A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma condição genética caracterizada pelo espessamento anormal do músculo cardíaco, o que pode comprometer a função diastólica e o fluxo sanguíneo. Nos serviços de emergência e pronto-socorros, a doença se destaca pela apresentação de sintomas agudos, como dor torácica, dispneia e síncope, exigindo diagnóstico rápido e manejo imediato para prevenir complicações graves. Neste artigo, iremos discorrer sobre definição, fisiopatologia, sintomas, diagnóstico e o tratamento dessa doença que afeta em torno de 0,2% da população brasileira.
O que é cardiomiopatia hipertrófica?
A CMH é uma doença do músculo cardíaco determinada geneticamente, na maioria dos casos por mutações em genes dos sarcômeros responsáveis por codificar componentes do aparelho contrátil do coração. Sua principal característica anatômica é a presença de uma hipertrofia ventricular esquerda (HVE) de várias morfologias, na ausência de outras condições que justifiquem esse achado.
Fisiopatologia
Mediante o local e a extensão da hipertrofia cardíaca, os pacientes com cardiomiopatia hipertrófica podem desenvolver uma ou mais das seguintes anormalidades: obstrução do fluxo da saída do ventrículo esquerdo (VSVE); disfunção diastólica; isquemia miocárdica; regurgitação mitral e arritmias.
O principal fator para o desenvolvimento da obstrução de VSVE é a ocorrência do movimento anterior sistólico da valva mitral contra o septo interventricular, que resulta em um obstáculo para o fluxo sanguíneo pela via de saída do ventrículo. O Movimento anterior sistólico da VM ocorre pela alta velocidade do fluxo sanguíneo da VSVE, que arrasta a cúspide anterior dessa válvula para o septo interventricular.
No exame histológico, é evidenciado uma presença de fibras miocárdicas hipertrofiadas e distribuídas de forma desorganizada sobre fibrose intersticial. A combinação desse desarranjo de miócitos, somada a desordem autonômica, hipertrofia do VE, isquemia e fibrose miocárdica produz um substrato arritmogênico que influi no desenvolvimento das arritmias vistas nos pacientes com a doença em questão.
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Quais os sintomas da cardiomiopatia hipertrófica?
Os sinais e sintomas de cardiomiopatia hipertrófica podem ser bem variáveis e não necessariamente se relacionam com a magnitude da obstrução do gradiente do trato de saída do ventrículo esquerdo, ou seja, enquanto algumas pessoas com uma obstrução grave podem permanecer sem sintomas por vários anos, outros com uma obstrução aparentemente de baixa gravidade podem ter grandes limitações.
Ainda que muitos pacientes não apresentem sintomas ou apenas alguns sintomas leves, outros podem desenvolver um ou mais dos seguintes sintomas, como:
- Dispneia
- Fadiga
- Dor torácica atípica ou anginosa
- Pré-síncope e síncope, particularmente durante ou imediatamente após esforço
- Palpitação
Além disso, sintomas avançados de insuficiência cardíaca de ortopneia, dispneia paroxística noturna e edema, apesar de serem incomuns, podem também estar presentes.
Insuficiência cardíaca
Mais de 90% dos pacientes que apresentam sintomas vão manifestar uma IC, através de uma dispneia aos esforços.
Dor no peito
Em 25% a 30% dos pacientes, ocorre a manifestação de dor no peito por esforço, a típica angina, geralmente no contexto de um arteriografia coronário normal. Além disso, alguns pacientes podem relatar episódios prolongados de dor no peito atípica.
Fisiopatologicamente, a dor no peito pode ser explicada porque na cardiomiopatia hipertrófica ocorre uma hipertrofia dos miócitos, aumento da massa muscular, desorganização dos miócitos e obstrução do gradiente do trato de saída do ventrículo esquerdo fatores que aumentam a demanda de oxigênio. Além disso, a redução do fluxo sanguíneo do miocárdio diante do esforço se relaciona com os seguintes fatores: reserva vasodilatadora prejudicada, disfunção microvascular, fibrose miocárdica, entre outros.
Arritmias
Tanto arritmias supraventriculares como as ventriculares podem ocorrer em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica. Nesses pacientes, não é incomum também apresentarem palpitações, dispneia crescente, pré-síncope ou síncope. Tais pacientes podem sofrer morte cardíaca súbita devido a arritmias ventriculares sustentadas.
Exame Físico
O exame físico dos pacientes pode ser normal, como também pode ter alguns achados, como presença da quarta bulha (B4), desdobramento da segunda bulha (B2), sopro sistólico de regurgitação na borda esternal esquerda inferior, aumento do impulso apical e frêmito sistólico.
Diagnóstico
Você deve começar a suspeitar que um indivíduo tenha cardiomiopatia hipertrófica quando ele apresentar sintomas inexplicáveis (como dispneia, dor no peito, palpitações), ECG anormal, síncope, histórico familiar de CMH.
Um ECG normal geralmente só ocorre em 10% daqueles com CMH. O padrão mais comum é a presença de alterações localizadas ou difusas da repolarização ventricular.
A presença de um desses aspectos já é suficiente para solicitar testes adicionais, como ecocardiografia e/ou ressonância magnética cardíaca. O ecocardiograma transtorácico nos mostrará a morfologia do coração, irá estimar a função sistólica e diastólica, além de avaliar a presença e gravidade do gradiente na VSVE. Para mais, a ressonância magnética cardíaca é de grande ajuda, já que fornece imagens de alta resolução do coração, evidenciando áreas de fibrose e permite uma melhor caracterização das anomalias estruturais da válvula mitral.
