A forma benigna da doença trofoblástica gestacional (DTG) acomete de 23 a 1.300/100.000 gravidezes, sendo as formas malignas da doença as mais raras. Além disso, é mais frequentemente reportada em países asiáticos e latino-americanos, com registros menos frequente em países desenvolvidos.
No Brasil, estima-se que ocorra 1 caso de DTG para cada 200 a 400 gestações. Para mais, os dois principais fatores de risco associados são a idade superior a 35 anos e a história prévia da doença.
O que é a doença trofoblástica gestacional?
A doença trofoblástica gestacional é uma anomalia proliferativa do tecido trofoblástico placentário: o citotrofoblasto e o sinciciotrofoblasto. É caracterizada pela presença de um marcador sérico específico para a doença, o fragmento beta da gonadotrofina coriônica humana (β-hCG), que é majoritariamente produzido pelo sinciciotrofoblasto placentário.
Para mais, pode se apresentar em diversos estágios histológicos, são eles: a mola hidatiforme completa (MHC), mola hidatiforme parcial (MHP), mola hidatiforme invasora (MHI) e coriocarcinoma (CCA). E mais, em tumor trofoblástico do sítio placentário (TTSP) e tumor trofoblástico epitelioide (TTE).
O que causa a doença trofoblástica gestacional?
Os diversos estágios histológicos da DTG possuem as suas causas específicas. A MHC decorre da fecundação de um óvulo vazio por dois espermatozóides ou por um espermatozóide que se duplica, resultando em um ovo com cariótipo 46XX ou 46XY. Já a MHP ocorre quando um óvulo haplóide é fecundado por dois espermatozóides, ou por um espermatozóide que se duplica, resultando em um ovo com cariótipo triploide (69XXX, 69XXY ou 69XYY).
Entretanto, a MHP é a única forma associada com a presença de feto, bem como de batimentos cardíacos fetais. Além de ser menos propensa de progressão para uma neoplasia trofoblástica gestacional (NTG), que ocorre em 15% a 20% dos casos de mola hidatiforme completa e em 3% a 5% de mola hidatiforme parcial.
A NTG pode ocorrer após uma gravidez molar ou não molar. Exemplo disso é o coriocarcinoma, que surge em 50% dos casos após uma MHC; em 25% dos casos após uma gravidez normal; e, em 25% dos casos, após aborto espontâneo ou gravidez ectópica.
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Quais os sintomas?
Devido a ampla disponibilidade da ultrassonografia (USG) e da dosagem sérica de β-hCG, os diagnósticos têm sido mais precoces e, muitas vezes, precedem o aparecimento de sintomas. Entretanto, quando presentes, o principal sintoma é o sangramento transvaginal de repetição no primeiro trimestre da gestação.
O sangramento ocorre devido a separação do tecido molar da decídua, e costuma ser indolor, estando presente em 75% a 95% das pacientes. Além disso, vem associado ao aumento do β-hCG no sangue materno. Para mais, a paciente pode apresentar útero aumentado para a idade gestacional (> 4 cm do tamanho esperado), sendo esse achado presente em 41% dos casos. Decorre da presença de tecido molar em crescimento, bem como da retenção de coágulos no útero.
Além disso, diversas manifestações clínicas decorrem do aumento exacerbado do β-hCG. Isso porque o hormônio hCG é composto por duas subunidades: β e α, sendo a subunidade α homóloga a subunidade dos hormônios LH, FSH e TSH. Dessa forma, o aumento do hCG pode provocar uma reação cruzada com esses hormônios.
Assim, a hiperêmese gravídica pode estar presente devido a essas alterações endócrinas. E mais, devido a hiperestimulação ovariana pelo FSH e LH, 20% das pacientes irão apresentar cistos tecaluteínicos, que são comumente bilaterais, e podem ser evidenciados no exame físico.
Além disso, há uma hiperestimulação tireoideana devido ao aumento dos níveis de TSH, que acometem 5% das pacientes com gravidez molar. Nessas, são comuns os sintomas característicos de hipertireoidismo, como taquicardia, hipertensão arterial e ansiedade.
