A hipertensão pulmonar (HP) é uma condição que afeta 15 em cada 1 milhão de indivíduos, sendo mais comum em mulheres, especialmente na faixa etária entre 20 e 40 anos. Além disso, cerca de 10% dos casos são atribuídos a fatores hereditários. A incidência da doença é cerca de 2,4 / milhão de habitantes.
Levando em consideração a população brasileira, estima-se que haja cerca de 3500 pacientes com o problema, e devido às nossas peculiaridades, como a esquistossomose, esse número pode ser ainda maior. Assim, embora a prevalência seja baixa, a hipertensão pulmonar é frequente em várias outras condições, enfatizando a importância de um diagnóstico preciso.
O que é a hipertensão pulmonar?
A hipertensão pulmonar abrange um conjunto de condições que afetam a circulação nos vasos sanguíneos dos pulmões, caracterizada pelo aumento das pressões arteriais pulmonares (pressão arterial pulmonar média (PAPm) > 22 mmHg ou PAP sistólica estimada > 36 mmHg).
Sem tratamento, a condição apresenta uma elevada taxa de mortalidade, sendo a insuficiência cardíaca direita descompensada a causa mais frequente de óbito. Avanços substanciais têm sido feitos no entendimento da patogênese, diagnóstico e classificação. Apesar desses avanços, ainda persiste um atraso significativo no diagnóstico, podendo chegar a até 2 anos.
Fisiopatologia
A vasoconstrição, a proliferação vascular, a trombose e a inflamação são consideradas os principais elementos que contribuem para o desenvolvimento da HAP. Na vasculatura pulmonar, é comum encontrar proliferação e fibrose na camada íntima, hipertrofia na camada média e trombose in situ.
No estágio inicial da doença, o remodelamento vascular geralmente está concentrado nos pequenos ramos distais da artéria pulmonar. Conforme a doença progride, a proliferação da camada íntima e o remodelamento patológico avançam, levando a uma diminuição na complacência vascular pulmonar.
Isso resulta em um aumento gradual na resistência vascular pulmonar total e, consequentemente, na carga sobre o ventrículo direito. Em casos de hipertensão pulmonar moderada a grave, o aumento na resistência vascular pulmonar leva a um aumento correspondente na PAPm até que o débito cardíaco seja afetado e comece a diminuir.
Com a diminuição do débito cardíaco, a pressão arterial pulmonar também diminui. Como resposta compensatória, ocorre taquicardia, o que reduz o período de enchimento ventricular e, consequentemente, a pré-carga. Isso resulta em uma diminuição na fração do volume sistólico disponível para distender a vasculatura pulmonar.
Foram identificadas anomalias em múltiplas vias moleculares e genes que regulam as células endoteliais e musculares lisas da vasculatura pulmonar. Essas anomalias incluem redução da expressão do canal de potássio regulado por voltagem, mutações no receptor 2 da proteína morfogenética do osso e aumento da expressão do fator tecidual, entre outras.
Isso leva à redução na apoptose das células musculares lisas e ao surgimento de células endoteliais resistentes à apoptose, resultando em acúmulo e obstrução vascular. Além disso, a deposição de trombina na rede vascular pulmonar, proveniente de um estado pró-trombótico ou disfunção endotelial, pode contribuir para a arteriopatia obstrutiva.
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Tipos de hipertensão pulmonar
A HP é uma mistura de diversas patologias no qual o único identificador é a elevação da pressão arterial pulmonar média em relação à pressão atrial esquerda. O atual sistema de classificação, revisado em 2013, reconhece cinco categorias de hipertensão pulmonar:
- Hipertensão arterial pulmonar (HAP);
- HP causada por doença cardíaca esquerda;
- HP causada por doença pulmonar crônica;
- HP associada a tromboembolismo crônico;
- Grupo de doenças variadas que raramente causam HP.
Hipertensão pulmonar pré-capilar
A definição de HP pré-capilar requer os seguintes parâmetros:
- Aumento da PAPm > 25 mmHg;
- Pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP), pressão atrial esquerda, ou pressão diastólica final do ventrículo esquerdo (PDFVE) ≤ 15 mmHg;
- RVP > 3 unidades Wood.
