O Acidente Vascular Cerebral (AVC), durante 2010 e 2015 foi considerado a maior causa de morte no Brasil. Já entre 2016 e 2021 passou a ser a segunda causa. Entretanto, em 2022, ele retornou para a posição de primeiro lugar. O AVC apresenta dois subtipos: o AVC hemorrágico e o AVC isquêmico. Neste artigo, iremos abordar sobre o AVC isquêmico, que representa 80% dos casos de AVC, assim como suas causas, fisiopatologia, como diagnosticá-lo e possíveis tratamentos.
O que é o AVC isquêmico?
As duas grandes categorias do AVC são bastante diferentes, pois enquanto o AVC hemorrágico ocorre devido ao excesso de sangue na cavidade craniana, o de subtipo isquêmico ocorre por uma quantidade de sangue insuficiente.
O AVC isquêmico causa uma disfunção neurológica, decorrente de uma redução ou um bloqueio completo do fluxo sanguíneo para parte ou todo o cérebro, que causa déficits neurológicos súbitos e, consequentemente, isquemia e infarto cerebral permanente.
Estima-se que em torno de 25% dos adultos irão sofrer um AVC. Assim, diante dos seus grandes riscos de morbidade e mortalidade, qualquer sinal de um possível AVC isquêmico deve ser investigado e manejado o mais precocemente possível.
Fisiopatologia do AVC isquêmico
O cérebro humano possui praticamente nenhuma reserva energética, dependendo bastante de um fluxo sanguíneo adequado para o seu bom funcionamento. Apesar de só representar 2% do peso corporal, o órgão recebe 20% do débito cardíaco.
No nosso organismo, existe um processo chamado de autorregulação cerebral, que basicamente atua na preservação de um fluxo sanguíneo adequado para o tecido cerebral. Isso ocorre porque a musculatura lisa dos vasos cerebrais conseguem identificar possíveis variações da pressão de perfusão, provocando contrações e diminuindo o diâmetro dos vasos quando a pressão aumenta e relaxamento e aumento do diâmetro quando a pressão diminui.
Entretanto, esse processo de autorregulação cerebral é limitado para uma faixa de pressão arterial média: em torno de 60 a 150 mmHg, podendo apresentar algumas variações para cada indivíduo. Ainda não se sabe ao certo o porquê, mas fora dessa faixa, o cérebro fica incapaz de compensar essas alterações de pressão, resultando em possíveis processos isquêmicos nas baixas pressões.
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Diante de reduções do fluxo sanguíneo cada vez maiores, a região vai tentando se adaptar às condições: aumentos da fração de oxigênio; inibição da síntese proteica e, em fluxos muito baixos, diminuição da utilização da glicose. A consequência disso é a realização de processos anaeróbios de obtenção de energia que resultarão em acúmulo de ácido láctico e falhas neuronais, causando o infarto tecidual.
Vale salientar que, o processo de isquemia cerebral e infarto levará ao processo de perda da integridade tecidual dos vasos sanguíneos afetados, levando a rupturas da barreira hematoencefálica e o acontecimento de edema pulmonar. Com isso, um AVC isquêmico poderá ser convertido em um AVC hemorrágico.
Causas do AVC isquêmico
Como foi dito, os acidentes vasculares cerebrais isquêmicos ocorrem devido a uma redução ou bloqueio total do fluxo sanguíneo. Tais eventos podem acontecer por causa de uma diminuição da perfusão sistêmica (baixa pressão arterial , hipovolemia ou insuficiência cardíaca); de um processo de estenose ou por uma oclusão vascular.
Dentre as principais causas de isquemia, podemos citar trombose, embolização e infarto lacunar. Para compreender melhor o processo isquêmicos, é válido conhecer cada um dessas causas:
Trombose
Condição em que ocorre obstrução de um vaso sanguíneo. Essa obstrução pode ser decorrente de processos como arteriosclerose, displasia ou dissecção fibromuscular. Os acidentes vasculares cerebrais de causa trombótica ainda podem ser causados por doenças que acometem os grandes vasos ou os pequenos vasos.
Embolia
Quando partículas de detritos, como coágulos, que foram formadas em outros lugares migram e se alojam nos vasos distais, bloqueando o acesso de uma região específica do cérebro. Os AVCs de origem embólico ainda podem ser divididos em 4 tipos:
- Aqueles com fonte cardíaca;
- Aqueles com possível origem cardíaca ou aórtica (mediante achados ecocardiográficos);
- Aqueles com origem arterial;
- Aqueles de origem desconhecida (testes para fontes embólicas foram negativos);
- Infarto lacunar decorrente de doença de pequenos vasos: geralmente, algumas condições, como a hipertensão arterial, afeta primeiramente os vasos menores, o que acarreta em hiperplasia do parede desses vasos e oclusão do lúmen.
