Ginecologia e Obstetrícia
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Doença trofoblástica gestacional: o que é, causas e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
16/6/2023
 · 
Atualizado em
16/6/2023
Índice

A forma benigna da doença trofoblástica gestacional (DTG) acomete de 23 a 1.300/100.000 gravidezes, sendo as formas malignas da doença as mais raras. Além disso, é mais frequentemente reportada em países asiáticos e latino-americanos, com registros menos frequente em países desenvolvidos. 

No Brasil, estima-se que ocorra 1 caso de DTG para cada 200 a 400 gestações. Para mais, os dois principais fatores de risco associados são a idade superior a 35 anos e a história prévia da doença.

O que é a doença trofoblástica gestacional?

A doença trofoblástica gestacional é uma anomalia proliferativa do tecido trofoblástico placentário: o citotrofoblasto e o sinciciotrofoblasto. É caracterizada pela presença de um marcador sérico específico para a doença, o fragmento beta da gonadotrofina coriônica humana (β-hCG), que é majoritariamente produzido pelo sinciciotrofoblasto placentário.

Para mais, pode se apresentar em diversos estágios histológicos, são eles: a mola hidatiforme completa (MHC), mola hidatiforme parcial (MHP), mola hidatiforme invasora (MHI) e coriocarcinoma (CCA). E mais, em tumor trofoblástico do sítio placentário (TTSP) e tumor trofoblástico epitelioide (TTE).

FORMAS BENIGNAS DA DTG
Mola Hidatiforme Completa (MHC)
Mola Hidatiforme Parcial (MHP)
FORMAS MALIGNAS DA DTG (NEOPLASIAS TROFOBLÁSTICAS GESTACIONAIS)
Mola Hidatiforme Invasora (MHI)
Coriocarcinoma (CCA)
Tumor Trofoblástico do Sítio Placentário (TTSP)
Tumor Trofoblástico Epitelioide (TTE)
Formas benignas e malignas da DTG. Fonte: FEBRASGO, 2019

O que causa a doença trofoblástica gestacional?

Os diversos estágios histológicos da DTG possuem as suas causas específicas. A MHC decorre da fecundação de um óvulo vazio por dois espermatozóides ou por um espermatozóide que se duplica, resultando em um ovo com cariótipo 46XX ou 46XY. Já a MHP ocorre quando um óvulo haplóide é fecundado por dois espermatozóides, ou por um espermatozóide que se duplica, resultando em um ovo com cariótipo triploide (69XXX, 69XXY ou 69XYY).

Representação da formação da mola hidatiforme completa e parcial. Fonte: Fiocru; link da fonte: (https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-quando-suspeitar-de-mola-hidatiforme/
Representação da formação da mola hidatiforme completa e parcial. Fonte: Fiocruz

Entretanto, a MHP é a única forma associada com a presença de feto, bem como de batimentos cardíacos fetais. Além de ser menos propensa de progressão para uma neoplasia trofoblástica gestacional (NTG), que ocorre em 15% a 20% dos casos de mola hidatiforme completa e em 3% a 5% de mola hidatiforme parcial.

Macroscopia da MHP de 2º trimestre. Fonte: FEBRASGO, 2019
Macroscopia da MHP de 2º trimestre. Fonte: FEBRASGO, 2019

A NTG pode ocorrer após uma gravidez molar ou não molar. Exemplo disso é o coriocarcinoma, que surge em 50% dos casos após uma MHC; em 25% dos casos após uma gravidez normal; e, em 25% dos casos, após aborto espontâneo ou gravidez ectópica

Macroscopia da mola hidatiforme completa. Fonte: FEBRASGO, 2019
Macroscopia da mola hidatiforme completa. Fonte: FEBRASGO, 2019
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Quais os sintomas?

Devido a ampla disponibilidade da ultrassonografia (USG) e da dosagem sérica de β-hCG, os diagnósticos têm sido mais precoces e, muitas vezes, precedem o aparecimento de sintomas. Entretanto, quando presentes, o principal sintoma é o sangramento transvaginal de repetição no primeiro trimestre da gestação.

