A isquemia mesentérica aguda é um quadro clínico potencialmente fatal, principalmente quando não é diagnosticado precocemente e tratado de forma adequada. Sua incidência tem apresentado aumento crescente nos últimos anos, em parte devido ao aumento da acurácia diagnóstica pelos médicos.
Para além disso, o envelhecimento populacional, com consequente aumento da prevalência de doenças cardiovasculares e de outras doenças sistêmicas também contribui para o aumento dos casos de isquemia intestinal. E ainda, o aumento da sobrevida de pacientes críticos em uso de drogas vasoativas também contribui para esse cenário.
O que é isquemia intestinal?
A isquemia intestinal é definida como qualquer situação de oferta de oxigênio insuficiente para o trato gastrointestinal (TGI) em relação à demanda, podendo decorrer da obstrução do sistema arterial ou venoso. A insuficiência do fluxo arterial mesentérico corresponde a 60% a 70% dos casos de isquemia mesentérica.
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Fatores de risco
São considerados fatores de risco para isquemia mesentérica qualquer condição do paciente que predisponha embolismo, trombose ou vasoconstrição dos vasos que realizam a irrigação ou a drenagem do TGI. Em pacientes jovens, destaca-se a trombose da artéria mesentérica como principal causa de isquemia aguda. Observe a tabela abaixo com os principais fatores de risco.
Fisiopatologia da isquemia intestinal
A circulação mesentérica apresenta três principais ramos arteriais:
- 1) o tronco celíaco;
- 2) a artéria mesentérica superior e a artéria mesentérica inferior; e
- 3) artérias ilíacas internas, que enviam o fluxo para a pelve e para o intestino distal.
Para mais, o sistema arterial mesentérico apresenta diversos vasos colaterais, de forma que a oclusão de um ramo pode, em muitos casos, ser tolerado pelo paciente.
A necessidade de fluxo sanguíneo para os intestinos varia consideravelmente. Em jejum, o fluxo de sangue é de aproximadamente 10% do débito cardíaco, entretanto, no estado pós-prandial, o fluxo sanguíneo aumenta para até 35% do sangue que perpassa a aorta.
Para mais, a gravidade da isquemia intestinal depende de diversos fatores. Entre eles, o vaso ocluído, o nível da obstrução, o desenvolvimento das artérias colaterais e a reperfusão após a isquemia. Isso porque a lesão do tecido, decorrente do episódio isquêmico, compromete as funções imunológicas e a barreira do TGI.
Consequentemente, a isquemia mesentérica pode provocar translocação bacteriana e a degradação das células, bem como a formação de espécies reativas de oxigênio nos casos de reperfusão após a isquemia.
Classificação
A isquemia mesentérica é classificada de acordo com a origem da disfunção, em: 1) arterial embólica; 2) arterial trombótica, podendo essa ser aguda ou crônica; 3) venosa trombótica; 4) arterial não oclusiva, ou; 5) por vasculites.
Arterial embólica
A oclusão arterial embólica é responsável por 50% dos casos de isquemia mesentérica, e decorre de uma oclusão do ramo arterial por um trombo ou placa aterosclerótica gerados a distância. Para mais, é comum em pacientes com cardiomiopatia dilatada ou fibrilação atrial crônica, e tem apresentação geralmente aguda.
Arterial trombótica
Decorre de trombose de vaso mesentérico em localização previamente acometida por estenose aterosclerótica, sendo frequente em pacientes com história prévia de isquemia mesentérica crônica. Comumente, há mais de uma artéria afetada e, nos casos crônicos, há uma insuficiência arterial relativa aos períodos de maior demanda de oxigênio. A classificação arterial trombótica corresponde a 25% dos casos de isquemia mesentérica.
Arterial não oclusiva
A isquemia mesentérica não oclusiva corresponde a 20% dos casos, e ocorre devido a um estado de má perfusão mesentérica por espasmos dos principais ramos arteriais, comumente decorrente do uso de drogas vasoativas em altas doses, ou devido ao baixo débito cardíaco.
Venosa trombótica
Decorre de uma trombose venosa no sistema porta-mesentérico. Consequentemente, há uma congestão venosa no intestino, provocando uma má perfusão por insuficiência do escoamento venoso. Está associada a hipertensão porta, sepse abdominal, estados de hipercoagulabilidade e traumatismo.
Vasculites
Nas isquemias mesentéricas por vasculites, há uma estenose das artérias mesentéricas superior ou inferior, provocando estados agudo-crônicos de insuficiência arterial. Pode ocorrer em condições como a poliarterite nodosa, a arterite de Takayasu, vasculite reumatoide ou a dermatomiosite.
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Sintomas da isquemia intestinal
Isquemia intestinal aguda
A apresentação clínica da isquemia intestinal varia consideravelmente. Em pacientes com quadro agudo, o sinal típico é a dor abdominal intensa, de início súbito, não justificada pelo exame físico abdominal, e que não melhora com uso de opioides. O paciente pode cursar também com diarreia, náuseas, vômitos e distensão abdominal.
Apesar disso, a deterioração do quadro clínico ocorre em poucas horas. A presença de descompressão brusca positiva, timpanismo e defesa abdominal são sinais de progressão do quadro clínico, e indicam gravidade. Para mais, a ausculta abdominal pode inicialmente apresentar ruídos hidroaéreos aumentados que, posteriormente, poderão ser abolidos.
Nos pacientes com isquemia mesentérica por doença arterial trombótica, é comum a história clínica de placas ateroscleróticas em outros locais (ex.: doença coronariana prévia, doença arterial periférica, presença de placas carotídeas). E ainda, pacientes crônicos podem evoluir com episódios agudos, através da desestabilização da placa aterosclerótica.
