O vírus da dengue pertence à família Flaviviridae e ao gênero Flavivirus, sendo composto por pelo menos quatro tipos distintos (Tipo 1, 2, 3 e 4). A transmissão epidêmica e endêmica desses vírus ocorre por meio de um ciclo humano-mosquito-humano. A infecção ocorre após a picada de uma fêmea infectada, sendo iniciado o período de viremia após um período de incubação de quatro a seis dias.
Os mosquitos Aedes aegypti, principais vetores de transmissão do vírus da dengue, possuem características que os tornam propensos à disseminação do vírus. Eles se reproduzem em recipientes de água artificiais e naturais, muitas vezes próximos às residências, têm uma distância de voo relativamente curta e realizam frequentemente múltiplas refeições sanguíneas em um único ciclo reprodutivo.
A infecção primária com um dos quatro sorotipos do patógeno geralmente fornece imunidade duradoura à infecção por um vírus do mesmo sorotipo. Em contraste, a imunidade aos outros sorotipos é transitória e os indivíduos podem subsequentemente ser infectados com outro sorotipo.
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Fisiopatologia
O vazamento de plasma ocorre devido a um aumento na permeabilidade capilar, aparentemente devido à disfunção das células endoteliais e não à lesão. Múltiplos fatores circulantes como óxido nítrico, TNF-alfa, interferon (IFN)-gama, interleucina (IL)-2, IL-8, fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) e complemento induzem o aumento transitório da permeabilidade capilar.
Além disso, a leucopenia, trombocitopenia e diátese hemorrágica são os achados hematológicos típicos durante a infecção. Acredita-se que represente um efeito direto do vírus da dengue na medula óssea.
Apesar de a trombocitopenia ser comum, níveis abaixo de 100.000 plaquetas/mm 3 são considerados critérios para definição da febre hemorrágica da dengue (FHD). Acredita-se que a adsorção de vírions da infecção ou complexos imunes vírus-anticorpos à superfície plaquetária, com subsequente ativação do complemento, seja responsável pela destruição plaquetária, chegando a valores menores que 20.000 células/mm 3.
As manifestações da diátese hemorrágica variam desde um teste do torniquete positivo até uma hemorragia com risco de vida. A FHD fatal pode estar associada a hemorragias petequiais difusas envolvendo estômago, pele, coração, intestino e pulmões.
Apesar da nomenclatura, a ocorrência de hemorragia não define a FHD, uma vez que um teste do torniquete positivo pode ocorrer com igual frequência nos dois distúrbios. Os achados patológicos típicos nos fígados de casos fatais incluem necrose hepatocelular e corpos de Councilman, semelhantes aos achados na infecção precoce pelo vírus da febre amarela.
Quais são as fases?
A infecção pelo vírus da dengue consiste em três fases:
Fase febril
A fase febril dura de três a sete dias da infecção pelo vírus e é caracterizada por febre súbita de alto grau (≥38,5°C) acompanhada de dor de cabeça, vômitos, mialgia, artralgia e erupção macular transitória em alguns casos. As crianças têm febre alta, mas geralmente são menos sintomáticas que os adultos durante a fase febril.
Fase crítica
Nesta fase, quando a febre começa a abaixar, uma pequena proporção de pacientes (normalmente crianças e adultos jovens) desenvolve uma síndrome de vazamento vascular sistêmico, caracterizada por vazamento de plasma, sangramento, choque e comprometimento de órgãos. A fase crítica dura de 24 a 48 horas.
Fase de convalescença
Durante a fase de convalescença, o vazamento de plasma e a hemorragia desaparecem, os sinais vitais se estabilizam e os líquidos acumulados são reabsorvidos. A fase de recuperação normalmente dura de dois a quatro dias; os adultos podem sentir fadiga profunda por dias a semanas após a recuperação.
Quais os sintomas da dengue?
A maioria das infecções resulta em sintomas leves, sendo as formas mais graves, como febre hemorrágica da dengue (FHD) e síndrome do choque da dengue (SSD), raras, ocorrendo em menos de 1% dos casos. A FHD pode ser desencadeada por qualquer sorotipo do vírus. A exposição prévia aumenta o risco de formas graves da doença, assim como menor idade, especialmente menores de 11 anos.
A cefaleia, dor ocular e nas articulações ocorrem em 60% a 70% dos casos. A erupção cutânea, tipicamente macular ou maculopapular em face, tórax, abdômen e extremidades, ocorre em aproximadamente metade dos casos, sendo mais comum em infecções primárias, geralmente ocorrendo dois a cinco dias após o início da febre.
Manifestações adicionais podem incluir sintomas gastrointestinais (incluindo anorexia, náusea, vômito, dor abdominal e diarreia) e sintomas do trato respiratório (tosse, dor de garganta e congestão nasal).
Manifestações hemorrágicas podem ser observadas na fase febril e/ou fase crítica. Sangramentos importantes da pele e/ou mucosas (gastrointestinais ou vaginais) podem ocorrer em adultos sem fatores precipitantes óbvios e apenas com vazamento plasmático menor. Petéquias (na pele e/ou palato) ou equimoses espontâneas podem ocorrer em aproximadamente metade dos pacientes.