Por fim, sintomas de pré-eclâmpsia antes da 20ª semana acomete até 10% das pacientes, e a visualização da eliminação de vesículas hidrópicas pela vagina, que acometem até 25% dessas pacientes, é um achado patognomônico da doença trofoblástica gestacional.
Neoplasias trofoblásticas gestacionais
Nas neoplasias trofoblásticas gestacionais, o sangramento transvaginal é também o sintoma mais frequente.
Coriocarcinoma
No coriocarcinoma, o quadro clínico típico é a hemorragia pós-parto tardia, que persiste após as habituais 6 a 8 semanas. É a forma mais agressiva de NTG, tem como principais características a invasão vascular precoce e metástases generalizadas.
Tumor trofoblástico do sítio placentário
O tumor trofoblástico do sítio placentário é raro, apresenta crescimento lento, e normalmente surge após meses ou anos de uma gestação a termo. É caracterizado pelo sangramento vaginal irregular, amenorréia e útero aumentado para a idade gestacional. Entretanto, quando comparado a outros estágios da doença trofoblástica gestacional, apresenta baixa concentração de β-hCG em relação ao volume tumoral.
Tumor trofoblástico epiteloide
Já o tumor trofoblástico epiteloide cursa com sangramento transvaginal irregular, comumente após a gestação. Apresentam baixos níveis de β-hCG, e metástases pulmonares acometem até 25% das pacientes.
Assim, sintomas respiratórios, como tosse, dor torácica e hemoptise, bem como hemorragias cerebrais, gastrointestinais e urológicas são indicativos de doença metastática. Para mais, em casos de acometimento hepático, a paciente pode referir dor epigástrica ou em quadrante superior direito.
E mais, metástases vaginais estão presentes em 30% dos casos, podendo ser evidenciadas pelo exame especular. Essas lesões apresentam vascularização aumentada, e são propensas a sangramentos.
Como realizar o diagnóstico?
O diagnóstico, após a suspeita clínica, deve ser confirmado pela dosagem quantitativa do β-hCG, que deve estar aumentado para a idade gestacional, e pela USG e, principalmente, pelo estudo anatomopatológico do material.
Mola hidatiforme completa
Na MHC, espera-se encontrar um endométrio espessado, preenchido por imagens hipo-aneóicas e irregulares, com localização central ou margeando o miométrio. Além disso, o embrião-feto deve estar ausente, e é comum a presença da policistose dos ovários, caracterizado pela presença de múltiplos cistos simples, de 4 a 8cm, anecoicos e bilaterais.
Mola hidatiforme parcial
Já na MHP, os achados na ultrassonografia incluem a presença de imagens císticas na placenta e no feto, e malformações, que sinalizam a triploidia. Nesses casos, as dimensões do útero estão de acordo com a idade gestacional.
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Tratamento para a doença trofoblástica gestacional
O tratamento da doença trofoblástica gestacional pode ser subdividido no tratamento para a mola hidatiforme (MH) e para as NTG.
Tratamento para mola hidatiforme
O tratamento da MH ocorre em duas fases: no esvaziamento uterino e no segmento pós-molar. Após a internação da paciente, deve-se realizar a investigação clínica e laboratorial, incluindo-se nesta última o hemograma completo, tipagem sanguínea e fator Rh. A detecção quantitativa do β-hCG, avaliação da função tireoidiana (TSH + T4 livre), e sorologias para HIV e sífilis também devem estar presentes.
Aspiração uterina
A aspiração uterina é a técnica de escolha para esvaziamento da mola hidatiforme, devido ao menor risco de perfuração, infecções e a de permanência de restos molares na cavidade uterina. São necessárias duas bolsas de sangue antes de iniciar o tratamento, e pacientes com Rh negativo devem receber imunoglobulinas anti-Rh.
Seguimento pós-molar
O seguimento rigoroso da paciente após realizar a aspiração deve ser realizado através da dosagem dos valores de β-hCG, com mensuração semanal ou quinzenal até a normalização dos valores por 3 dosagens consecutivas. Após isso, deve-se realizar uma dosagem mensal durante 6 meses para acompanhamento.
