Cardiologia
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Síndrome coronariana aguda: como é realizado o tratamento não intervencionista?

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Equipe medclub
Publicado em
10/5/2023
 · 
Atualizado em
17/10/2023
Índice

A dor torácica aguda é uma das causas mais frequentes de atendimento nos departamentos de emergência (DE), sendo a síndrome coronariana aguda (SCA) uma das causas mais frequentes e temidas. Neste artigo, daremos ênfase à abordagem inicial da SCA nos DE.

Diferenciando os tipos de síndrome coronariana aguda

A síndrome coronariana aguda é dividida em dois tipos: a SCA com supradesnivelamento do segmento ST (SCACSST) e na SCA sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST). A diferenciação entre eles é realizada através dos achados do eletrocardiograma (ECG), que determinam a conduta a ser adotada no DE.

A SCASSST pode ser subdividida em angina instável, definida como uma isquemia do miocárdio na ausência de necrose do músculo cardíaco. E mais, no infarto agudo do miocárdio (IAM), quando ocorre a necrose do miocárdio.

Fisiopatologia

Os fatores de risco para o surgimento de doenças ateroscleróticas, como o tabagismo, dislipidemia e a hipertensão arterial, provocam inflamação da camada endotelial dos vasos epicárdicos. Consequentemente, haverá aumento da absorção do LDL para a região subendotelial, e esse “colesterol ruim” será fagocitado pelos macrófagos, formando as células espumosas.

Concomitantemente, células musculares lisas provenientes da camada média dos vasos irão formar uma capa fibrótica, evitando que estas células espumosas entrem em contato com a corrente sanguínea. Dessa forma, quanto maior a capa fibrosa, maior a estabilidade dessa placa

Fonte: Bases Patológicas das Doenças, 2016
Fonte: Bases Patológicas das Doenças, 2016

Entretanto, os linfócitos T atuam aniquilando progressivamente a capa fibrótica que reveste a placa aterosclerótica, causando afilamento dessa e, consequentemente, aumentando o risco de ruptura da placa. A ruptura provoca um estado altamente trombogênico, com intensa ativação e agregação plaquetária, bem como da trombina

Fonte: Bases Patológicas das Doenças, 2016
Fonte: Bases Patológicas das Doenças, 2016

A formação do trombo, quando ocluir uma artéria epicárdica por completo, provoca o infarto transmural, cursando com a síndrome coronariana aguda com supradesnivelamento do segmento ST. Já a oclusão parcial provoca um infarto subendocárdico, que comumente cursa com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST).

Fonte: Bases Patológicas das Doenças, 2016
Fonte: Bases Patológicas das Doenças, 2016
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Manifestações clínicas da síndrome coronariana aguda

A SCA é caracterizada pela dor precordial ou retroesternal, com característica de aperto ou em peso, que comumente cursam com irradiação para membros superiores e/ou mandíbula. A dor típica piora aos esforços, e melhora com o repouso e uso de nitrato. Sintomas como náusea, vômitos, sudorese e dispneia frequentemente estão presentes.

Sinal de Levine: comumente evidenciado em episódios de SCA. Fonte: CUREM 
Sinal de Levine: comumente evidenciado em episódios de SCA. Fonte: CUREM 

Como realizar o diagnóstico?

O diagnóstico do paciente com SCA no departamento de emergência deve ser realizado a partir do quadro clínico, dos achados do ECG e da dosagem de biomarcadores para necrose miocárdica.

Eletrocardiograma

O ECG de 12 derivações deve ser realizado em até 10 minutos após a entrada do paciente com dor torácica na emergência. A SCACSST é identificada a partir dos achados de supradesnivelamento do segmento ST ≥ 1mm em pelo menos duas derivações, ou a presença de um novo bloqueio de ramo esquerdo (BRE).

ECG com supradesnivelamento de ST. Fonte: Cardiopapers
ECG com supradesnivelamento de ST. Fonte: Cardiopapers

Nas derivações V2 e V3, considera-se que há um supradesnivelamento quando ST ≥ 1,5mm nas mulheres. Já nos homens menores de 40 anos, o supradesnivelamento deve ser ≥ 2,5mm e, em maiores de 40 anos: ≥ 2mm.

Todavia, quando o paciente apresenta dor torácica típica e não tem achados relevantes no ECG de 12 derivações, deve-se solicitar novo exame com derivações V3R e V4R, para avaliar possível infarto de ventrículo direito, bem como de derivações V7 a V9, para avaliar infarto de parede posterior.

Nas derivações V3R e V4R, considera-se um supradesnivelamento de ST quando esse é > 0,5mm. Já nas derivações V7 a V9, quando supradesnivelamento é ≥ 0,5mm. Por fim, em pacientes com supradesnivelamento de ST, o diagnóstico pode ser firmado de SCACSST, não sendo necessária a dosagem seriada de troponinas.