Outras manifestações menos comuns incluem hematêmese, menorragia, melena e epistaxe. Comorbidades preexistentes, como a úlcera péptica, podem aumentar o risco de hemorragia. O exame físico pode demonstrar ainda injeção conjuntival, eritema faríngeo, linfadenopatia e hepatomegalia.
Como realizar o diagnóstico?
O diagnóstico de dengue deve ser suspeitado em indivíduos febris com manifestações clínicas típicas e exposição epidemiológica relevante e o indivíduo deverá ser classificado em um dos grupos conforme o fluxograma abaixo.
A prova do laço deve ser realizada inflando um manguito de pressão arterial no braço até o meio caminho entre as pressões arteriais sistólica e diastólica por cinco minutos. Desenha-se então um quadrado de 2,5 cm no antebraço e conta-se o número de micro petéquias no quadrado. A prova será positiva em caso de 20 ou mais petéquias em adultos e 10 ou mais em crianças.
O diagnóstico é clínico, visto que em locais com epidemiologia favorável, o valor preditivo positivo dos critérios clínicos é alto. As apresentações clínicas iniciais de dengue, chikungunya e infecção pelo vírus Zika podem ser indistinguíveis, podendo ser diferenciada laboratorialmente.
O diagnóstico laboratorial é estabelecido diretamente pela detecção de componentes virais no soro ou indiretamente por sorologia. A sensibilidade de cada abordagem depende da duração da doença do paciente. A detecção de ácido nucleico viral ou antígeno viral tem alta especificidade, mas é mais trabalhosa e cara; a sorologia tem menor especificidade, mas é mais acessível e menos dispendiosa.
Durante a primeira semana da doença, o diagnóstico da infecção pelo vírus da dengue pode ser estabelecido através da detecção de ácido nucléico viral no soro, utilizando a técnica de RT-PCR (geralmente positiva nos primeiros cinco dias da doença) ou pela detecção da proteína não estrutural 1 do antígeno viral (NS1; geralmente positiva nos primeiros sete dias da doença).
A detecção da IgM pode ocorrer quatro dias após o início da doença, sendo amplamente utilizada para estabelecer um diagnóstico presuntivo em pacientes com sintomas consistentes. Para confirmação, é possível realizar o diagnóstico por meio da soroconversão IgM entre amostras pareadas da fase aguda e convalescente, obtidas 10 a 14 dias após a fase aguda.
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Tratamentos para a dengue
O tratamento deve ser conduzido baseado na classificação do paciente (A, B, C ou D).
Grupo A
Pacientes do grupo A devem seguir em acompanhamento ambulatorial, realizando hemograma a critério médico e iniciar hidratação oral 80ml/kg/dia, sendo 1/3 de solução salina oral e o restante com líquidos caseiros (água, sucos, chás...). Além disso, podem fazer uso de antieméticos, antitérmicos e analgésicos, se necessário.
Grupo B
Os pacientes do grupo B precisam fazer o hemograma obrigatoriamente e exames sorológicos/isolamento viral. A hidratação deve ser conduzida como no grupo A até sair o resultado dos exames e permanecer assim se estiver normal. Caso o hematócrito esteja aumentado em mais de 10% ou >44% em homens ou >50% em mulheres, o paciente deverá ficar em observação e a hidratação deverá ser supervisionada.
Para a hidratação de adultos, recomenda-se administrar 80ml/kg/dia, sendo 1/3 nas primeiras 4 horas, utilizando solução salina. A reavaliação clínica e do hematócrito deve ser feita após 4 horas da etapa de hidratação. Se houver aumento do hematócrito ou surgimento de sinais de alarme, a conduta do grupo C deve ser seguida; caso contrário, a do grupo A.
Grupo C e D
Pacientes do grupo C e D devem ser obrigatoriamente internados; o primeiro por no mínimo 48h e o segundo na unidade de terapia intensiva. Ambos devem realizar obrigatoriamente hemograma completo, dosagem de proteína, albumina, tipagem sanguínea, exame sorológico/isolamento viral.
Outros podem ser realizados conforme necessidade (gasometria, eletrólitos, transaminases, radiografia de tórax e ultrassonografia). O manejo terapêutico dos grupos C e D deve ser conduzido conforme o fluxograma abaixo proposto pelo Ministério da Saúde.
Como prevenir a dengue?
O controle do mosquito ainda é a melhor opção. Estratégias eficazes envolvem ações integradas, como a eliminação de criadouros de mosquitos em ambientes urbanos, a aplicação de inseticidas quando necessário, a educação da comunidade sobre medidas preventivas e o monitoramento constante das áreas de risco. Adicionalmente, estão em desenvolvimento e algumas já foram aprovadas vacinas para o controle do vetor.
O Brasil destaca-se como o pioneiro mundial ao disponibilizar o imunizante no sistema público universal. Denominada Qdenga, a vacina será implementada inicialmente de forma focalizada, visto que o fabricante, laboratório Takeda, enfrenta limitações na capacidade de fornecimento de doses. Dessa forma, a vacinação será direcionada para públicos e regiões considerados prioritários.
Conclusão
A dengue representa um desafio significativo para a saúde pública, afetando milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente em regiões tropicais e subtropicais. Com suas diversas manifestações clínicas, desde casos leves até formas mais graves, a dengue demanda esforços contínuos no desenvolvimento de estratégias de prevenção, controle do vetor e tratamento eficaz.
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