O hipotireoidismo é uma síndrome clínica caracterizada pela redução do metabolismo basal do paciente. É classificado em primário, quando a glândula tireoide é acometida, em secundário, quando há acometimento da hipófise - deficiência do hormônio tireoestimulante (TSH) - e em terciário quando a deficiência é hipotalâmica, ou seja, há diminuição do hormônio liberador de tireotrofina (TRH).
O tipo primário é o mais prevalente em todo mundo, e corresponde a 95% dos casos. Mundialmente, tem como principal causa a deficiência de iodo. Entretanto, no Brasil, a principal etiologia é a tireoidite de Hashimoto, uma doença autoimune que será abordada no decorrer do texto.
Etiologias
Fatores de risco
São fatores de risco para o hipotireoidismo primário a idade > 60 anos, o sexo feminino e a presença de doença tireoidiana ou extratireoidiana autoimune. E mais, a história familiar de doença tireoidiana e doenças genéticas como as síndromes de Down e de Turner. E ainda, alguns fármacos, como a amiodarona, o lítio, as tionamidas e o interferon-alfa.
Fisiopatologia
O hipotálamo produz TRH, que estimula a produção do TSH pela adenohipófise. O TSH, por sua vez, estimula a glândula tireoide a produzir seus principais hormônios: o T3 e o T4. Esses hormônios atuam através de feedback negativo com a glândula hipófise e com o hipotálamo, diminuindo a produção de TSH e de TRH.
Para mais, a unidade funcional da tireoide é o folículo tireoideano, composto por coloide, células foliculares - que atuam na absorção do iodo - células parafoliculares, que atuam produzindo a calcitonina, capilares sanguíneos e cápsulas de tecido conjuntivo.
Assim, o TSH estimula a ligação do iodo com as células foliculares pelo receptor AMPc, estimulando a produção de T4 (pré-hormônio) e de T3 (hormônio ativo). A quantidade de T4 produzida é 20 vezes maior do que a quantidade de T3. Observe o esquema abaixo.
Os hormônios tireoidianos produzidos são depositados no coloide, onde ficam armazenados até sua liberação na corrente sanguínea. Ao chegar nas periferias, o T4 será metabolizado em T3 pelas enzimas desiodase I e II, permitindo que os hormônios realizem suas funções biológicas.
Principais causas e sintomas do hipotireoidismo
A síndrome clínica provoca alentencimento do metabolismo de maneira geral. Assim, apresenta como sintomas mais marcantes a astenia, a sonolência e a intolerância ao frio. E mais, a voz arrastada e pele seca e áspera. E ainda, podem estar presentes o edema periorbital, a anemia e a bradicardia.
Além disso, o ganho de peso pode acometer até 50% dos pacientes, tendo como principal causa a retenção hídrica. Todavia, muitos pacientes são assintomáticos ou oligossintomáticos, e recebem o diagnóstico através dos exames de rotina. A seguir, descreveremos as principais alterações encontradas nos pacientes.
Alterações metabólicas
A redução do metabolismo basal do paciente pode provocar hipercolesterolemia. Assim, em pacientes com LDL-colesterol elevado, associado ou não à hipertrigliceridemia, recomenda-se não iniciar a estatina de imediato e realizar uma segunda avaliação após o tratamento do problema.
Alterações endocrinológicas
A hiperprolactinemia é uma importante alteração endócrina e acomete de 30% a 40% dos pacientes, sendo uma causa importante de infertilidade. E mais, destaca-se também a redução dos níveis de testosterona e estradiol, que podem provocar diminuição da libido.
Alterações oftalmológicas, neurológicas e psiquiátricas
Essa síndrome clínica pode provocar importantes alterações oftalmológicas e neurológicas. Entre elas, destacam-se as cefaleias, tonturas e zumbidos. E mais, hiporreflexias profundas, déficits visuais e auditivos, parestesias e déficits cognitivos. E ainda, ataxia, nistagmo e tremores. Dentre as alterações neurológicas, a mais grave é o coma mixedematoso, que apresenta mortalidade que pode chegar a 60%.
Além disso, apesar de raro, o indivíduo pode apresentar quadro de intensa agitação e sintomas psicóticos, quadro também conhecido como “loucura mixedematosa”. Essa é mais frequentemente observada em casos de hipotireoidismo primário de longa duração sem tratamento adequado.
