Endocrinologia
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Hipertrigliceridemia: fisiopatologia, sintomas e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
18/12/2023
 · 
Atualizado em
18/12/2023
Índice

A dislipidemia é um distúrbio metabólico caracterizado por alterações nos níveis lipídicos, pressóricos, glicêmicos e aumento da circunferência abdominal, assumindo cada vez mais uma relevância epidemiológica substancial. 

Ainda, a dislipidemia destaca-se como um dos principais fatores de risco modificáveis para doenças cardiovasculares (DCVs). Dentro desse contexto, a hipertrigliceridemia emerge como um componente proeminente da síndrome metabólica, sendo associada a fatores genéticos e comportamentais como dieta inadequada e estilo de vida sedentário.

O que é a hipertrigliceridemia?

A hipertrigliceridemia é caracterizada pelo aumento dos níveis séricos de triglicerídeos, e seus níveis ultrapassam valores acima de 150 mg/dl. Este distúrbio pode resultar de fatores genéticos, consumo excessivo de álcool, obesidade e comorbidades como o diabetes mellitus

O problema é considerado um fator de risco independente para DCVs aumentando a probabilidade de desenvolvimento de aterosclerose e, consequentemente, eventos cardiovasculares como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. 

Mecanismo fisiológico dos triglicerídeos

O triglicerídeo, também conhecido como triacilglicerol (TAG), é formado por uma molécula de glicerol conjunta a três de ácidos graxos. Sua síntese endógena é realizada no fígado e no tecido adiposo e sua forma exógena é proveniente da alimentação

Essa compreensão é fundamental para o entendimento da fisiopatologia da hipertrigliceridemia. Inicialmente, a lipoproteína lipase (LPL), proveniente do metabolismo dos quilomícrons, produz moléculas de glicerol. 

No fígado, a enzima glicerol-quinase, exclusiva desse órgão, adicionará uma molécula de ATP ao glicerol, formando o glicerol-3-fosfato, precursor do triglicerídeo. Outra via para a formação do glicerol-3-P pode ocorrer tanto no fígado quanto no tecido adiposo. As moléculas de glicose podem passar pela glicólise até formar a diidroxicetona-P, que será convertida em glicerol-3-P pela ação da glicerol-3-fosfato desidrogenase

Quando o TAG é absorvido pelos enterócitos, ele é armazenado em partículas chamadas de quilomícrons nascentes. O quilomicron nascente transporta o TAG proveniente da dieta diretamente para linfa. A partir da circulação linfática, o quilomícron atingirá a circulação sanguínea através do ducto torácico e receberá as apolipoproteínas ApoE e ApoC2, que estavam armazenadas no HDL, tornando-se um quilomícron maduro

Imagem ilustrativa do ciclo endógeno e exógeno dos lipídios
Ciclo endógeno e exógeno dos lipídios. Fonte: Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção de Aterosclerose, 2017

A lipoproteína lipase (LPL), produzida no adipócito e nos músculos, reconhecerá a ApoC2 e quebrará a TAG em glicerol e ácidos graxos. O tecido adiposo então poderá absorver o ácido graxo para armazenamento e o tecido muscular absorvê-lo para produção energética. O quilomícron maduro, após reduzir sua quantidade de  triacilglicerol, passará a se chamar de quilomícron remanescente e devolverá a ApoC2 para o HDL.

A ApoE permanece no quilomícron remanescente, pois ela será a sua credencial de entrada do fígado no receptor de ApoE. O quilomícron remanescente então é quebrado em glicerol, ácidos graxos e colesterol, sendo tudo isso sintetizado em uma única molécula, o VLDL, responsável por transportar o TAG hepático. Após receber as apolipoproteínas do HDL, o VLDL será consumido na circulação até se tornar o IDL.

