O hiperaldosteronismo primário (HAP) é a principal causa da hipertensão secundária, correspondendo a cerca de 10% dos indivíduos hipertensos. Para mais, ao considerar portadores de HAS grave e de difícil controle - controle insatisfatório com o uso de três drogas anti-hipertensivas - a prevalência é de 23%.
O que é hiperaldosteronismo primário?
O hiperaldosteronismo primário é um grupo de doenças que cursa com aumento inapropriado da produção de aldosterona pelo córtex adrenal, de forma autônoma ao sistema renina-angiotensina-aldosterona, ou seja, de forma independente dos níveis séricos de angiotensina e potássio. Além disso, a produção não é suprimida, ou é apenas parcialmente suprimida, pela sobrecarga do sódio.
Fisiopatologia de hiperaldosteronismo primário
A aldosterona é um hormônio secretado pela zona glomerulosa das células corticais da glândula adrenal, e atua promovendo a reabsorção renal de sódio e a secreção de potássio pelos glomérulos. A sua produção é estimulada, principalmente, nas seguintes situações:
- Devido ao aumento da concentração extracelular de potássio, ou;
- Devido ao aumento dos níveis de angiotensina II, estimulada por: 1) situações de redução do volume circulante (ex.: hemorragias, diarreia aguda grave, sudorese excessiva); 2) redução do sódio sérico, ou; 3) devido à baixa pressão arterial.
Dessa forma, nos pacientes com HAP, há uma retenção de sódio e uma depleção de potássio e hidrogênio excessiva. Entretanto, como a retenção de sódio promove retenção simultânea da água, os níveis plasmáticos de sódio podem estar normais ou discretamente aumentados (4 a 6 mEq/L).
Assim, o paciente irá apresentar hipertensão arterial sistêmica (HAS), devido ao aumento do volume extracelular, bem hipopotassemia e alcalose metabólica leve, devido a depleção de potássio e hidrogênio. E ainda, quando a hipopotassemia cai abaixo da metade normal (2 mEq/mL), o paciente pode apresentar fraqueza muscular excessiva, devido à alteração de excitabilidade das fibras nervosas e musculares.
E mais, o paciente apresentará concentração plasmática de renina diminuída, devido a supressão por feedback da renina pelo excesso de aldosterona/líquido extracelular ou devido a HAS. Isso ocorre devido ao sistema renina-angiotensina-aldosterona, que será melhor explorado abaixo.
Sistema renina-angiotensina-aldosterona
A diminuição do cloreto de sódio na mácula densa, grupo de células especializadas presentes nos glomérulos renais, provoca uma dilatação das arteríolas aferentes e um aumento da produção de renina pelos rins. Assim, a renina irá atuar convertendo o angiotensinogênio, produzido pelo fígado, em angiotensina I.
A angiotensina I será convertida em angiotensina II pela enzima conversora de angiotensina, produzida pelos pulmões, ao qual se ligará aos receptores das arteríolas eferentes, realizando vasoconstrição, e irá estimular a produção de aldosterona pelas adrenais.
Causas de hiperaldosteronismo primário
Das causas de hiperaldosteronismo primário, duas etiologias se destacam como responsáveis por 95% dos casos: o hiperaldosteronismo idiopático (65%), que corresponde a hiperplasia adrenal bilateral; e o aldosteronoma, um adenoma adrenal produtor de aldosterona (30%).
Para mais, os outros 5% remanescentes correspondem à hiperplasia adrenal primária unilateral, os carcinomas adrenais produtores de aldosterona, e o hiperaldosteronismo familiar, este último se apresentando com subtipos tipo I e II.
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Hiperaldosteronismo idiopático
Corresponde a uma hiperplasia bilateral da glomerulosa, provocando uma produção relativamente autônoma da aldosterona.
Aldosteronoma
É um tumor benigno produtor de aldosterona. Em sua maioria, são tumores pequenos, que medem cerca de 1,5 a 2 cm.
Hiperplasia adrenal primária unilateral
Corresponde a uma hiperplasia unilateral da adrenal, e se comporta como um aldosteronoma.
Carcinoma adrenal
Os carcinomas adrenais são tumores grandes e invasivos, que raramente secretam aldosterona, e que podem secretar vários tipos de esteróides: cortisol, testosterona, DHEAS, 11-desoxicortisol, 17-alfa-hidroxiprogesterona, 17-beta-estradiol e/ou androstenediona.