O sangramento ocorre devido a separação do tecido molar da decídua, e costuma ser indolor, estando presente em 75% a 95% das pacientes. Além disso, vem associado ao aumento do β-hCG no sangue materno. Para mais, a paciente pode apresentar útero aumentado para a idade gestacional (> 4 cm do tamanho esperado), sendo esse achado presente em 41% dos casos. Decorre da presença de tecido molar em crescimento, bem como da retenção de coágulos no útero.

Na imagem A, observa-se uma mulher com gravidez molar de 2º trimestre. Na imagem B, observa-se a redução do volume uterino após aspiração das vilosidades. Fonte: FEBRASGO, 2019
Na imagem A, observa-se uma mulher com gravidez molar de 2º trimestre. Na imagem B, observa-se a redução do volume uterino após aspiração das vilosidades. Fonte: FEBRASGO, 2019

Além disso, diversas manifestações clínicas decorrem do aumento exacerbado do β-hCG. Isso porque o hormônio hCG é composto por duas subunidades: β e α, sendo a subunidade α homóloga a subunidade dos hormônios LH, FSH e TSH. Dessa forma, o aumento do hCG pode provocar uma reação cruzada com esses hormônios.

Assim, a hiperêmese gravídica pode estar presente devido a essas alterações endócrinas. E mais, devido a hiperestimulação ovariana pelo FSH e LH, 20% das pacientes irão apresentar cistos tecaluteínicos, que são comumente bilaterais, e podem ser evidenciados no exame físico.

Além disso, há uma hiperestimulação tireoideana devido ao aumento dos níveis de TSH, que acometem 5% das pacientes com gravidez molar. Nessas, são comuns os sintomas característicos de hipertireoidismo, como taquicardia, hipertensão arterial e ansiedade. 

Por fim, sintomas de pré-eclâmpsia antes da 20ª semana acomete até 10% das pacientes, e a visualização da eliminação de vesículas hidrópicas pela vagina, que acometem até 25% dessas pacientes, é um achado patognomônico da doença trofoblástica gestacional.

Eliminação de vesículas hidrópicas com sangramento importante em gravidez molar de 2º trimestre. Fonte: FEBRASGO, 2019
Eliminação de vesículas hidrópicas com sangramento importante em gravidez molar de 2º trimestre. Fonte: FEBRASGO, 2019

Neoplasias trofoblásticas gestacionais

Nas neoplasias trofoblásticas gestacionais, o sangramento transvaginal é também o sintoma mais frequente

Coriocarcinoma

No coriocarcinoma, o quadro clínico típico é a hemorragia pós-parto tardia, que persiste após as habituais 6 a 8 semanas. É a forma mais agressiva de NTG, tem como principais características a invasão vascular precoce e metástases generalizadas.

Tumor trofoblástico do sítio placentário

O tumor trofoblástico do sítio placentário é raro, apresenta crescimento lento, e normalmente surge após meses ou anos de uma gestação a termo. É caracterizado pelo sangramento vaginal irregular, amenorréia e útero aumentado para a idade gestacional. Entretanto, quando comparado a outros estágios da doença trofoblástica gestacional, apresenta baixa concentração de β-hCG em relação ao volume tumoral

Tumor trofoblástico epiteloide

Já o tumor trofoblástico epiteloide cursa com sangramento transvaginal irregular, comumente após a gestação. Apresentam baixos níveis de β-hCG, e metástases pulmonares acometem até 25% das pacientes.

Assim, sintomas respiratórios, como tosse, dor torácica e hemoptise, bem como hemorragias cerebrais, gastrointestinais e urológicas são indicativos de doença metastática. Para mais, em casos de acometimento hepático, a paciente pode referir dor epigástrica ou em quadrante superior direito.

E mais, metástases vaginais estão presentes em 30% dos casos, podendo ser evidenciadas pelo exame especular. Essas lesões apresentam vascularização aumentada, e são propensas a sangramentos.