O IDL, possui quantidade intermediária de TAG, devolverá a ApoC2, assim como o quilomícrons remanescente, e poderá ser reabsorvido hepaticamente pelos receptores de ApoE ou trocar seu TAG remanescente por colesterol e ésteres do HDL, tornando-se então o LDL

Esquema mostrando a via de formação do triacilglicerol (TAG) a partir do glicerol-3-fosfato
Via de formação do triacilglicerol (TAG) a partir do glicerol-3-fosfato. Fonte: UNESP

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Fisiopatologia da hipertrigliceridemia

A hipertrigliceridemia surge a partir do desequilíbrio entre a produção e catabolismo dos triglicerídeos. Pacientes com resistência insulínica (obesidade, diabetes...) possuem dificuldade na realização da lipogênese, tendo um aumento da lipólise e liberação de ácidos graxos livres, os quais serão captados pelo fígado e serão matéria-prima para produção de mais triglicerídeos.

Distúrbios genéticos como defeito na ação da LPL, resultando em comprometimento da hidrólise periférica, e redução da recaptação do VLDL e quilomícros remanescentes também fazem parte da fisiopatologia. De forma geral, a doença é classificada de duas formas: primária (causas genéticas) ou secundária (doenças, medicamentos e hábitos de vida). 

Causas primárias

Hiperlipidemia familiar combinada 

A hiperlipidemia familiar combinada (HFC) afeta entre 1% e 2% da população e acomete 10% de pacientes com doença cardiovascular, podendo apresentar-se com hipercolesterolemia isolada, hipertrigliceridemia isolada ou a combinação de ambas.

Hipertrigliceridemia familiar

A hipertrigliceridemia familiar é uma doença autossômica dominante que acomete 1% da população, sendo caracterizada pelo aumento da produção de triglicerídeos no fígado, aumentando o risco de pancreatite. Geralmente não se relaciona ao aumento de risco cardiovascular precoce e não possui redução da ApoB. Ademais, os níveis de triglicerídeos (TG) entre familiares varia entre 250-1000 mg/dl.

Disbetalipoproteinemia

A disbetalipoproteinemia é caracterizada por uma mutação no gene da ApoE, provocando uma dificuldade hepática na recaptação das lipoproteínas. Além disso, há uma redução na conversão do VLDL em IDL e LDL. As manifestações clínicas geralmente surgem apenas quando a doença é associada a outras condições. O xantoma palmar, depósito de cor laranja nos vincos das palmas, é patognomônico da condição.

Imagem exemplificando o xantoma palmar
Xantoma palmar. Fonte: BMJ Jourrnals

Causas secundárias

A ingestão excessiva de álcool aumenta a produção e reduz a oxidação hepática de ácidos graxos, além de estimular a secreção de VLDL. Medicamentos como tiazídicos, diuréticos de alça, betabloqueadores, estrogênios orais, resinas sequestrantes dos ácidos biliares, antirretrovirais, imunossupressores e antipsicóticos também podem aumentar os índices de triglicerídeos. Outras causas são:

  • Diabetes
  • Hipotireoidismo
  • Síndrome de Cushing
  • Síndrome nefrótica (Aumento do VLDL como compensação a perda proteica)
  • Insuficiência renal (Diminuição do clearence de lipoproteínas ricas em TG)
  • Gravidez (Aumento da secreção de lipoproteínas ricas em TG, induzida pelo estrogênio)
  • Lúpus Eritematoso Sistêmico
  • Acromegalia (O GH é um hormônio contra insulínico)

Sintomas da hipertrigliceridemia

Indivíduos com hipertrigliceridemia significativa podem experimentar episódios de pancreatite aguda, que se manifestam como dor abdominal intensa, náuseas e vômitos. A dor abdominal severa é o sintoma predominante, frequentemente iniciando no epigástrio e irradiando para as costas, sendo geralmente contínua e agravada pela alimentação, especialmente com alimentos ricos em gordura.