Outra causa de AVC isquêmico também importante de ser mencionada é decorrente de uma hipoperfusão sistêmica. Essa, por sua vez, irá afetar não só o cérebro, mas também outros órgãos. Pode ocorrer como consequência de uma insuficiência cardíaca por uma arritmia ou parada cardíaca; derrame pericárdico ou hemorragias.
Classificação do AVC isquêmico
Existem vários sistemas de classificação para o AVC isquêmico. Um dos principais e mais utilizados é o sistema TOAST, que classifica de acordo com a causa da maioria dos AVCs isquêmicos, além das características clínicas e de estudos auxiliares, como exames de imagem e laboratoriais. São eles:
- Aterosclerose de grandes artérias
- Cardioembolismo
- Oclusão de pequenos vasos
- AVC de outra etiologia determinada
- AVC de etiologia indeterminada
Sinais e sintomas do AVC isquêmico
Normalmente, os sinais e sintomas do Acidente Vascular Cerebral isquêmico se iniciam de forma súbita, através de déficits neurológicos focais, que vão variar de acordo com a localização do dano.
Dentre os principais sintomas relatados, estão:
- Afasia: disfunção no processo de vocalização;
- Hemiparesia: fraqueza muscular ou paralisia de um lado do corpo;
- Hemianestesia: perda da sensibilidade em uma das metades do corpo;
- Desatenção hemiespacial: paciente perde a noção do espaço de um lado de seu corpo;
- Hemianopsia homônima: defeito do campo visual, afetando duas metades esquerdas do campo visual ou as duas metades direitas de ambos os olhos;
Além disso, é importante ficar atento a possíveis complicações sistêmicas agudas, como hipertensão, arritmia e exsudatos pulmonares.
É preciso dizer que, quando uma alteração da função ocorre, porém por um período curto, geralmente inferior a 2 horas, deve-se suspeitar de um Ataque Isquêmico Transitório. Nesse caso, não ocorre um infarto cerebral permanente e, na maioria das vezes, está relacionado com o acontecimento de uma embolia cerebral do coração ou da aorta.
Como diagnosticar?
O diagnóstico mais completo do AVC isquêmico pode ser dividido em 3 pontos principais: a avaliação clínica primária; a realização de imagens neurológicas e teste de glicose à beira do leito e a avaliação para identificar a causa.
Avaliação Clínica Primária
Na anamnese, é essencial estar atento aos sinais e sintomas mencionados anteriormente, além da presença de fatores de risco, como idade avançada, presença de doenças cardíacas, de hipertensão arterial sistêmica e de práticas como tabagismo.
No exame físico geral, podemos nos deparar com alguns achados que fazem nos aproximar mais ainda no diagnóstico de AVC:
Além do exame físico geral, faz-se necessário realizar um exame físico direcionado para o sistema neurológico, que poderá nos ajudar, principalmente, na previsão da região acometida pelo AVC. Por isso, deve-se ficar atento aos seguintes sinais:
Realização de imagens neurológicas
Apesar do diagnóstico do AVC ser essencialmente clínico, a realização de um exame de imagem é bastante importante, principalmente para poder diferenciar se o caso se trata de um AVC isquêmico ou hemorrágico, além de nos ajudar a avaliar o grau da lesão cerebral.
Os principais instrumentos usados são a tomografia computadorizada e a ressonância magnética, por serem capazes de distinguir o tecido cerebral que está infartado daquele que ainda possa ser recuperado.
Avaliação para identificar a causa
A identificação da causa do AVC também deverá ser feita para que ela seja manejada. Por isso, o profissional poderá fazer uso de testes de rotina para identificar essa causa, estando ciente que, na maioria das vezes, essa causa estará relacionada com problemas cardíacos, vasculares ou no sangue.
Ademais, existe um instrumento capaz de avaliar a gravidade dos déficits neurológicos relacionados ao AVC agudo, que é a escala do National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS). Nessa escala, serão avaliados: nível de consciência, melhor olhar, campos visuais, paralisia facial, comando motor para membros superiores, comando motor para membros inferiores, ataxia de membros; sensibilidade; melhor linguagem; disartria e extinção ou desatenção.