Alterações cardiovasculares
Além disso, alterações cardiovasculares também são comuns. Entre elas, destacam-se a diminuição do débito cardíaco e a hipertensão arterial sistêmica convergente, sendo essa definida pela diferença entre pressão arterial sistólica e diastólica inferior a 30 mmHg.
E mais, cardiomegalias, derrame pericárdico e baixa voltagem no eletrocardiograma também podem estar presentes. Por fim, o indivíduo apresenta risco elevado para doença arterial aterosclerótica. Observe abaixo um raio-X de paciente com derrame pericárdico antes e após o início da terapia para correção do hipotireoidismo.
Alterações respiratórias
Alterações respiratórias também podem estar presentes. Entre elas, destacam-se a dispneia, que acomete cerca de 50% dos pacientes, a apneia do sono, o derrame pleural e, em casos mais graves, a insuficiência respiratória (coma mixedematoso).
Alterações reprodutivas
Em pacientes do sexo feminino, o hipotireoidismo pode provocar irregularidades menstruais: oligomenorreia, amenorreia e menorragias, bem como anovulação e infertilidade, como mencionado anteriormente. Em homens, observa-se a redução da libido, disfunção erétil e oligospermia.
Alterações hematopoiéticas e musculoesqueléticas
O paciente com hipotireoidismo pode apresentar anemia leve a moderada, sendo característica a anemia normocítica e normocrômica. E mais, sintomas como a fadiga muscular, mialgia e/ou artralgia e cãibras, bem como derrames articulares e síndrome do túnel do carpo também são comuns.
Alterações no sistema digestório
A anorexia, constipação intestinal e distensão gasosa podem ser comuns a esse problema. As duas últimas ocorrem devido a menor ingestão alimentar, ao retardo no esvaziamento gástrico e devido a diminuição da atividade peristáltica. Assim, é possível a ocorrência de retenção fecal e íleo paralítico. Por fim, os pacientes podem apresentar macroglossia e, raramente, ascite mixedematosa.
Como diagnosticar o hipotireoidismo?
Para avaliação inicial da tireoide, solicita-se como exames laboratoriais apenas o TSH e o T4 livre (T4L). Isso porque o T4 é mais sensível do que o T3, devido a sua maior disponibilidade, e por sua forma livre não sofrer influência das proteínas ligadoras de hormônios tireoideanos.
Já o TSH permite a topografia da síndrome tireoidiana. Assim, esse hormônio é capaz de indicar se o problema ocorre devido um acometimento na tireoide ou na hipófise. Dessa forma, apenas solicitamos o hormônio T3 em casos de tireotoxicose.
Como diagnosticar o hipotireoidismo subclínico?
O hipotireoidismo subclínico é caracterizado por níveis de TSH elevados e níveis de T4L normais. Nesses casos, o eixo central está aumentando a produção de hormônios para compensar a diminuição da atividade da tireoide. Com a progressão do quadro, haverá redução dos níveis de T4L.
Como diagnosticar o hipotireoidismo primário?
O hipotireoidismo primário é caracterizado pelo aumento dos níveis de TSH, associados com níveis baixos de T4L. Para mais, a principal causa em nosso meio é a tireoidite de Hashimoto, como mencionado anteriormente.
Tireoidite de Hashimoto
A tireoidite de Hashimoto é uma doença autoimune caracterizada pela presença de títulos elevados de anticorpos antitireoperoxidase (anti-TPO), que podem ser dosados para firmar o diagnóstico. Nessa doença, há intensa produção de linfócitos T autorreativos que atacam o parênquima tireoidiano.
A doença se desenvolve por uma interação entre a suscetibilidade genética e fatores ambientais precipitantes. Nesses últimos, destacam-se as infecções, o estresse, hormônios sexuais e ingesta excessiva de iodo - dietas hipersalinas - bem como exposição à radiação.
Como diagnosticar o hipotireoidismo central?
O hipotireoidismo central, que corresponde ao tipo secundário ou terciário, é caracterizado por níveis de TSH e T4L diminuídos. Nesses casos, a tireoide não produz hormônios devido a não liberação do TSH. Assim, deve-se solicitar uma ressonância magnética de sela túrcica, a fim de avaliar a hipófise.
Quais são os principais tratamentos para o hipotireoidismo?
