Reumatologia
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Febre Reumática: o que é, sintomas, diagnóstico e tratamento 

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Equipe medclub
Publicado em
16/10/2024
 · 
Atualizado em
16/10/2024
Índice


O Streptococcus pyogenes ou estreptococo do grupo A é uma bactéria extremamente contagiosa e pode se espalhar com bastante facilidade. Cerca de 30% dos casos de faringite são causados por esse tipo de bactéria. Entretanto, apenas uma faringite pode tomar proporções bem piores quando a pessoa desenvolve a chamada febre reumática, sequela que pode ser responsável por uma série de acometimentos que causam aumentos na morbimortalidade de quem sofre. Dessa forma, como um diagnóstico precoce é crucial para a prevenção das complicações graves, é necessário que os médicos estejam bastante atentos à doença!

O que é a febre reumática?

Dentre as possíveis complicações da infecção faríngea por Streptococcus do grupo A, temos as sequelas supurativas, como abscesso peritonsilar, sinusite e otite média, e as não supurativas, como a Febre Reumática (FR)

A FR é uma sequela não supurativa, que ocorre de 2 a 4 semanas após uma faringite por estreptococo do grupo A em indivíduos geneticamente predispostos, que pode causar artrite, cardite, coreia, eritema marginatum e nódulos subcutâneos

Diante de fatores ambientais favoráveis, grandes aglomerados de pessoas e falta de acesso a serviços de saúde e de tratamentos adequados, às infecções bacterianas que causam a faringoamigdalites acabam se tornando mais frequentes em países em desenvolvimento se comparado aos desenvolvidos. Dos acometidos pelas faringites estreptocócicas, em torno de 1% a 3% desenvolvem a febre reumática, mediante predisposição genética. 

Etiologia

Os mecanismos etiológicos que levam ao desenvolvimento do problema ainda não são completamente compreendidos. Porém, acredita-se que ele esteja relacionado com um processo autoimune gerado por anticorpos reativos cruzados e células T entre antígenos do estreptococo e o tecido humano. 

Isso significa que, em pessoas suscetíveis, quando o corpo é infectado pelo streptococcus do grupo A, o sistema imunológico produz anticorpos e células T para atacar esses antígenos. Entretanto, ocorre que esses anticorpos e as células T, que são direcionadas contra essas bactérias, acabam também atacando os tecidos humanos (reação cruzada) que apresentam semelhanças estruturais (mimetismo molecular).

Essa reação autoimune pode causar inflamação e danos nos tecidos, resultando em uma série de sintomas e complicações graves. 

Imunopatogenia da Febre Reumática. Fonte: imunologia celular e molecular, 8ª edição, 2005

Sintomas da febre reumática 

A febre reumática pode estar associada ao surgimento de vários achados clínicos diferentes. Conhecê-los é essencial para um bom diagnóstico da doença. Assim, as 5 principais manifestações, conhecidas como critérios maiores, são: artrite, cardite, envolvimento do sistema nervoso central, nódulos subcutâneos e eritema marginado. Além dessas, existem os critérios menores:  artralgia, febre, proteína C reativa e prolongamento do intervalo PR. 

Critérios maiores

Artrite 

É o sintoma mais precoce e o mais frequente da febre reumática, que diz respeito a um processo inflamatório nas grandes articulações, como joelhos, cotovelos e quadris. 

Quanto à caracterização do sintoma, ela é quase sempre transitória, em uma duração de 1 ou 2 dias a 1 semana, podendo acometer várias articulações. As principais articulações acometidas são os joelhos, tornozelos, cotovelos e pulsos. 

ATENÇÃO! Um ponto importante da artrite da FR é que ela usualmente é descrita como “migratória”, como se a inflamação migrasse de uma articulação para outra. 

Ela é mais comum e mais severa nos adolescentes e nos jovens adultos do que nas crianças, podendo ser, nessas idades, bastante dolorosas e incapacitantes. Entretanto, na maioria dos casos ela é resolvida espontaneamente sem necessidade de tratamento em torno de 4 semanas, sem deixar sequelas. 