Hiperaldosteronismo familial tipo I ou hiperaldosteronismo remediável por glicocorticoide
O hiperaldosteronismo familial tipo I é uma doença monogênica autossômica dominante, em que a síntese da aldosterona ocorre na zona fasciculada, sob controle do ACTH, e não do sistema renina-angiotensina-aldosterona. Por isso, os pacientes comumente manifestam hipertensão e hipopotassemia desde a infância, e apresentam alto risco de desenvolver aneurismas cerebrais.
Hiperaldosteronismo familial tipo II
O hiperaldosteronismo familial tipo II é caracterizado pela presença do hiperaldosteronismo idiopático ou aldosteronoma em diversos membros de uma mesma família. Além disso, esse tipo de HAP apresenta padrão autossômico dominante.
Quais os sinais e sintomas?
A apresentação clássica do hiperaldosteronismo primário é a presença de hipertensão e hipocalemia. Entretanto, apenas de 9% a 37% dos pacientes com hiperaldosteronismo primário apresentam hipocalemia. E ainda, como mencionado anteriormente, o paciente poderá apresentar também alcalose metabólica leve.
Para mais, pacientes com HAP apresentam risco cardiovascular aumentado, devido ao estresse oxidativo promovido pela aldosterona. Dessa forma, esses indivíduos apresentam maiores taxas de massa ventricular esquerda, bem como maiores taxas de fração de ejeção reduzida, quando comparados com indivíduos da mesma idade e sexo.
E ainda, os pacientes apresentam maior prevalência de diabetes mellitus tipo 2, bem como maior risco de acidentes vasculares cerebrais, infarto agudo do miocárdio e fibrilação atrial. E ainda, o HAP está muito associado com a HAS resistente, caracterizada pela falha em atingir os níveis pressóricos adequados com uso de três drogas anti-hipertensivas.
Como realizar o diagnóstico de hiperaldosteronismo primário?
O diagnóstico precoce desses pacientes é de fundamental importância, pois tem como objetivo diminuir os riscos cardiovasculares futuros. Como explicado anteriormente, a maioria dos pacientes com HAP não irá apresentar o quadro clássico de hipertensão refratária e hipocalemia e, por isso, a investigação está indicada nos seguintes casos:
Assim, a investigação inicial do HAP consiste na dosagem da atividade plasmática da renina (APR) ou da concentração plasmática de renina (CPR), associada a dosagem da aldosterona plasmática, que deve ser realizada no período da manhã, idealmente às 8 horas, em ambiente ambulatorial.
No paciente, a renina deve estar suprimida (APR: < 1 ng/mL/hr (277 pmol/L); ou CPR: inferior ao limite da normalidade) e a aldosterona deve apresentar valor > 10 ng/dL. Entretanto, se o rastreio inicial apresentar resultado normal, em contexto de paciente com alta suspeita de HAP, deve-se repetir o exame.
Para mais, é possível avaliar a relação A/APR. Valores > 20 ng/dL por ng/dL/ng/mL.h (> 555 pmol/L por ng/mL/hr) apresenta sensibilidade e especificidade > 90% para o diagnóstico de hiperaldosteronismo primário, contribuindo para a triagem. Em pacientes com hipertensão primária, a relação A/APR é de 4 a 10.
Caso o paciente hipertenso e hipocalêmico apresente APR ou CPR aumentados, deve-se pensar em quadro associado a uso de diurético, hipertensão maligna ou renovascular, e em tumor secretor de renina. Para mais, diversas medicações, condições clínicas e estados fisiológicos podem alterar a relação aldosterona/APR. Observe a tabela abaixo.
Por isso, em caso de triagem positiva, deve-se proceder a investigação para confirmar o problema. Exceção disso são os pacientes que preenchem todos os critérios abaixo, visto que, nestes casos, é possível confirmar o diagnóstico hiperaldosteronismo primário apenas com estes achados:
- Hipocalemia espontânea;
- Supressão da ARP (< 1ng/mL/hr) ou CPR abaixo do limite da normalidade;
- Concentração plasmática de aldosterona ≥20 ng/d (555 pmol/L).