Metástase de neoplasias trofoblásticas gestacionais na vagina. Fonte: FEBRASGO, 2019
Metástase de neoplasias trofoblásticas gestacionais na vagina. Fonte: FEBRASGO, 2019

Como realizar o diagnóstico?

O diagnóstico, após a suspeita clínica, deve ser confirmado pela dosagem quantitativa do β-hCG, que deve estar aumentado para a idade gestacional, e pela USG e, principalmente, pelo estudo anatomopatológico do material

Mola hidatiforme completa

USG sugestiva de mola hidatiforme completa. Fonte: FEBRASGO, 2019

Na MHC, espera-se encontrar um endométrio espessado, preenchido por imagens hipo-aneóicas e irregulares, com localização central ou margeando o miométrio. Além disso, o embrião-feto deve estar ausente, e é comum a presença da policistose dos ovários, caracterizado pela presença de múltiplos cistos simples, de 4 a 8cm, anecoicos e bilaterais.

USG demonstrando presença de cistos tecaluteínicos. Fonte: FEBRASGO, 2019
USG demonstrando presença de cistos tecaluteínicos. Fonte: FEBRASGO, 2019

Mola hidatiforme parcial

Ultrassonografia compatível com mola hidatiforme parcial. Fonte: FEBRASGO, 2019
Ultrassonografia compatível com mola hidatiforme parcial. Fonte: FEBRASGO, 2019

Já na MHP, os achados na ultrassonografia incluem a presença de imagens císticas na placenta e no feto, e malformações, que sinalizam a triploidia. Nesses casos, as dimensões do útero estão de acordo com a idade gestacional.

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Tratamento para a doença trofoblástica gestacional

O tratamento da doença trofoblástica gestacional pode ser subdividido no tratamento para a mola hidatiforme (MH) e para as NTG.

Tratamento para mola hidatiforme

O tratamento da MH ocorre em duas fases: no esvaziamento uterino e no segmento pós-molar. Após a internação da paciente, deve-se realizar a investigação clínica e laboratorial, incluindo-se nesta última o hemograma completo, tipagem sanguínea e fator Rh. A detecção quantitativa do β-hCG, avaliação da função tireoidiana (TSH + T4 livre), e sorologias para HIV e sífilis também devem estar presentes. 

Aspiração uterina

Na imagem A, observa-se aspirador elétrico utilizado para o esvaziamento molar. Na imagem B, observa-se o aspirador manual. Fonte: FEBRASGO, 2019

A aspiração uterina é a técnica de escolha para esvaziamento da mola hidatiforme, devido ao menor risco de perfuração, infecções e a de permanência de restos molares na cavidade uterina. São necessárias duas bolsas de sangue antes de iniciar o tratamento, e pacientes com Rh negativo devem receber imunoglobulinas anti-Rh

Seguimento pós-molar

O seguimento rigoroso da paciente após realizar a aspiração deve ser realizado através da dosagem dos valores de β-hCG, com mensuração semanal ou quinzenal até a normalização dos valores por 3 dosagens consecutivas. Após isso, deve-se realizar uma dosagem mensal durante 6 meses para acompanhamento.

Para mais, deve-se iniciar a contracepção imediatamente após o esvaziamento uterino, que deve ser mantida durante todo o seguimento. Isso porque, em caso de nova gravidez, haverá aumento nos valores de β-hCG, dificultando a interpretação do exame. Sendo o método mais utilizado a anticoncepção oral.

Após a alta do seguimento, caso a paciente expresse desejo de engravidar, deve-se realizar as seguintes orientações: 

  • 1) Uso de ácido fólico pré-concepção, na dose de 400 mcg/dia; 
  • 2) USG obstétrica entre a 8ª e 10ª semana de gestação, a fim de descartar nova MH; e
  • 3) Exame de β-hCG quantitativo seis semanas após o término de qualquer tipo de gravidez, para identificar possível NTG.

Felizmente, na maioria das mulheres, ocorre diminuição progressiva dos valores de β-hCG, sem necessidade de tratamentos adicionais. Entretanto, entre 15% e 40% das mulheres desenvolvem a neoplasia trofoblástica gestacional pós-molar, sendo essa condição diagnosticada por valores estacionários de β-hCG (curva em platô), ou pela ascensão desses valores.