É sabido que a artrite da febre é uma poliartrite. Porém, muitas pessoas acabam tratando precocemente com AINEs quando a primeira grande articulação é acometida. Como essa artrite responde ao uso desses medicamentos,  ocorre uma impressão de que se tratou de uma monoartrite, e muitas vezes acaba dificultando o diagnóstico da febre reumática.  

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Cardite 

Geralmente surge cerca de 3 semanas depois da infecção estreptocócica, sendo o segundo sintoma mais comum. Cerca de 50% a 80% dos pacientes manifestarão a cardite. 

A cardite associada à FR é considerada uma pancardite, pois pode acometer qualquer camada do coração, como pericárdio, miocárdio e endocárdio. Entretanto, na febre reumática aguda, a principal manifestação da cardite é o envolvimento do endocárdio, mais precisamente uma valvulite (principalmente nas valvas mitral e aórtica). 

Para a identificação desse acometimento, a ecocardiografia tem um importante papel para identificar possíveis regurgitação mitral ou aórtica subclínica, sendo a regurgitação mitral a forma mais típica de valvulite da febre. Clinicamente, a regurgitação mitral poderá ser identificada pela presença de um sopro pansistólico ouvido mais alto no ápice e irradiando para a axila esquerda, enquanto que a regurgitação aórtica é marcada por um sopro diastólico precoce ouvido na base do coração. 

Com a melhora do quadro inflamatório, os sopros desaparecem, mas nos quadros crônicos, pode ser desenvolvido uma estenose valvar. 

Ilustração que compara uma valva mitral normal e uma valva mitral com insuficiente, causando regurgitação mitral (insuficiência mitral)
Ilustração que compara uma valva mitral normal e uma valva mitral com insuficiente, causando regurgitação mitral (insuficiência mitral). Fonte: Medicina de Excelência

Coreia de Sydenham

Se trata de um distúrbio neurológico caracterizado pela presença de movimentos abruptos, não rítmicos e involuntários, fraqueza muscular e distúrbios emocionais. Ela está presente em torno de 10% a 15% dos casos e é mais comum em pessoas na idade escolar e adolescentes do sexo feminino. 

Além disso, a coreia de Sydenham pode ser exacerbada pelo estresse, cansaço ou esforço físico. Felizmente, geralmente esse quadro melhora por completo entre 6 semanas e 6 meses, sem deixar sequelas. 

Eritema Marginatum 

Se trata de uma erupção cutânea evanescente, rosa ou avermelhada, não pruriginosa, que acomete os troncos e, em alguns casos, os membros. Ela também é chamada de “eritema anular”, pois suas margens geralmente são contínuas, formando um anel. 

Ela raramente ocorre como única manifestação, acontecendo mais associada a pacientes acometidos pela cardite aguda e, em alguns casos, cardite crônica.

Presença de eritema marginado em dorso de paciente com febre reumática aguda à direita e uma visão ampliada do eritema marginado à esquerda. Fonte: Uptodate 

Nódulos subcutâneos 

Se tratam de manifestações mais raras, presentes em torno de 2% a 5% dos casos. São lesões firmes e indolores, variando de 2 mm a 2 cm de tamanho. Assim como no eritema marginatum, elas também são mais presentes nos pacientes que desenvolveram cardite. 

Quando presentes, se encontram mais em regiões sobre uma superfície óssea ou perto de tendões, sendo os cotovelos a região mais acometida, mais precisamente próximo à região do olécrano. 