Para mais, deve-se iniciar a contracepção imediatamente após o esvaziamento uterino, que deve ser mantida durante todo o seguimento. Isso porque, em caso de nova gravidez, haverá aumento nos valores de β-hCG, dificultando a interpretação do exame. Sendo o método mais utilizado a anticoncepção oral.
Após a alta do seguimento, caso a paciente expresse desejo de engravidar, deve-se realizar as seguintes orientações:
- 1) Uso de ácido fólico pré-concepção, na dose de 400 mcg/dia;
- 2) USG obstétrica entre a 8ª e 10ª semana de gestação, a fim de descartar nova MH; e
- 3) Exame de β-hCG quantitativo seis semanas após o término de qualquer tipo de gravidez, para identificar possível NTG.
Felizmente, na maioria das mulheres, ocorre diminuição progressiva dos valores de β-hCG, sem necessidade de tratamentos adicionais. Entretanto, entre 15% e 40% das mulheres desenvolvem a neoplasia trofoblástica gestacional pós-molar, sendo essa condição diagnosticada por valores estacionários de β-hCG (curva em platô), ou pela ascensão desses valores.
Assim, o platô é definido por pelo menos 4 medições consecutivas de β-hCG estacionárias. E mais, a ascensão dos valores desses hormônios é definida por pelo menos 2 medições que demonstram aumento de pelo menos 10%. Dessa forma, observe que o diagnóstico de NTG é químico hormonal, não sendo necessárias a avaliação histopatológica ou a identificação da lesão por exames de imagem.
Após diagnóstico são necessárias a realização de novos exames clínicos e ginecológicos, através da inspeção de órgãos genitais externos e do exame especular, bem como USG transvaginal com dopplerfluxometria e uma radiografia de tórax, uma vez que os pulmões são os órgãos mais comumente acometidos por metástase.
Tratamento da neoplasia trofoblástica gestacional
O tratamento dependerá do estadiamento da doença, que é dado em estágios de I a IV, mediante a distribuição anatômica do tumor. Ademais, a paciente deve ser classificada em baixo ou alto risco, através de um escore de risco da Organização Mundial de Saúde.
Para cada fator de risco, soma-se 0, 1, 2 ou 4 pontos. O escore ≤ 6 classifica a paciente como baixo risco, e, por isso, deve ser tratada com apenas um agente quimioterápico, sendo o metotrexato o fármaco considerado de primeira linha.
Já quando o escore é ≥ 7, ela é classificada como alto risco, e deve ser tratada com múltiplos agentes na quimioterapia. Nesses casos, o protocolo EMA/CO (etoposídeo, metotrexato e actinomicina D na fase 1, e ciclofosfamida e vincristina na fase 2). Devendo a quimioterapia ser mantida por pelo menos três ciclos após a negativação do β-hCG.
Por fim, o estágio IV é considerado como alto risco, independentemente do valor do escore.
Conclusão
A doença trofoblástica gestacional é um dos 3 principais diagnósticos diferenciais que devem ser feitos em pacientes com sangramentos durante o primeiro trimestre, em conjunto com aborto e gravidez ectópica. Reconhecer a importância da dosagem quantitativa do β-hCG e do USG, bem como seu manejo terapêutico, é fundamental para o seguimento dessas pacientes.
Continue aprendendo:
- Sangramento na primeira metade da gestação: causas, diagnóstico e tratamento
- Estudo sobre a relação dos contraceptivos hormonais e a incidência de gravidez ectópica
- Ácido Acetilsalicílico (AAS) em doses baixas pode prevenir partos prematuros recorrentes?
FONTES:
- Tratado de Ginecologia FEBRASGO / editores Cesar Eduardo Fernandes, Marcos Felipe Silva de Sá; coordenação Agnaldo Lopes da Silva Filho...[et al]. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2019
- REZENDE, J. F; MONTENEGRO, C. A. B. Obstetrícia Fundamental. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan LTDA, 2017
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