Isquemia intestinal subaguda
A isquemia intestinal subaguda é a apresentação clínica da trombose venosa mesentérica e da isquemia mesentérica não oclusiva. É caracterizada por quadro clínico insidioso, dor abdominal progressiva, distensão abdominal, náuseas e vômitos, e aumento do resíduo gástrico.
Nos pacientes sob terapia intensiva, o paciente pode apresentar apenas aumento do débito por sonda gástrica e piora do quadro clínico.
Isquemia intestinal crônica
É característico da isquemia intestinal crônica a claudicação mesentérica, definida pela dor abdominal intensa 15 a 30 minutos pós-prandial. Os pacientes podem evoluir com fobia a refeição, sendo o emagrecimento nessa condição marcante, e a caquexia pode ser confundida com a observada em processos neoplásicos.
Para mais, como mencionado anteriormente, há a possibilidade de desestabilização da placa aterosclerótica, com consequente evolução do quadro para uma isquemia mesentérica aguda. Por isso, a identificação precoce desses pacientes é crucial no tratamento.
Como realizar o diagnóstico?
O diagnóstico é fundamentalmente clínico, e deve ser pensado para todo paciente crítico com piora progressiva, sem uma causa clara que justifique o quadro clínico. Entretanto, a confirmação com exames de imagem é fundamental para o planejamento terapêutico.
Os exames laboratoriais podem evidenciar leucocitose, aumento do ácido lático, da amilase - em 50% dos casos - e da creatinoquinase. Para mais, geralmente há uma acidose metabólica significativa.
A ultrassonografia de abdome é útil nos casos crônicos, podendo identificar estenose ou oclusão do tronco celíaco e vasos mesentéricos. Entretanto, não é tão útil em casos agudos, devido à distensão abdominal pronunciada. O raio-X de abdome tem sua utilidade, e pode mostrar distensão de intestino delgado e pneumatose intestinal.
Já a angiotomografia de abdome com contraste iodado permite avaliação rápida de aterosclerose da aorta e dos vasos mesentéricos, do estado da parede do intestino delgado, e da identificação de outras causas de dor abdominal (ex.: pancreatite, perfuração/obstrução intestinal e rotura de aneurisma).
Por isso, em pacientes hemodinamicamente estáveis, é o exame mais indicado para avaliação inicial dos pacientes com suspeita do problema. A ressonância magnética tem como vantagem o uso de gadolínio, um contraste menos nefrotóxico e com menos reações alérgicas que o iodo. Entretanto, é menos amplamente utilizado devido a dificuldade de acesso em muitas instituições.
A angiografia, anteriormente, considerada o exame padrão-ouro para diagnóstico da isquemia mesentérica aguda embólica e trombótica, pode ser solicitada quando a angiotomografia com contraste não for elucidativa, e a isquemia mesentérica ainda for uma hipótese diagnóstica. Neste caso, são necessárias imagens com incidência em AP e perfil do tronco celíaco e das artérias mesentéricas superior e inferior.
Tratamento para a isquemia intestinal
Isquemia aguda
Na isquemia mesentérica aguda, a terapia medicamentosa pré-cirúrgica é fundamental, devendo-se administrar antibióticos com cobertura para gram-negativos e anaeróbios. Além disso, deve-se realizar expansão volêmica intensa, até obtenção de débito urinário de pelo menos 50 mL/h e, quando a revascularização não for imediata, pode-se iniciar anticoagulação sistêmica com heparina não fracionada.
Assim, a terapia cirúrgica consiste na retirada dos segmentos inviáveis do intestino. Entretanto, como a aparência do intestino isquêmico pode melhorar drasticamente após a melhora do fluxo sanguíneo, deve-se aguardar no mínimo 30 minutos após a reperfusão para decidir pela ressecção.
Isquemia crônica
Já na isquemia mesentérica crônica, a principal medida terapêutica é promover um estado nutricional adequado, utilizando-se a nutrição parenteral quando necessário. Nos casos derivados de trombose venosa, o tratamento consiste, preferencialmente, na anticoagulação sistêmica e antibioticoterapia, sendo o tratamento cirúrgico reservado para casos refratários ou com indícios de necrose intra-abdominal.
Isquemia mesentérica não oclusiva
Por fim, nas isquemias mesentéricas não oclusivas, o tratamento consiste na melhora da perfusão sistêmica, bem como na diminuição das doses das drogas vasoativas. Cirurgicamente, podem ser administrados vasodilatadores e prostaglandinas seletivas nas artérias viscerais por cateterismo seletivo.
Conclusão
A isquemia intestinal é uma condição crítica que requer atenção imediata devido ao seu potencial de evolução rápida e grave. Os principais sintomas, como dor abdominal súbita e intensa, distensão abdominal, e alterações no hábito intestinal, devem sempre levantar suspeita clínica, especialmente em pacientes com fatores de risco conhecidos.
Continue aprendendo:
- Retocolite Ulcerativa: fisiopatologia, sintomas e tratamento
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- DRGE: etiopatogenia, sintomas, diagnóstico e tratamento
FONTES:
- TENDLER, D. A., LAMONT, J. T. Overview of intestinal ischemia in adults. UpToDate. 2024. Acesso em: 23/06/2024
- DOHERTY, G. M., et al. CURRENT Cirurgia: Diagnóstico e Tratamento. 14ª edição. Porto Alegre: AMGD, 2017
- MARTINS, M. A, et al. Manual do Residente de Clínica Médica. 2ª edição. Barueri: Manole, 2017
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