Paciente com nódulo subcutâneo. Fonte: Medsimples 

Critérios menores 

As manifestações menores da febre reumática são: febre, artralgia, elevação dos reagentes de fase aguda e prolongamento do intervalo PR no ECG

Febre

Nos países de baixo risco, são consideradas uma temperatura ≥ 38,5ºC, enquanto que para populações de países de moderado a alto risco, temperaturas ≥ 38ºC já devem ser consideradas 

Artralgia 

Trata-se de uma manifestação bastante inespecífica, uma vez que é muito frequente nos distúrbios reumatológicos em geral. Quando presente, ela acomete várias articulações (poliartralgia), porém, em países de moderado a alto risco, também é considerado como um critério menor as monoartralgias

Elevação dos reagentes de fase aguda 

É importante ficar atento aos reagentes de fase aguda, porque eles quase estarão elevados. Os valores que deverão ser considerados são: VHS ≥ 60 mm/hora e PCR ≥ 30 mg/L. Contudo, para países de alto risco, valores mais baixos do VHS (30 ≥ mm/hora) já deverão ser considerados

Intervalo PR prolongado no eletrocardiograma 

Nos adultos, são considerados valores maiores do que 0,2 segundos. Porém, é importante deixar claro que a interpretação do PR prolongado depende da idade e da frequência cardíaca do indivíduo. 

Imagem mostrando o que seria um eletrocardiograma com intervalo PR prolongado. Fonte: My EKG 

Diagnóstico da febre reumática

O diagnóstico da Febre Reumática se dá a partir dos critérios de Jones revisado, de 2015, baseando-se nas manifestações clínicas já explicadas anteriormente. A atualização dos critérios de jones, de 2015, separou os critérios para as populações de baixo risco (incidência de FR ≤ 2 casos para 100.000 crianças em idade escolar) e em populações de risco moderado a alto

Diagnóstico de um episódio inicial de FR 

  • Duas manifestações maiores 

               OU 

  • Uma manifestação maior e duas menores 

ATENÇÃO! Manifestações articulares (artrite ou artralgia) e cardíacas (cardite ou prolongamento do intervalo PR) terão que ser contados apenas uma vez. Ou seja, não podemos contar, por exemplo, artrite e artralgia como um critério maior e menor, respectivamente. 

Diagnóstico de um episódio recorrente de FR

Pacientes que já tiveram febre reumática possuem risco de terem outros episódios mediante reinfecções pelo Streptococcus do grupo A, o que aumenta ainda mais as chances de comprometimento cardíaco grave. Assim, nesses casos, fecharão o diagnóstico de FR reumática recorrente: 

  • Duas manifestações maiores 
  • Uma maior e duas menores 
  • Três menores

Além disso, apesar do diagnóstico da febre reumática ser feito com base nos critérios de Jones modificados, existem situações em que o diagnóstico pode ser feito mesmo que esses critérios não sejam totalmente contemplados. São elas: cardite isolada ou coreia de Sydenham isolada. Tais pacientes, contudo, ainda deverão ser submetidos à avaliação cardiológica com ecocardiograma. 

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Qual o tratamento?

Os objetivos principais para o tratamento da febre reumática são: 

  • Erradicação do Streptococcus do grupo A 
  • Alívio dos sintomas da forma aguda da doença, como artrite 
  • Gerenciar a doença cardíaca reumática 
  • Gerenciar a coreia, quando presente 
  • Profilaxia contra possíveis futuras infecções do estreptococo do grupo A 
  • Educação para os pacientes e seus cuidadores 

Erradicação do Streptococcus do grupo A 

A prevenção primária para febre reumática se dá pelo rápido diagnóstico somado ao tratamento do antibiótico da amigdalofaringite por Streptococcus do grupo A.

Para os casos em que o paciente já seja diagnosticado, ele deve ser tratado com terapia antibiótica contra o agente estreptococo, pois se presume que ele tenha a infecção bacteriana, tipicamente manifestada em um faringite.  

Convencionalmente, o paciente é tratado com penicilina G benzatina de ação prolongada, via intramuscular

Tratamento da artrite 

Os agentes de primeira linha para o tratamento da artrite da febre reumática é o uso de AINEs, a exemplo do naproxeno e ibuprofeno, diante do seus riscos reduzidos de efeitos adversos em comparação à drogas como a aspirina. 