Ilustração de onde são posicionados os eletrodos no ECG para avaliação da SCA. Fonte: Diversamed
Ilustração de onde são posicionados os eletrodos no ECG para avaliação da SCA. Fonte: Diversamed

Biomarcadores

Quando as células miocárdicas sofrem lesão, suas membranas celulares perdem a integridade, liberando para a corrente sanguínea proteínas intracelulares, que são utilizadas como biomarcadores para realizar o diagnóstico da SCA, sendo cruciais no diagnóstico da SCASSST.

O biomarcador com maior sensibilidade e especificidade é a troponina ultrassensível e, por isso, ela deve ser dosada de forma seriada, primeiramente na chegada do paciente ao departamento de emergência e, novamente, 3 a 6 horas depois. Todavia, as troponinas não identificam o mecanismo da lesão, podendo ser necessário a realização do diagnóstico diferencial, a depender do quadro clínico do paciente.

Na ausência da troponina no DE, a creatinoquinase MB (CK-MB) pode ser utilizada, apesar de não ser específica para o miocárdio, podendo estar elevada após dano de outros tecidos não cardíacos, como músculo liso e esquelético.

Gráfico representando a curva de troponina dias após o IAM. Fonte: BioTécnica
Gráfico representando a curva de troponina dias após o IAM. Fonte: BioTécnica

Estratificação de risco 

A estratificação do risco do paciente com SCA deve ser feita no DE para a escolha da melhor conduta. Diversos escores podem ser utilizados. Neste artigo, destacamos o escore HEART, que avalia a probabilidade de eventos cardiovasculares maiores - IAM, necessidade de revascularização e óbito - em até 6 semanas após a SCA. Observe a imagem abaixo.

Fonte:  Ministério da Saúde 
Fonte:  Ministério da Saúde 
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Tratamento

O paciente com síndrome coronariana aguda deve ser monitorado em uma unidade de terapia intensiva (UTI). A oxigenoterapia deve ser realizada apenas no paciente com SatO2 < 90% ou sinais clínicos de desconforto respiratório. Recomenda-se 2 a 4 L/min por mais de 3 horas, até a estabilização do quadro. Já o controle glicêmico objetiva manter a glicemia > 70mg/dL e < 180 mg/dL.

O tratamento medicamentoso consiste na terapia antianginosa, terapia antitrombótica inicial e no uso de anticoagulantes. Em casos de SCASSST, quando necessário, realiza-se a terapia fibrinolítica.

Terapia antianginosa

A terapêutica anti anginosa inicial deve ser feita com betabloqueadores e nitratos, quando não houver contraindicações ao uso dessas medicações. 

Nitratos

Os nitratos têm efeito venodilatador, reduzindo o retorno venoso ao coração, o volume diastólico final do ventrículo esquerdo e, consequentemente, o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Entretanto, são contraindicados em casos de hipotensão (PAS < 100 mmHg) e no uso prévio de sildenafil nas últimas 24 horas ou tadalafil nas últimas 24 horas

Inicia-se o nitrato por via sublingual, com administração do comprimido a cada 5 minutos, e não devendo ultrapassar o consumo de 3 comprimidos. Em casos de não melhora da dor, opta-se pela administração intravenosa até que haja melhora dos sintomas ou após a redução da PAS, que não deve ser superior a 30% ou < 110 mmHg. 

Por fim, o tratamento intravenoso deve ser mantido por 24 a 48 horas após o início da dor anginosa. Observe a tabela abaixo com os nitratos disponíveis no Brasil, sua via de administração e dose.

DROGA VIA DE ADMINISTRAÇÃO DOSE
Nitroglicerina Sublingual 0,4 mg/comprimido
Dinitrato de isossorbida Sublingual 5 mg/comprimido
Mononitrato de isossorbida Sublingual 5 mg/comprimido
Nitroglicerina Intravenosa Iniciar com 10 µg, aumentando a dose em 10 µg a cada 5 minutos, até melhora dos sintomas ou queda da PAS.
Mononitrato de isossorbida Intravenosa -
Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021

Betabloqueador

Os betabloqueadores, ao atuarem nos receptores beta-1, diminuem a frequência cardíaca, a pressão arterial e, consequentemente, o consumo de oxigênio. Os medicamentos mais utilizados são o metoprolol e o atenolol, podendo-se optar pela forma endovenosa em caso de isquemia persistente ou taquicardia.

Medicamento Dose
Metoprolol IV 5mg (1 a 2 minutos) a cada 5 minutos até completar dose máxima de 15mg
Metoprolol VO 50 a 100mg a cada 12 horas, iniciado 15 minutos após a última administração IV
Atenolol IV 5mg (1 a 2 minutos) a cada 5 minutos até completar dose máxima de 10mg
Atenolol VO 25 a 50mg a cada 12 horas, iniciado 15 minutos após administração IV.
Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021

Entretanto, são contraindicados em casos de vasoespasmo por intoxicação aguda pelo uso da cocaína e, em pacientes com asma ou DPOC, na vigência de broncoespasmo. E mais, em casos de sinais de insuficiência cardíaca, baixo débito e risco aumentado de choque cardiogênico.

