Infectologia
Infectologia

Ancilostomose: o que é, fisiopatologia, sintomas e tratamento

Logo Medclub
Equipe medclub
Publicado em
19/2/2025
 · 
Atualizado em
19/2/2025
Índice

A figura de Jeca Tatu, criada por Monteiro Lobato, é um marco da literatura brasileira ao retratar o homem do campo como preguiçoso e apático, mas que, na verdade, era vítima de condições precárias de saúde. 

Entre as doenças que afetavam o personagem e sua realidade, a ancilostomose era uma das mais emblemáticas, refletindo o impacto das parasitoses intestinais em populações rurais no início do século XX. Apesar de ser uma doença amplamente conhecida, seu impacto na saúde pública permanece subestimado. Este artigo abordará o que é fisiopatologia, sintomas, tratamento e prevenção dessa doença tão presente no nosso país, mas bastante negligenciada.

Jeca Tatu, “porque não trabalhas?”. Fonte: Almanaque do Biotônico, 1935

O que é ancilostomose?

A ancilostomose é uma doença causada pelos parasitas nematoides helmintos Necator americanus, espécie mais prevalente no Brasil, e Ancylostoma duodenale. Ela é uma doença endêmica nas regiões tropicais e subtropicais, principalmente em locais com acesso inadequado à água, saneamento e higiene. 

Macho e fêmea adultos da espécie Necator americanus. Fonte: Bethony J, Brooker S, Albonico M, et al: Soil-transmitted helminth infections: ascariasis, trichuriasis, and hookworm, Lancet 367:1521–1532, 2006.
Macho e fêmea adultos da espécie Necator americanus. Fonte: Bethony J, Brooker S, Albonico M, et al: Soil-transmitted helminth infections: ascariasis, trichuriasis, and hookworm, Lancet 367:1521–1532, 2006.

Dessa forma, a ancilostomose afeta principalmente populações que vivem em condições de pobreza, tornando-se um indicador de desigualdade social. Crianças e mulheres grávidas são especialmente vulneráveis devido às demandas nutricionais específicas dessas fases. Além disso, a infecção prolongada pode levar a complicações como atraso no crescimento, déficit cognitivo em crianças e redução na produtividade econômica em adultos, destacando a necessidade de ações integradas para diagnóstico, tratamento e prevenção.

Transmissão e ciclo de vida

Ciclo de vida do ancilóstomo intestinal. Fonte: Centros de Controle e Prevenção de Doenças/Saúde Global, Divisão de Doenças Parasitárias

A transmissão da ancilostomose ocorre quando um indivíduo anda descalço em solo contaminado com fezes com o parasita. Assim, para a transmissão acontecer, é preciso que haja a contaminação fecal humana do solo, que esse solo esteja em condições favoráveis para sobrevivência das larvas e que haja o contato da pele humana com esse solo. 

Quanto ao ciclo de vida, seu início ocorre com a passagem de ovos de um hospedeiro adulto para as fezes. Esses ovos eclodem no solo, liberando as larvas, que posteriormente amadurecem para sua forma infecciosa (filariformes). As larvas penetram a pele humana, migram para os vasos sanguíneos e são transportadas para o pulmão. 

Em cerca de 8 a 21 dias após a infecção, penetram os alvéolos pulmonares, ascendendo pela árvore brônquica até a faringe, onde são deglutidas e vão para o trato digestivo. No intestino delgado, essas larvas amadurecem para sua forma adulta e se fixam na parede intestinal, o que pode levar a perdas de sangue. Após a fertilização por vermes machos adultos, as fêmeas grávidas põem ovos no intestino, que sairão nas fezes cerca de 6 a 8 semanas após a infecção. A maioria dos vermes adultos é eliminada em 1 a 2 anos. 

ATENÇÃO! A infecção por A. duodenale também pode se dar por via oral. Nesse caso, o ciclo de vida se inicia na etapa em que ocorre a deglutição. 

{{banner-cta-blog}}

Sintomas de ancilostomose 

Entender o ciclo de vida do parasita é extremamente importante, e isso ficará mais claro agora, uma vez que as manifestações clínicas são um reflexo das fases da infecção da doença. 

A penetração dérmica pelas larvas infectantes vão causar manifestações cutâneas. A principal manifestação é o surgimento de uma erupção maculopapular focal e pruriginosa, no local em que houve a penetração larval. Além disso, poderá ser visto, ainda que de menor incidência, trilhas serpiginosas de migração larval intracutânea. 

Sintomas gastrointestinais são considerados as principais manifestações: náuseas, diarreia, vômitos, dor epigástrica média, aumento da flatulência são umas das manifestações agudas mais vistas. Nos casos de infecções mais graves em regiões mais endêmicas, poderá acontecer também sangramentos gastrointestinais

A eosinofilia inexplicável pode ser uma boa pista para pensarmos em infecção parasitária. Quando a larva invade a pele, migram pelo corpo, se fixam no intestino e liberam antígenos que contribuem para a ativação da resposta imunológica que vai resultar na eosinofilia. As contagens máximas de eosinófilos variam de 1350 a 3828 células/microL. 

O maior impacto da infecção por ancilostomídeos é no estado nutricional do hospedeiro. Como já foi dito, a doença é endêmica em locais com menores condições de saneamento básico, com maior incidência de pobreza, e o comprometimento nutricional crônico pode resultar em sérias consequências em grupos mais vulneráveis, como crianças e mulheres grávidas que já possuem acesso limitado à nutrição adequada. As perdas diárias de sangue, albumina, podem levar à anemia e potencializar/causar desnutrição. 