Assim, para os demais pacientes, após rastreio positivo, deve-se submeter o paciente a um dos seguintes testes confirmatórios:
- Teste de sobrecarga salina: consiste na infusão de 2 L de soro fisiológico intravenoso ao longo de 4 horas, com coleta do potássio antes e após a infusão. Caso o paciente apresente hipopotasemia antes da realização do exame, essa deve ser corrigida antes de iniciar o teste. Assim, a concentração de aldosterona plasmática < 5 ng/dL exclui o diagnóstico; concentrações > 10 ng/dL confirmam o diagnóstico; e concentrações entre 5 e 10 ng/dL necessitam de confirmação de outro teste.
- Teste do captopril: coleta-se a aldosterona antes e 1 hora após iniciar o teste, o qual consiste na administração via oral de 50 mg de captopril. Se após 1 hora houver queda da aldosterona > 30% em relação à dosagem inicial, exclui-se o diagnóstico.
Assim, após a confirmação diagnóstica, uma tomografia ou ressonância magnética da glândula adrenal é necessária para identificar possível presença de carcinoma. Após exclusão dessa possibilidade, deve-se questionar o paciente sobre o desejo de realizar o tratamento cirúrgico e, caso este opte por não realizar a cirurgia, deve-se iniciar o tratamento clínico (discutido adiante).
Entretanto, caso o paciente opte pelo tratamento cirúrgico, a conduta será baseada no risco de aldosteronoma. Assim, quando o exame de imagem é completamente normal, classifica-se o paciente em dois grupos:
- Paciente com baixo risco (idade > 50 anos, potássio normal, aldosterona não muito elevada, relação A/APR < 150 ng/dL/mL.h): o diagnóstico provável é o hiperaldosteronismo idiopático, e o tratamento clínico é a melhor opção;
- Paciente com alto risco (paciente jovem, hipopotassemia importante, aldosterona muito elevada, relação A/APR > 175-200 ng/dL/ng/mL.h): deve-se proceder com o cateterismo adrenal (explicado adiante).
Entretanto, se o exame de imagem apresentar alterações, deve-se avaliar se há presença de macronódulo (> 1cm) em pacientes com idade < 40 anos, e adrenal contralateral normal. Nesses casos, a possibilidade de incidentaloma é inferior a 1%, justificando a remoção cirúrgica.
Já em todas as demais situações (macronódulo unilateral em paciente > 40 anos, micronódulo unilateral ou presença de nódulos bilaterais), deve-se proceder com o cateterismo das adrenais, considerado o teste padrão-ouro para detecção da localização da fonte produtora de aldosterona no HAP.
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Cateterismo das adrenais
Esse exame consiste na inserção de cateteres nas veias adrenais esquerda e direita, e na veia cava inferior. O diagnóstico da produção unilateral pode ser feito quando a relação da produção da aldosterona no lado dominante e não dominante for 4:1, e o lado não dominante apresentar valor inferior ao da veia cava inferior. Quando há uma produção bilateral do hormônio, essa relação será de 3:1.
Tratamento
O tratamento clínico é empregado nos pacientes com hiperaldosteronismo idiopático, ou para aqueles que não tenham condições de realizar o procedimento cirúrgico. É feito através do antagonista do receptor mineralocorticoide (espironolactona), na dose de 50 a 400 mg/dia.
Já para os pacientes cirúrgicos, o procedimento indicado é a adrenalectomia laparoscópica, após tratamento prévio com espironolactona para desbloqueio da renina, evitando-se assim o hipoaldosteronismo transitório pós-cirúrgico, manifestado pela hiperpotasemia. Para mais, no pós-operatório imediato, nível de aldosterona < 5 ng/dL é compatível com a cura do hiperaldosteronismo primário.
Conclusão
O hiperaldosteronismo primário é uma importante causa de hipertensão secundária, apresentando alta prevalência na população geral. Sua suspeição e detecção precoce são fundamentais no manejo do paciente, devido à alta morbimortalidade decorrente dos riscos cardiovasculares induzidos pelo estresse oxidativo da aldosterona.
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FONTES:
- YOUNG, W. F. Pathophysiology and clinical features of primary aldosteronism. UpToDate. 2024
- YOUNG, W. F. Diagnosis of primary aldosteronism. UpToDate. 2024
- MARTINS, M. R. Manual do Residente de Clínica Médica. 2a edição. Barueri: Manole, 2017
- HALL, John E. Tratado de Fisiologia Médica. 13ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda, 2021
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