A anemia é um dos distúrbios mais frequentes encontrados na prática clínica. Essa pode ser classificada em hiperproliferativa - destacando-se a anemia hemolítica e anemia falciforme - ou ainda, em anemias hipoproliferativas. Nessas últimas encontram-se a anemia ferropriva, a anemia por doenças crônicas e a anemia megaloblástica.
A diferenciação dessas anemias nos exames laboratoriais é de fundamental importância para o médico generalista na investigação de um quadro de anemia.
O que é a Anemia Megaloblástica?
A anemia megaloblástica é definida pela presença de macrocitose (VCM > 115-120 fl) no hemograma, e pode ocorrer devido à deficiência do ácido fólico (vitamina B9), da cobalamina (vitamina B12) ou de ambas. As vitaminas B12 e B9 são fundamentais para a formação das bases nitrogenadas purinas e pirimidinas e, portanto, sua deficiência altera a síntese do DNA.
O bloqueio da síntese de DNA provoca o surgimento de assincronias núcleo-citoplasma: há aumento do citoplasma no processo de divisão celular, entretanto, não há divisão do núcleo das células, uma vez que o material genético não realiza sua duplicação.
Por isso, na medula óssea, pode-se observar a presença dos megaloblastos - células jovens que são interpretadas como ineficazes e são posteriormente destruídas por macrófagos - em um processo denominado eritropoiese ineficaz. Sendo assim, na anemia megaloblástica, há destruição de células vermelhas, que ocorrem na medula óssea e não na periferia.
Fisiopatologia da anemia megaloblástica
A metionina sintetase, enzima que tem como co-fator a vitamina B12, retira o grupamento metil do metiltetraidrofolato (folato circulante e inativo) e coloca-o na homocisteína. Após essa reação, a homocisteína, um aminoácido, é transformado na metionina.
Com a retirada do grupamento metil, o metiltetraidrofolato se transforma no tetraidrofolato (folato ativo), que é imprescindível para a síntese de DNA. Dessa forma, a ausência de ambas as vitaminas B12 e B9 provoca aumento da homocisteína e redução da síntese de DNA.
Além disso, a vitamina B12 também é um cofator de uma enzima que atua transformando o ácido metilmalônico em succinil CoA, sendo essa reação fundamental para a mielinização dos neurônios periféricos e centrais. Por isso, apenas a ausência de vitamina B12 é capaz de provocar toxicidade neuronal e de aumentar a quantidade de ácido metilmalônico.
Metabolismo ácido fólico
O ácido fólico está presente em vegetais verdes, sendo absorvido predominantemente no intestino delgado proximal. Ele tem como principal reservatório o fígado e, na ausência completa da ingestão dessa vitamina, tem um estoque com duração de 4 a 5 meses.
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Metabolismo cobalamina
Já a vitamina B12 está presente apenas em alimentos de origem animal. Também tem como principal reservatório o fígado e, na ausência completa de sua ingestão, tem estoque com duração de 3 a 6 anos.
Esse micronutriente é ingerido em associação com a proteína dos alimentos, é separado dessas por ação da acidez gástrica e das pepsinas presentes no estômago. Após essa separação, liga-se ao ligante R, também conhecido como haptocorrina, que é produzida pela saliva.
Ao chegar no duodeno, a vitamina B12 e o ligante-R são separados pelas proteases pancreáticas e pelo meio alcalino ao qual são submetidos. Isso permite sua ligação ao fator intrínseco, que é produzido pelas células parietais no estômago, e permite que a cobalamina seja absorvida no íleo terminal.
Fatores de risco
Ácido fólico
Diversos fatores podem levar a deficiência de ácido fólico. Entre eles, o consumo insuficiente da vitamina, a necessidade metabólica aumentada (ex.: gravidez, hemólise crônica) e a má absorção intestinal.
Além disso, algumas drogas também podem prejudicar o metabolismo do ácido fólico, dificultando seu reaproveitamento. Assim, as principais causas de deficiência da vitamina B9 estão listadas na tabela abaixo.
Vitamina B12
Já a deficiência de vitamina B12 tem como principal causa a má absorção. Como exposto anteriormente, a absorção da cobalamina depende da acidez gástrica, da produção do fator intrínseco pelas células parietais do estômago, da presença das enzimas pancreáticas e do íleo terminal íntegro. Observe a tabela abaixo.
Quadro clínico da Anemia Megaloblástica
Muitos pacientes são assintomáticos, sendo diagnosticados com achado acidental do volume corpuscular médio (VCM) > 115 a 120 fl. Entretanto, o quadro clínico da anemia megaloblástica pode ser caracterizado pela presença de glossite e queilite angular, bem como pela presença de uma hiperpigmentação cutânea reversível.
Além disso, o indivíduo pode apresentar também anorexia e perda de peso. E ainda, exclusivamente na deficiência de vitamina B12, pode haver presença de sintomas neuropsiquiátricos, como demências, neuropatias periféricas e ataxias de marcha, por exemplo.
Diagnóstico
O diagnóstico é dado principalmente através de exames laboratoriais. Assim, no hemograma, a anemia megaloblástica mostra-se como uma anemia hipoproliferativa, não havendo, portanto, aumento de reticulócitos. Além disso, como mencionado anteriormente, é caracterizada por ser uma anemia macrocítica (VCM > 115-120 fl).