A presença de aumento do espessamento em qualquer lugar da parede do VE ≥ 15 mm na ausência de qualquer outra causa identificável, como hipertensão ou doença valvar, já pode ser suficiente para fecharmos o diagnóstico.
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Tratamento da cardiomiopatia hipertrófica
O primeiro passo para o tratamento da cardiomiopatia hipertrófica seria a partir da realização de medidas preventivas, como evitar a depleção do volume intravascular e a restrição de atividade física intensa.
O tratamento deve ser feito apenas para aqueles pacientes que estejam sintomáticos, uma vez que a terapia farmacológica pode mudar a história natural de pacientes assintomáticos. Ela pode ser dividida em tratamento farmacológico e intervenções invasivas.
Tratamento farmacológico
As drogas de primeira linha para o tratamento farmacológico da cardiomiopatia hipertrófica são os betabloqueadores, uma vez que aliviam os sintomas em ⅔ dos pacientes e reduzem a obstrução da VSVE durante o esforço. Estudos relataram os benefícios do uso de propranolol e sotalol. A dose deve ser aumentada de forma gradual, até que se consiga melhora dos sintomas ou uma FC em repouso em torno de 50-60 bpm.
Quando os betabloqueadores não aliviam os sintomas, a segunda opção é a disopiramida, agente antiarrítmico que altera a cinética do cálcio, mostrando melhoras nos sintomas e na redução do gradiente pressórico em repouso.
Ademais, outra opção de escolha quando o uso dos betabloqueadores não podem ser utilizados é o verapamil, antagonista do cálcio que atua na melhora do enchimento diastólico, redução do assincronismo do relaxamento e redução da contratilidade miocárdica.
ATENÇÃO! O verapamil deve ser administrado com cuidado, principalmente em pacientes com obstrução severa, devido ao risco de edema pulmonar.
Tratamento invasivo
O tratamento invasivo, por sua vez, será mais indicado nos pacientes sintomáticos classe III e IV (segundo NYHA), com resposta insatisfatória à medicação otimizada e que possuem gradiente na VSVE.
Dentre as opções, a considerada padrão-ouro é a cardiomiectomia transvalvar aórtica, que consiste na retirada de uma porção de músculo do septo ventricular, aliviando a VSVE, melhorando sintomas e a capacidade funcional em mais de 95% dos pacientes.
Outro tratamento invasivo é o tratamento percutâneo, também chamado de alcoolização septal, que consiste na oclusão de um ramo septal principal da artéria descendente anterior pela injeção de álcool absoluto através de um cateterismo coronariano percutâneo. Mais indicada para aqueles pacientes com idade avançada e/ou com comorbidades, com alto risco cirúrgico ou que não desejam ser submetidos à cirurgia.
Para aqueles pacientes que não são candidatos à miectomia septal cirúrgica ou ao tratamento percutâneo de redução septal, pode ser feito uma estimulação cardíaca artificial, em que um eletrodo na ponta do ventrículo direito age determinando uma mudança de ativação contrátil do miocárdio, ocorrendo movimentação paradoxal do septo interventricular e, consequentemente aumento da câmara ventricular e redução do gradiente da VSVE.
O transplante é a única opção terapêutica para os pacientes sintomáticos, com refratariedade ao tratamento farmacológico otimizado, sem obstrução em VSVE e função sistólica preservada, ou ainda em estágio final da doença.
Conclusão
A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma condição complexa que pode se manifestar de forma assintomática ou com sintomas variados, como dor torácica, dispneia e arritmias, exigindo um diagnóstico preciso e tratamento individualizado. A detecção precoce, especialmente em pacientes com histórico familiar ou alterações eletrocardiográficas, é essencial para prevenir complicações graves, como insuficiência cardíaca e morte súbita. O manejo da CMH inclui desde terapias farmacológicas até intervenções cirúrgicas e, em casos extremos, transplante cardíaco.
Continue aprendendo:
- Insuficiência cardíaca crônica: fisiopatologia, causas e tratamento
- Insuficiência cardíaca aguda: classificação, sinais e sintomas e diagnóstico
- Demência vascular: o que é, sintomas e tratamentos
FONTES:
- Maron BJ, Gardin JM, Flack JM, et al. Prevalence of hypertrophic cardiomyopathy in a general population of young adults. Echocardiographic analysis of 4111 subjects in the CARDIA Study. Coronary Artery Risk Development in (Young) Adults. Circulation 1995; 92:785.
- Maron BJ, Mathenge R, Casey SA, et al. Clinical profile of hypertrophic cardiomyopathy identified de novo in rural communities. J Am Coll Cardiol 1999; 33:1590
- Maron MS, Maron BJ, Harrigan C, et al. Hypertrophic cardiomyopathy phenotype revisited after 50 years with cardiovascular magnetic resonance. J Am Coll Cardiol 2009; 54:220
- Bazan, Silméia Garcia Zanati; Oliveira, Gilberto Ornellas de; Silveira, Caroline Ferreira da Silva Mazeto Pupo da; Reis, Fabrício Moreira; Malagutte, Karina Nogueira Dias Secco; Tinasi, Lucas Santos Nielsen; Bazan, Rodrigo; Hueb, João Carlos; Okoshi, Katashi. Cardiomiopatia Hipertrófica – Revisão. Arq. Bras. Cardiol., v. 115, n. 5, p. 927-935, nov. 2020
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