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Tratamento
Uma estabilização inicial é importante para o paciente que se encontra com AVC isquêmico. As seguintes medidas de suporte poderão ser necessárias:
- Suplementação de O2 para saturação ficar > 94%
- Suporte das vias aéreas se necessário
- correção de possível hipertermia
- tratamendo de posivel hipoglicemia (< 60 mg/dL)
- tratamento da hiperglicemia, para ficar entre 140 a 80 mg/dL
Trombólise intravenosa
O tratamento agudo do AVC isquêmico se baseia, preferencialmente, na trombólise intravenosa. Dessa forma, para evitar que o tecido cerebral sofra danos permanentes, e como a terapia com trombólise intravenosa depende de um tempo para que a reperfusão aconteça, o tratamento deve se iniciar o quanto antes.
Estima-se que se o AVC tiver acontecido em um tempo inferior ou igual a 4,5 horas, o tratamento padrão para a maioria dos casos deva ser através dos trombolíticos intravenosos. Acima de 4,5 horas, entretanto, ainda pode ser realizado, se a imagem analisada da TC ou RM evidenciar a presença de tecido cerebral potencial recuperável.
Contudo, para algumas condições, o uso de trombolíticos intravenosos são desaconselhados. São eles:
- Risco alto de sangramento grave
- Extensas regiões de grande hipoatenuação na TC
- Sintomas de endocardite infecciosa
- Neoplasia intracraniana intra-axial
- Dissecção do arco aórtico
- História de alguns danos teciduais ou sangramentos
Trombectomia mecânica
A trombectomia mecânica, procedimento cirúrgico no qual um cateter conduz um dispositivo até a região do vaso sanguíneo que apresenta o coágulo, também pode ser uma opção de tratamento. Contudo, seu uso é indicado nas seguintes condições: exame de imagem que exclui hemorragia; angiografia por TC/RM que evidenciou oclusão proximal de grandes vasos na circulação anterior causando o AVC isquêmico; paciente com NIHSS ≥ 6 pontos; quando ainda estiver dentro das 24 horas após o início dos sintomas.
Caso o paciente não saiba informar quando iniciou os sintomas, você deve considerar a partir da última vez que você o viu hígido.
Tratamento com aspirina
Através de vários ensaios clínicos randomizados, foi visto que o uso precoce da aspirina foi bastante benéfico para os pacientes com AVC isquêmico em fase aguda. Para isso, é indicado que o uso da droga aconteça ainda dentro de 48 horas que se iniciaram os primeiros sintomas.
Conclusão
O AVC isquêmico representa a maioria dos casos de AVC e está muito relacionado à morbidade de quem sofre, quando ele não é letal. Por isso, a intervenção do médico deve ser o mais rápido possível, por meio de terapias trombolíticas. Além disso, o aconselhamento para mudanças de hábitos de vida, como interrupção do tabagismo, ingestão alcoólica, além do estímulo a realização de exercício físico e de reeducação alimentar devem ser feitos.
Continue aprendendo:
- Tromboembolismo Pulmonar: fisiopatologia, causas e sintomas
- Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica: causas e sintomas
- Retocolite Ulcerativa: fisiopatologia, sintomas e tratamento
FONTES:
- Powers WJ, Rabinstein AA, Ackerson T, et al. Guidelines for the Early Management of Patients With Acute Ischemic Stroke: 2019 Update to the 2018 Guidelines for the Early Management of Acute Ischemic Stroke: A Guideline for Healthcare Professionals From the American Heart Association/American Stroke Association. Stroke 2019; 50:e344.
- Demaerschalk BM, Kleindorfer DO, Adeoye OM, et al. Scientific Rationale for the Inclusion and Exclusion Criteria for Intravenous Alteplase in Acute Ischemic Stroke: A Statement for Healthcare Professionals From the American Heart Association/American Stroke Association. Stroke 2016; 47:581.
- National Institute for Health and Clinical Excellence. Stroke and transient ischaemic attack in over 16s: diagnosis and initial management. Available at: https://www.nice.org.uk/guidance/cg68/chapter/1-Guidance#pharmacological-treatments-for-people-with-acute-stroke
- MARTINS, M. R. Manual do Residente de Clínica Médica. 2a edição. Barueri: Manole, 2017.
- DynaMed. Acidente Vascular Cerebral Isquêmico Agudo. Serviços de informação EBSCO. Acessado em 22 de maio de 2024
- Tsivgoulis G, Zand R, Katsanos AH, et al: Safety of intravenous thrombolysis in stroke mimics: prospective 5-year study and comprehensive meta-analysis. Stroke 46 (5):1281–1287, 2015. doi: 10.1161/STROKEAHA.115.009012
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