Hipertensão pulmonar pós-capilar
A HP pós-capilar pode ser subdividida em duas categorias distintas: passiva e reativa. Na forma passiva, o gradiente transpulmonar (diferença entre a pressão arterial pulmonar média e a pressão de oclusão da artéria pulmonar) é inferior a 12 mmHg.
Por outro lado, na forma reativa, o gradiente transpulmonar é maior que 12 mmHg, acompanhado de um aumento na resistência vascular pulmonar (RVP). Em ambas as situações, o débito cardíaco (DC) pode estar dentro da faixa normal ou diminuído.
Hipertensão arterial pulmonar
A HAP é uma condição relativamente rara que abrange um conjunto de doenças que resultam no remodelamento das artérias pulmonares pré-capilares, caracterizado pela fibrose da camada íntima, aumento da espessura da camada média, obstrução das arteríolas pulmonares e lesões plexiformes típicas.
Ela é diagnosticada quando há uma elevação sustentada na PAPm em repouso igual ou superior a 25 mmHg, uma RVP > 240 dina-s/cm5 e uma POAP ou PDFVE ≤ 15 mmHg, conforme determinado por cateterismo cardíaco direito.
No grupo II estão os pacientes com insuficiência cardíaca esquerda, doença valvar aórtica e mitral e insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP). A principal característica desse grupo é o aumento da pressão atrial esquerda resultando em hipertensão venosa pulmonar. Geralmente, tanto o gradiente transpulmonar quanto a resistência vascular pulmonar (RVP) permanecem dentro dos limites normais.
Doença pulmonar intrínseca é a segunda causa mais comum de hipertensão pulmonar, sendo, em geral, uma doença modesta. No entanto, alguns desses pacientes parecem desenvolver o problema de forma "desproporcional" à doença do parênquima pulmonar, o que sugere a presença de doença arterial pulmonar intrínseca.
A incidência de hipertensão pulmonar após obstrução tromboembólica crônica das artérias pulmonares é considerada baixa, mas pode aumentar com episódios recorrentes de embolia.
A obstrução da vasculatura pulmonar proximal é crucial e muitas vezes é o principal fator para desenvolvimento do quadro. Cerca de 10% a 15% dos pacientes desenvolvem uma condição semelhante à hipertensão arterial pulmonar após a ressecção do trombo proximal. Outras doenças que afetam a vasculatura pulmonar são: sarcoidose, anemia falciforme e esquistossomose.
Sinais e sintomas de hipertensão pulmonar
Os sintomas de hipertensão pulmonar são inespecíficos, insidiosos e comuns a diversos outros quadros, como asma e outras doenças pulmonares e cardíacas. A maioria dos pacientes relata dispneia e/ou fadiga como sintomas principais, enquanto edema, dor torácica, pré-síncope e síncope são menos frequentes e geralmente estão associados a estágios mais avançados da doença.
Conforme a condição avança, podem surgir sinais de insuficiência ventricular direita, como aumento da pressão venosa jugular, edema nos membros inferiores e ascite. Também é possível haver sinais de insuficiência ventricular direita com aumento da pressão venosa jugular e edema de membros inferiores.
Além disso, o exame cardiovascular pode revelar acentuação do componente pulmonar da segunda, terceira ou quarta bulha cardíaca de cavidades direitas e sopro holossistólico de insuficiência tricúspide.
Como realizar o diagnóstico?
O ecocardiograma com estudo de bolhas é o teste de rastreamento inicial mais importante. A ecocardiografia também é importante para a determinação de causas específicas. Todos os tipos de hipertensão pulmonar podem demonstrar um ventrículo direito dilatado e hipertrofiado com PAP sistólica estimada elevada.