Morfina

O sulfato de morfina deve ser utilizado apenas em casos refratários de dor ou quando houver contraindicação às medicações supracitadas, devido às evidências de que reduz os efeitos de antiplaquetários como o clopidogrel e o ticagrelor. A dose deve ser de 2 a 4 mg diluídos a cada 5 minutos, sendo a dose máxima de 25 mg.

Terapia antitrombótica inicial

A terapia antitrombótica inicial consiste na utilização do ácido acetilsalicílico (AAS) e dos antiplaquetários bloqueadores da P2Y12.

AAS

O uso do AAS é recomendado no departamento de emergência o mais precocemente possível, com dose inicial de 150 a 300mg em pacientes sem uso prévio da medicação.

Inibidores da P2Y12 

A adição do segundo antiplaquetário possibilita uma inibição plaquetária mais eficaz, preparando o paciente para o procedimento invasivo de revascularização. Assim, são recomendados para todos os pacientes com síndrome coronariana aguda com supradesnivelamento do segmento ST. Entretanto, para pacientes com síndrome coronariana aguda  sem supradesnivelamento do segmento ST, a prescrição desses antiplaquetários pode ser adiada, sendo possível sua prescrição quando o paciente for realizar a revascularização no centro de hemodinâmica.

Observe o esquema abaixo para o manejo da SCASSST no DE. Os inibidores da P2Y12 disponíveis no Brasil são o ticagrelor, o clopidogrel e o prasugrel.

Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021
Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021

Anticoagulantes

Os anticoagulantes devem ser iniciados o mais precocemente possível, uma vez que esses medicamentos reduzem a incidência de IAM e óbito. Nos pacientes com SCACSST, opta-se pela enoxaparina no seguinte esquema:

  • Idade < 75 anos: 30 mg por via intravenosa (IV) em bolus, seguidas por 1 mg/kg por via subcutânea a cada 12 horas, até a alta hospitalar. 
  • Idade ≥ 75 anos: não administrar o bolus; iniciar com 0,75 mg/kg via subcutânea, a cada 12 horas

Já na SCASSST, o anticoagulante é escolhido de acordo com o tempo para realizar o cateterismo. Observe o esquema abaixo.

Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021
Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021

Trombolíticos

Nos casos de SCACSSST, a terapia de reperfusão em até 12 horas é a terapia de escolha para todos os pacientes. Essa deve ser realizada preferencialmente através da angioplastia sempre que houver possibilidade de acesso a um centro com hemodinâmica em até 120 minutos após o diagnóstico (tempo porta-balão). Caso o indivíduo já esteja em centro com hemodinâmica, a angioplastia deve ser realizada em menos de 60 minutos.

Entretanto, quando o centro hospitalar com hemodinâmica não puder ser acessado em até 120 minutos, recomenda-se a utilização de fibrinolíticos durante o deslocamento até esse centro (tempo porta-agulha). Assim, quando não houver contraindicações, os fibrinolíticos devem ser utilizados o mais rapidamente possível, sendo contraindicada a espera pelo resultado dos marcadores de necrose miocárdica.

Esses devem ser iniciados em até 10 minutos após o diagnóstico, sendo o fibrinolítico mais utilizado a tenecteplase em bolus. Observe a tabela abaixo.

Droga Tratamento Terapia antitrombótica
Tenecteplase (TNK-Tpa) Bolo único:
• 30 mg se < 60 kg
• 35 mg se entre 60 kg e menor que 70 kg
• 40 mg se entre 70 kg e menor que 80 kg
• 45 mg se entre 80 kg e menor que 90 kg
• 50 mg se maior que 90 kg de peso
Em pacientes > 75 anos, deve-se considerar o uso de metade da dose calculada de acordo com o peso*
HNF ajustada ao peso por 48 horas ou enoxaparina por até 8 dias
Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021

Conclusão

A síndrome coronariana aguda é um cenário extremamente comum nos departamentos de emergência. Saber manejar esses pacientes através do reconhecimento dos achados no ECG, da avaliação da curva de troponina e dos medicamentos a serem utilizados na SCACSST e na SCASSST são habilidades fundamentais para todo médico generalista.

Continue aprendendo:

FONTES:

  • NICOLAU, J. C. et al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 117, n. 1, p. 181-264, jul. 2021.
  • PIEGAS, L. S., et al. V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST – 2015. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 105, n. 2, p. 1-105, supl. 1, 2015.
  • KUMAR, V. et al. Bases Patológicas das Doenças. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

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