Os principais objetivos do tratamento do hipotireoidismo são a normalização do TSH, que deve se manter entre os valores de 0.5 a 5.0 mU/L e, para pacientes ≥ 80 anos, entre 0.5 e 7.5 mU/L, bem como promover a melhora dos sintomas. Além disso, objetiva-se a redução do bócio, quando presente, e evitar a iatrogenia, caracterizada por um quadro de tireotoxicose.
Assim, a levotiroxina é a droga de escolha no tratamento. Deve ser tomada em jejum, entre 30 a 60 minutos antes do café-da-manhã.
Pacientes dos 16 aos 65 anos
A dose diária ideal é de 1.6 a 1.8 mcg/kg.
Pacientes maiores de 65 anos, coronariopatas e com hipotireoidimo grave de longa duração
Opta-se por iniciar a reposição com dose de 12.5 a 25 mcg/dia. Nesses pacientes, deve-se ajustar a dose em 12.5 a 25 mc/dia, em intervalos de 15 a 30 dias.
Pacientes maiores de 65 anos sem comorbidades cardiovasculares
Pode-se iniciar a levotiroxina em sua dose plena. Entretanto, recomenda-se seu início com doses menores (p. ex.: 25 mcg/dia) com aumentos graduais, devido ao risco aumentado de arritmias nessa população.
Para mais, deve-se atentar aos pacientes que fazem uso de inibidores de bomba de prótons (IBPs), visto que essa medicação pode inibir os efeitos da levotiroxina. Assim, recomenda-se a ingestão da levotiroxina, seguida da ingestão do IBP após intervalo de 30 minutos e, após mais 30 minutos, a ingestão do café-da-manhã.
Fluxograma para tratamento do hipotireoidismo subclínico
Após a avaliação dos exames laboratoriais constatando um hipotireoidismo subclínico, deve-se realizar novamente a medição do TSH e T4 para firmar o diagnóstico. Após isso, se o TSH ≥ 10 Um/L, inicia-se a levotiroxina. Entretanto, caso o valor esteja entre > 4,5 e < 10 Um/L, o início do tratamento deve ser individualizado.
Assim, em pacientes com doenças cardiovasculares, gravidez ou desejo de engravidar, deve-se iniciar o tratamento. Já em pacientes que apresentarem anti-TPO positivos em altos títulos, ultrassonografia compatível com tireoidite de Hashimoto ou infertilidade, pode-se considerar iniciar o tratamento. E mais, em pacientes sintomáticos, o início do tratamento também pode ser considerado. Observe o fluxograma abaixo.
Avaliação terapêutica e monitoramento
Após 6 semanas do início do tratamento, deve-se dosar novamente o TSH. Se os valores estiverem normais, o TSH deve ser repetido anualmente ou sempre que houver sintomas de hipo ou hipertireoidismo, gravidez, menopausa ou início/descontinuação de terapias com reposição de estrogênio.
Ou ainda, quando o paciente iniciar uma nova droga que possa alterar a função tireoidiana. A dosagem de TSH deve ser feita quando houver troca de fabricantes de levotiroxina, visto que se observa na prática clínica que a mudança da marca de levotiroxina pode reduzir os níveis de T4. Uma outra situação para a medição é quando houver mudanças ≥ 10% do peso corporal.
Para mais, se após a nova dosagem os níveis de TSH estiverem abaixo do limite inferior da normalidade, recomenda-se reduzir a dose de levotiroxina em 12 a 25 mcg/dia. Após 6 a 8 semanas, deve-se repetir exame, e continuar titulando a dose até que se atinja o valor normal.
Entretanto, se os níveis do hormônio estiverem maiores que o limite superior da normalidade, o manejo deve ser:
- Se TSH < 10 mU/L: aumentar a dose de levotiroxina em 12 a 25 mcg/dia
- Se TSH 10-20 mU/L: aumentar dose de levotiroxina para 25 a 50 mcg/dia
- Se TSH ≥ 20 mU/L: dosar T4L para guiar o tratamento.
Por fim, deve-se repetir a dosagem de TSH após 6 a 8 semanas, e continuar titulando a dose até atingir o TSH normal.
Conclusão
O hipotireoidismo é uma doença muito comum, e que atinge uma parte significativa da população idosa e feminina. Assim, saber identificar o hipotireoidismo subclínico, primário e central através da dosagem dos níveis de TSH e T4L, bem como saber conduzir o tratamento com a levotiroxina são habilidades fundamentais para todo médico generalista.
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FONTE:
- VILAR, Lucio. et al. Endocrinologia Clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda, 2020
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