A ecocardiografia é geralmente um excelente exame de triagem para afastar a necessidade de investigações complementares. No entanto, em caso de o ecocardiograma apresentar-se normal, mas ainda existir a dúvida quanto à possibilidade de HP (dispneia ou hipoxemia sem explicação), pode-se realizar o teste de esforço cardiopulmonar para diferenciação entre causas cardíacas e pulmonares.
Se o teste de esforço se apresentar alterado, pode-se proceder com o cateterismo de câmaras direitas para um diagnóstico definitivo. O monitoramento hemodinâmico invasivo com teste de vasorreatividade vascular pulmonar é o padrão-ouro para o diagnóstico, a avaliação da gravidade da doença e seleção da terapia clínica apropriada.
Vasodilatadores de ação curta, como o óxido nítrico inalado ou o epoprostenol inalado, são preferidos para testes de vasodilatação. A resposta ao vasodilatador é considerada positiva quando há uma redução na PAPm de pelo menos 10 mmHg para um nível absoluto igual ou inferior a 40 mmHg, sem redução no débito cardíaco (DC).
Causas de hipertensão pulmonar
Após o diagnóstico de hipertensão pulmonar, a etiologia subjacente deve ser investigada com exames de imagem do tórax e testes de função pulmonar. O raio-X e a tomografia computadorizada (TC) podem evidenciar o aumento das artérias pulmonares centrais, a “amputação vascular” e aumento de átrio e ventrículo direitos.
Contudo, a TC também pode apresentar evidências de congestão venosa, como infiltrado centrolobular em vidro fosco e espessamento das linhas septais. Se não houver doença cardíaca esquerda, esses achados podem indicar doença venosa pulmonar, uma causa incomum de hipertensão arterial pulmonar (HAP). Ademais, a TC é crucial para diferenciar doença intersticial pulmonar coexistente ou enfisema.
A angiotomografia computadorizada é comumente usada para investigar doença tromboembólica aguda. Ainda, a cintilografia pulmonar de ventilação-perfusão (V̇/Q̇) pode ser utilizada para triagem na qualificação de pacientes com indicação de intervenção cirúrgica. Um exame de V̇/Q não demonstrando efeitos perfusionais praticamente elimina a possibilidade de hipertensão pulmonar tromboembólica crônica.
Os distúrbios respiratórios do sono são outra causa importante, mas a indicação de polissonografia depende da história clínica do paciente. A dessaturação noturna é um achado comum na HP, mesmo quando não há distúrbio respiratório do sono.
Entre os testes laboratoriais considerados importantes estão: anti-HIV, fatores antinucleares, fator reumatoide, anticorpos anti-scl-70, testes de função hepática e sorologia para hepatite para rastreamento das doenças mais associadas à HP.
O BNP e a fração N-terminal do precursor do peptídeo natriurético cerebral (NT-pro-BNP) também são úteis, pois mantêm correlação com a disfunção ventricular direita, a gravidade hemodinâmica e o estado funcional em pacientes com HAP.
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Tratamento da hipertensão pulmonar
Sem tratamento, a hipertensão arterial pulmonar é invariavelmente fatal. Embora não haja cura, as terapias farmacológicas atuais têm reduzido a morbidade e, em alguns casos, a mortalidade.
A disfunção endotelial e a ativação plaquetária causam um desequilíbrio nos metabólitos do ácido araquidônico, com redução nos níveis da prostaciclina e aumento na produção do tromboxano A. Todas as medicações irão atuar na redução da pressão pulmonar e melhora da capacidade funcional do paciente. Veja a seguir as terapias aprovadas pela Food and Drug Administration para o tratamento da hipertensão arterial pulmonar:
Conclusão
A hipertensão pulmonar é uma condição complexa e desafiadora, sobretudo na realidade brasileira, pois, apesar de sua baixa prevalência, possui um impacto significativo na qualidade de vida e na sobrevida dos pacientes, devendo, assim, fazer parte dos diagnósticos diferenciais na prática clínica.
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FONTES:
- Medicina interna de Harrison | Porto Alegre; AMGH; 19 ed; 2017.
- Saldanha Menna Barreto S. Pneumologia: No Consultório. 1 ed. Artmed; 2008.
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