Para mais, há um aumento pronunciado do DHL e aumento da bilirrubina indireta (BI), devido a destruição das células jovens na medula óssea causada pela eritropoiese ineficaz. E mais, podem ser evidenciados macroovalócitos e neutrófilos plurissegmentares no esfregaço periférico. Também é possível que o paciente apresente pancitopenia leve.
Diagnóstico de deficiência de cobalamina
Na deficiência de cobalamina, ocorre a síndrome da Degeneração Combinada (subaguda) da Medula, caracterizada pela desmielinização do funículo lateral e/ou posterior da medula. Assim, o indivíduo pode apresentar alteração da sensibilidade proprioceptiva e vibratória.
E mais, a homocisteína aparece aumentada, assim como o ácido metilmalônico. Sendo o diagnóstico firmado na dosagem de B12 < 200 pg/mL, associado a quadro clínico sugestivo. Valores entre 200 e 300 pg/mL são considerados borderline e, nesses casos, o diagnóstico pode ser firmado através do teste terapêutico.
Esse consiste na suplementação de 1.000 mcg/semana de B12, durante 3 semanas, realizando-se o acompanhamento da melhora dos parâmetros hematológicos. Já valores de cobalamina > 300 pg/mL descartam a presença de anemia por deficiência de B12. Por fim, a principal etiologia é a anemia perniciosa, uma doença autoimune. Por isso, normalmente está associada a outras doenças autoimunes, como o hipotireoidismo, o vitiligo e a diabetes mellitus.
É preciso mencionar também que a anemia perniciosa tem como principal consequência a gastrite atrófica, que pode provocar o surgimento do câncer de estômago. Por isso, a endoscopia digestiva alta é recomendada para afastar o diagnóstico de adenocarcinoma gástrico no paciente recém diagnosticado com anemia perniciosa.
Assim, para diagnosticar o paciente com anemia perniciosa, realiza-se a dosagem do anticorpo anti-fator intrínseco, que é mais específico (>90%), e do anticorpo anti-células parietais, um parâmetro mais sensível (90%) para o diagnóstico de gastrite atrófica.
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Diagnóstico de deficiência de B9
A deficiência de vitamina B9 tem como principal fator etiológico o etilismo crônico. Não há manifestações neurológicas, ocorrendo o aumento isolado da homocisteína, com níveis de ácido metilmalônico normais.
Para mais, é preciso fazer a dosagem do ácido fólico, que deve ser < 2 ng/mL. Valores entre 2 e 4 ng/mL são considerados borderline, podendo-se realizar o teste terapêutico (1mg/dia de ácido fólico por 1 a 2 semanas) para confirmação diagnóstica. Entretanto, antes de realizá-lo, se faz necessário primeiramente confirmar ou afastar a possibilidade de deficiência de vitamina B12.
Isso porque a correção da vitamina B9 pode atrasar o diagnóstico da deficiência de cobalamina, agravando os sintomas neurológicos, que podem até mesmo se tornar irreversíveis. Na dúvida, recomenda-se a reposição de ambas as vitaminas.
Quais são os tratamentos?
Ao iniciar o tratamento para reposição das vitaminas, espera-se melhora rápida da sensação de bem-estar, diminuição do DHL e da BI de 1 a 2 dias, e pico de reticulócitos entre 5 e 7 dias. Além da melhora da hemoglobina entre 1 e 2 semanas, obtendo-se normalização dos seus valores de 4 a 8 semanas.
Os neutrófilos hipersegmentados tendem a desaparecer no período de 10 a 14 dias, e a leucopenia e plaquetopenia apresentam melhora de 1 a 4 semanas. Por fim, os sintomas neuropsiquiátricos decorrentes da deficiência de cobalamina melhoram da 3º a 12º semana após início de sua reposição.
Tratamento da deficiência de vitamina B12
Para essa abordagem terapêutica realiza-se a reposição - preferencialmente por via intramuscular - de 1.000 µg de 1 a 7 dias por 1 mês, ou entre 1 e 3 meses. Essa via é preferível pois a principal causa da deficiência de vitamina B12 é a má absorção. Entretanto, a reposição por via oral também é uma opção terapêutica, recomendando-se uma dose entre 0.5 e 2 mg/dia.
Tratamento da deficiência de vitamina B9
Realiza-se a reposição do ácido fólico por via oral, na dose de 1 a 5 mg/dia. Nos casos em que o paciente faz uso do metotrexato, utiliza-se o leucovorin/ácido folínico para reposição da vitamina B9.
Por fim, quando a causa primária da deficiência de ambas as vitaminas não puderem ser corrigidas, recomenda-se a manutenção indefinida do seu tratamento. Vale salientar que, na primeira semana de tratamento da anemia megaloblástica, há risco aumentado de hipocalcemia. Isso porque o potássio, principal íon intracelular, é muito utilizado na formação rápida de novas células sanguíneas. Dessa forma, deve ser dosado durante o início da terapia medicamentosa, e sua reposição pode ser necessária.
Conclusão
As anemias megaloblásticas são um dos distúrbios hematológicos mais frequentemente observados na prática clínica. Por isso, sua diferenciação com outros tipos de anemia, como as anemias hiperproliferativas, são de fundamental importância para o médico generalista.
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FONTE:
- FAUCI, Jameson. et al. Medicina Interna de Harrison. Porto Alegre: AMGH, 2020
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