aumento da pressão pulmonar e a redução da fração de ejeção do ventrículo direito.
O batimento cardíaco do feto também se encontra comprometido, visto que a hipotensão materna diminui a perfusão útero-placentária. Por isso, o bebê pode apresentar sinais de hipoxemia e acidose, com a cardiotocografia evidenciando desacelerações e bradicardia.
A Society forMaternal-Fetal Medicine e a Amniotic Fluid Embolism Foundation propuseram uma definição baseada em quatro critérios diagnósticos. Para o diagnóstico, todos os critérios devem estar presentes. Especialistas concordam que esses critérios podem ser utilizados para excluir pacientes que não apresentem embolia pulmonar por líquido amniótico, entretanto, eles não englobam pacientes com quadro clínico atípico.
Tratamento da embolia por líquido amniótico
O tratamento da embolia por líquido amniótico consiste na ressuscitação cardiopulmonar de qualidade, em caso de parada cardiorrespiratória, e na rápida ressuscitação volêmica para restabelecimento da perfusão tecidual.
Nas pacientes com hipotensão refratária, a droga de escolha é a norepinefrina. Entretanto, nas mulheres com choque cardiogênico, a dobutamina pode ser uma boa opção. Além disso, é fundamental garantir a via aérea da gestante, na maioria dos casos, através da intubação e ventilação mecânica.
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Na ausência de hemorragia, os cristalóides são utilizados. Entretanto, na presença de CIVD, recomenda-se iniciar a terapia com ácido tranexâmico e o protocolo de transfusão maciça.
Para mais, é importante lembrar que a hemoglobina e o hematócrito não são bons indicadores de hemorragia aguda, uma vez que ambos podem não cair imediatamente após o início do quadro hemorrágico. Por isso, o tratamento para a coagulopatia pode ser iniciado nas pacientes com alto risco, mesmo na ausência de evidência de hemorragia.
Assim, são classificadas como alto risco pacientes com plaquetas < 50.000/microL, tempo de protrombina (TP) ou tempo parcial de tromboplastina ativado (TTPA) alargado, e níveis de fibrinogênio < 200 mg/dL. Para as pacientes com plaquetopenia < 50.000/microL, recomenda-se a administração de 1 a 2 concentrados de plaqueta por 10kg de peso corporal.
Já para as pacientes com TP OU TTPA alargado, deve-se administrar plasma fresco com objetivo de reduzir o INR. Por fim, níveis de fibrinogênio < 200 mg/dL necessitam de crioprecipitado, objetivando níveis de fibrinogênio > 100 mg/dL. Para mais, o plasma fresco deve ser associado ao crioprecipitado em pacientes com níveis de fibrinogênio < 50 mg/dL.
Por fim, nas gestantes, recomenda-se avaliar a necessidade de realização do parto se o feto estiver vivo e em idade gestacional viável para sobreviver às condições extra-uterinas (> 22 a 23 semanas). Entretanto, na presença de cardiotocografia com categoria III, ou deterioração rápida e progressiva da mãe, frequentemente é indicado o parto de emergência.
A cesária perimortem é indicada após 4 minutos de ressuscitação pulmonar materna, com a retirada do feto, idealmente, até o 5º minuto após o início da ressuscitação. Isso porque a retirada da placenta auxilia no desvio do fluxo sanguíneo para a paciente, facilitando o retorno da circulação sanguínea.
Conclusão
A embolia por líquido amniótico é um evento raro, porém extremamente grave, que demanda reconhecimento imediato e manejo intensivo e multidisciplinar para aumentar as chances de sobrevivência materna e fetal. O diagnóstico precoce, baseado em critérios clínicos e exclusão de outras causas, e a instituição rápida de medidas terapêuticas são essenciais para o tratamento.
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FONTE:
- BALDISSERI, M. R., CLARK, S. L. Amniotic fluid embolism - UpToDate
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