A distensão abdominal, mal-estar e febre também podem estar presentes. Em casos mais graves, a pancreatite aguda pode levar a complicações sérias, como insuficiência orgânica e choque. Além disso, a presença de xantomas, depósitos de gordura visíveis sob a pele, especialmente ao redor dos cotovelos, joelhos e tendões, podem ser observados em casos avançados.

Embora os sintomas de hipertrigliceridemia específicos não sejam proeminentes, é importante reconhecer a condição por meio de exames laboratoriais regulares, principalmente em indivíduos com histórico familiar ou outros fatores de risco. 

Como realizar o diagnóstico?

Fisiologicamente, o valor de triglicerídeos pode variar até 150 mg/dl. Acima disso, diagnosticamos o paciente com hipertrigliceridemia! O paciente pode ser classificado com hipertrigliceridemia limítrofe (150 a 199 mg/dl), leve a moderada (200 a 499 mg/dl), grave (500 a 999 mg/dl) ou muito grave (≥ 1000 mg/dl).

Na hiperlipidemia familiar combinada, o diagnóstico é feito a partir da mensuração da ApoB, a qual estará reduzida, ocasionando uma relação LDL/ApoB <1,2. A HFC possui ainda uma grande associação com as DCVs.

Tratamento para hipertrigliceridemia

O primeiro passo é a orientação dietética, perda de peso e atividade física, visto que os triglicerídeos sofrem grande influência dessas medidas não farmacológicas. Pacientes com hipertrigliceridemia moderada devem ter como foco no tratamento o colesterol não HDL, visto que doenças ateroscleróticas serão as principais complicações possíveis. 

Conjuntamente, deve-se iniciar terapia medicamentosa conforme a tabela abaixo:

Recomendação Classe de Recomendação Nível de evidência
O tratamento com estatinas é recomendado como o primeiro medicamento de escolha para reduzir o risco de DCV em indivíduos de alto risco com hipertrigliceridemia [níveis de TG >200 mg/dL] I B
Em pacientes de alto risco (ou acima) com níveis de TG entre 135 e 499 mg/dL, apesar do tratamento com estatinas, PUFAs n-3 (icosapent ethyl 2g duas vezes/dia) devem ser considerados em combinação com uma estatina IIa B
Em pacientes de prevenção primária que atingem a meta de LDL-C com níveis de TG >200 mg/dL, fenofibrato ou bezafibrato podem ser considerados em combinação com estatinas. IIb B
Em pacientes de alto risco que estão na meta de LDL-C com níveis de TG >2,3 mmol/L (>200 mg/dL), fenofibrato ou bezafibrato podem ser considerados em combinação com estatinas. IIb C
Novas recomendações para o manejo da hipertrigliceridemia. Fonte: ESC e EAS

Os pacientes com níveis de triglicerídeos acima de 1.000 mg/dl devem iniciar o tratamento da hipertrigliceridemia com fibratos, visto que é a classe mais direcionada para redução dos índices séricos de TAG, devido ao alto risco de pancreatite aguda nessa população.

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Conclusão

A hipertrigliceridemia representa uma condição metabólica de relevância clínica, com implicações significativas para a saúde cardiovascular. Seu impacto, muitas vezes assintomático, ressalta a importância da vigilância regular dos níveis de triglicerídeos, especialmente em indivíduos com fatores de risco adicionais. 

Por isso, o seu reconhecimento precoce, aliado a intervenções adequadas, é fundamental para mitigar os riscos associados, contribuindo assim para a promoção da saúde cardiovascular e a prevenção de complicações graves.

Continue aprendendo:

FONTES:

  • ESC Scientific Document Group , 2019 ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias: lipid modification to reduce cardiovascular risk: The Task Force for the management of dyslipidaemias of the European Society of Cardiology (ESC) and European Atherosclerosis Society (EAS), European Heart Journal, Volume 41, Issue 1, 1 January 2020, Pages 111–188
  • Abordagem das hipertrigliceridemia graves, Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo 
  • Faludi AA, Izar MCO, Saraiva JFK et al. Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, 2017. Arq Bras Cardiol. 2017

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