O ácido acetilsalicílico é o medicamento tradicionalmente indicado, a uma dose de 80 a 100 mg/Kg/dia com dose máxima de 3g/ dia, em 4 tomadas. Para o naproxeno, é indicado ser utilizado de 10 a 20mg/Kg/dia em 2 tomadas

Manejo da cardite 

Para uma gestão eficaz da cardite, é essencial que ocorra um diagnóstico precoce, uma avaliação da gravidade do caso através da realização de ecocardiograma, e o manejo das complicações, quando presentes. 

Manejo da coreia de Sydenham 

Como se trata de um problema autolimitado, a maioria dos casos não necessita de tratamento além do uso antibiótico crônico usual para prevenção da FR recorrente. Porém, nos casos de coreia que resultam em comprometimento intenso, pode ser necessário o uso de drogas supressoras e/ou uso de glicocorticoides

Profilaxia contra possíveis futuras infecções do estreptococo do grupo A

Os pacientes que tiveram febre reumática e que desenvolveram, posteriormente, outra faringite pelo Streptococcus do grupo A possuem grandes chances de desenvolver novamente outro evento de febre. O grande problema disso é que, para cada novo caso, maiores são as chances do paciente adquirir uma doença cardíaca reumática de grande gravidade. 

Por isso, é indicado a realização de profilaxia antimicrobiana de longo prazo, para aqueles pacientes com histórico bem documentado de FR e/ou com evidências de doença cardíaca reumática. Para a maioria dos pacientes, é indicado a administração de penicilina G benzatina de ação prolongada, IM, a cada 28 dias. 

A duração da profilaxia antibiótica depende do risco de desenvolver febre reumática recorrente somada à gravidade da doença. 

Educação para os pacientes e seus cuidadores

É muito importante que os pacientes que tiveram a doença e seus cuidadores estejam atentos sobre a condição em questão, principalmente quanto a importância de uma profilaxia secundária, mesmo quando o caso anterior tenha sido assintomático. Além disso, é preciso educar os pacientes para a importância de uma boa saúde bucal, para a importância de estar atento às dores de garganta, para que seja tratado o quanto antes. 

Conclusão

A febre reumática é uma complicação grave de infecções estreptocócicas não tratadas adequadamente, que pode levar a danos significativos no coração, articulações e sistema nervoso. Causada pelo Streptococcus pyogenes, a doença ocorre principalmente em populações com acesso limitado a serviços de saúde. Os sintomas variam de artrite e cardite a erupções cutâneas e nódulos subcutâneos. 

O diagnóstico precoce é crucial, baseado em critérios clínicos específicos, e o tratamento inclui erradicação do patógeno, manejo dos sintomas agudos e prevenção de reinfecções. A educação dos pacientes e a profilaxia são fundamentais para evitar recorrências e complicações severas. 

Continue aprendendo:

FONTES:

  • Parks T, Smeesters PR, Steer AC. Streptococcal skin infection and rheumatic heart disease. Curr Opin Infect Dis 2012; 25:145.
  • Gewitz MH, Baltimore RS, Tani LY, et al. Revision of the Jones Criteria for the diagnosis of acute rheumatic fever in the era of Doppler echocardiography: A scientific statement from the American Heart Association. Circulation 2015; 131:1806.
  • Gerber MA, Baltimore RS, Eaton CB, et al. Prevention of rheumatic fever and diagnosis and treatment of acute Streptococcal pharyngitis: a scientific statement from the American Heart Association Rheumatic Fever, Endocarditis, and Kawasaki Disease Committee of the Council on Cardiovascular Disease in the Young, the Interdisciplinary Council on Functional Genomics and Translational Biology, and the Interdisciplinary Council on Quality of Care and Outcomes Research: endorsed by the American Academy of Pediatrics. Circulation 2009; 119:1541.
  • ZUHLKER, L., CUPIDO, B. Management and prevention of rheumatic heart disease. 2021. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/management-and-prevention-of-rheumatic-heart-disease. Acesso em: 30/03/2021.

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