Diagnóstico

A hipótese diagnóstica de ancilostomose surge a partir das manifestações clínicas explicadas, juntamente com o histórico de exposição da pele ao solo que esteja potencialmente contaminado, além da eosinofilia sanguínea inexplicável. Nesse contexto, o diagnóstico será feito por meio de exame de fezes, com o objetivo de identificar os ovos de N. americanus, A. duodenale ou A. ceylanicum (as três formas infectantes que causam ancilostomose). O método padrão de diagnóstico é através da técnica de Kato Katz

ATENÇÃO! O exame de fezes não é útil antes da doença estabelecida do trato intestinal, incluindo durante os estágios iniciais do envolvimento dérmico, pulmonar e intestinal. Dessa forma, ele não será identificado nas fezes até cerca de 6 semanas após a infecção inicial. 

Além disso, o método de preparação de centrifugação dupla FLOTAC é uma técnica alternativa de diagnóstico e que vem sendo apontada como mais sensível do que outras técnicas para detecção de ovos de ancilostomídeos em amostra de fezes, principalmente em pacientes com baixa carga. 

{{banner-cta-blog}}

Tratamento para ancilostomose 

Os objetivos principais do tratamento da ancilostomíase são a cura da infecção e a reposição férrica, conforme necessário. 

Para a tratamento da infecção, os benzimidazois são o tratamento de primeira linha: poderá ser administrado albendazol 400 mg por via oral em dose única ou mebendazol 500 mg por via oral em dose única ou 100 mg por via oral duas vezes ao dia durante 3 dias

Para a reposição de ferro, a suplementação oral de ferro é suficiente. Para isso, o ferro elementar deve ser dosado para tratar a anemia ferropriva. Para adultos, admite-se a suplementação de 60-120 mg/dia por via oral, e 3-6 mg/Kg/dia em 3 doses divididas para crianças. Já para gestantes, é aconselhado reduzir a suplementação para 30 mg/dia quando a hemoglobina se estabilizar. 

Prevenção

Quanto às medidas preventivas pessoais para evitar infecções da ancilostomose, aconselha-se evitar o contato direto da pele com o solo ou areia em regiões endêmicas do parasito; sempre lavar as mãos após atividades ao ar livre que envolvam exposição ao solo ou após contato com animais em regiões susceptíveis; fazer descarte adequado de material fecal em esgoto (saneamento básico), além de adquirir cuidados veterinários de rotina para cães e gatos de estimação. 

Conclusão 

A ancilostomose é uma condição cuja abordagem clínica exige atenção aos sintomas inespecíficos, como manifestações gastrointestinais e anemia, além de sinais característicos como eosinofilia e lesões cutâneas. O diagnóstico, baseado principalmente no exame de fezes para identificação de ovos dos parasitas, pode ser complementado por técnicas mais sensíveis em casos de baixa carga parasitária. 

O tratamento com benzimidazois, aliado à reposição de ferro para correção da anemia, é altamente eficaz na maioria dos casos, permitindo a recuperação clínica e nutricional do paciente. Contudo, a prevenção, por meio de medidas de higiene, saneamento básico e controle de animais, é essencial para interromper o ciclo de transmissão e reduzir a prevalência da doença em regiões endêmicas. 

Continue aprendendo:

FONTES: 

  • Hookworm Infection - DynaMed EBSCO Information Services. Acessado em 29 de dezembro de 2024. 
  • Phosuk I, Intapan PM, Thanchomnang T, et al. Molecular detection of Ancylostoma duodenale, Ancylostoma ceylanicum, and Necator americanus in humans in northeastern and southern Thailand. Korean J Parasitol 2013; 51:747.
  • Bradbury RS, Hii SF, Harrington H, et al. Ancylostoma ceylanicum Hookworm in the Solomon Islands. Emerg Infect Dis 2017; 23:252.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília, 2019
  • Global Burden of Disease Study 2013 Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 301 acute and chronic diseases and injuries in 188 countries, 1990-2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. Lancet 2015; 386:743.

+400 de aulas de medicina para assistir totalmente de graça

Todas as aulas são lideradas por autoridades em medicina.

Artigo escrito por

Tenha acesso a todos os conteúdos totalmente de graça

Através de um simples cadastro, você estará livre para consumir o que quiser do medclub!

Dúvidas?

O que é o MedClub?

O medclub é uma plataforma 100% gratuita focada no desenvolvimento e capacitação profissional dos médicos. Com videoaulas e materiais de apoio de alta qualidade, o médico é alavancado em uma dinâmica simples, clara e objetiva de atualização e aprimoramento dos conhecimentos essenciais à sua prática.

Como o MedClub pode me beneficiar?

O Medclub te proporciona a aplicabilidade prática da Medicina Baseada em Evidências, elevando o padrão da sua prática médica. Tudo isso em um só lugar, sem perda de tempo, com informações claras e fáceis de achar no dia a dia.

O MedClub beneficia médicos de diferentes níveis de experiência?

Sim! O MedClub foi cuidadosamente concebido e desenvolvido com o objetivo de simplificar o estudo e a atualização médica, proporcionando maior segurança nas práticas e procedimentos. Nossa plataforma visa melhorar os resultados diários dos médicos, abordando as principais preocupações independentemente do estágio de sua carreira.

Nós utilizamos cookies. Ao navegar no site estará consentindo a sua utilização. Saiba mais sobre o uso de cookies.