Assim, o platô é definido por pelo menos 4 medições consecutivas de β-hCG estacionárias. E mais, a ascensão dos valores desses hormônios é definida por pelo menos 2 medições que demonstram aumento de pelo menos 10%. Dessa forma, observe que o diagnóstico de NTG é químico hormonal, não sendo necessárias a avaliação histopatológica ou a identificação da lesão por exames de imagem.

Após diagnóstico são necessárias a realização de novos exames clínicos e ginecológicos, através da inspeção de órgãos genitais externos e do exame especular, bem como USG transvaginal com dopplerfluxometria e uma radiografia de tórax, uma vez que os pulmões são os órgãos mais comumente acometidos por metástase.

Raio-X de tórax evidenciando metástase com neoplasia trofoblástica gestacional no pulmão. Fonte: FEBRASGO, 2019
Raio-X de tórax evidenciando metástase com neoplasia trofoblástica gestacional no pulmão. Fonte: FEBRASGO, 2019

Tratamento da neoplasia trofoblástica gestacional

O tratamento dependerá do estadiamento da doença, que é dado em estágios de I a IV, mediante a distribuição anatômica do tumor. Ademais, a paciente deve ser classificada em baixo ou alto risco, através de um escore de risco da Organização Mundial de Saúde. 

ESTÁGIOS DA NEOPLASIA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL
Estádio I Doença restrita ao corpo uterino
Estádio II NTG em pelve, vagina, anexos, ligamento largo
Estádio III NTG com extensão para os pulmões, com ou sem envolvimento genital
Estádio IV Todos os locais de metástase
Fonte: FEBRASGO, 2019


Para cada fator de risco, soma-se 0, 1, 2 ou 4 pontos. O escore ≤ 6 classifica a paciente como baixo risco, e, por isso, deve ser tratada com apenas um agente quimioterápico, sendo o metotrexato o fármaco considerado de primeira linha. 

Já quando o escore é ≥ 7, ela é classificada como alto risco, e deve ser tratada com múltiplos agentes na quimioterapia. Nesses casos, o protocolo EMA/CO (etoposídeo, metotrexato e actinomicina D na fase 1, e ciclofosfamida e vincristina na fase 2). Devendo a quimioterapia ser mantida por pelo menos três ciclos após a negativação do β-hCG.

CLASSIFICAÇÃO DE RISCO DA NEOPLASIA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL
Escore de risco 0 1 2 4
Idade (anos) < 40 >40 - -
Gestação anterior Mola Aborto Termo -
Intervalo (meses) entre gestação antecedente e NTG < 4 4-6 7-12 >12
β-hCG (UI/L) pré-tratamento da NTG < 103 103-104 >104-105 >105
Maior tumor (cm), incluindo útero - 3-4 ≥ 5 -
Sítio de metástases
Número de metástases
-

-
Baço, rim

1-4
Gastrointestinal

5-8
Cérebro, fígado
>8
Falha da QT - - Agente único 2 ou mais agentes
Fonte: FIGO, 2002

Por fim, o estágio IV é considerado como alto risco, independentemente do valor do escore.

Conclusão

A doença trofoblástica gestacional é um dos 3 principais diagnósticos diferenciais que devem ser feitos em pacientes com sangramentos durante o primeiro trimestre, em conjunto com aborto e gravidez ectópica. Reconhecer a importância da dosagem quantitativa do β-hCG e do USG, bem como seu manejo terapêutico, é fundamental para o seguimento dessas pacientes.

Continue aprendendo:

FONTES:

  • Tratado de Ginecologia FEBRASGO / editores Cesar Eduardo Fernandes, Marcos Felipe Silva de Sá; coordenação Agnaldo Lopes da Silva Filho...[et al]. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2019
  • REZENDE, J. F; MONTENEGRO, C. A. B. Obstetrícia Fundamental. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan LTDA, 2017

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