O cálcio é o mineral mais abundante do corpo humano, sendo essencial para diversos processos metabólicos. O principal local de armazenamento corpóreo da substância é o esqueleto, que armazena cerca de 99% do mineral. Durante a infância o seu principal papel é atuar no crescimento.
Em contrapartida, na fase adulta, a ingestão diária é fundamental para compensar as perdas diárias, uma vez que, quando a excreção excede a absorção, o indivíduo desenvolve hipocalcemia, podendo ocasionar desmineralização esquelética e comprometimento das funções fisiológicas.
O que é hipocalcemia?
A hipocalcemia é um estado em que o indivíduo possui níveis orgânicos de cálcio abaixo do necessário para manter a homeostase corporal. Os principais fatores que influenciam a concentração sérica de cálcio são:
- Hormônio da paratireóide (PTH)
- Vitamina D
Esses hormônios regulam o cálcio sérico por meio de efeitos nos ossos, rins e o trato gastrointestinal. O próprio cálcio atua regulando seus próprios níveis sanguíneos, agindo através de um receptor sensível ao cálcio (CaSR) na glândula paratireóide para inibir a secreção de PTH e em um CaSR na alça de Henle para estimular a excreção renal de cálcio.
O PTH é secretado quase instantaneamente em resposta a reduções muito pequenas no cálcio ionizado sérico, que são detectadas pelo CaSR. O aumento na liberação de PTH eleva a concentração sérica de cálcio até o normal através de três ações:
- Diminuição da excreção urinária de cálcio devido à estimulação da reabsorção de cálcio no túbulo distal
- Aumento da absorção intestinal de cálcio mediado pelo aumento da produção renal de 1,25-dihidroxivitamina D (calcitriol), a forma mais ativa de vitamina D
- Aumento da reabsorção óssea
As concentrações séricas de cálcio são normalmente mantidas em uma faixa muito estreita. O cálcio no sangue é transportado em parte ligado às proteínas plasmáticas (aproximadamente 45%), principalmente à albumina; em parte ligado a pequenos ânions, como fosfato e citrato (aproximadamente 15%); e em parte no estado livre ou ionizado (aproximadamente 40%).
Embora apenas o cálcio ionizado seja metabolicamente ativo (ou seja, sujeito a transporte para o interior das células), a maioria dos laboratórios relata concentrações séricas totais de cálcio.
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Fisiopatologia e causas da hipocalcemia
A partir de seu entendimento fisiológico, é possível compreender as causas etiológicas que predispõem ao quadro. A hipoalbuminemia pode causar a hipocalcemia, devido a sua dependência como transportador, no entanto, sua interpretação isolada pode ser errônea, pois as concentrações totais podem estar alteradas e a concentração do cálcio ionizado estar normal. Esse fenômeno é chamado de pseudo-hipocalcemia.
Assim, em pacientes com hipoalbuminemia, a concentração sérica de cálcio medida deve ser corrigida para a anormalidade da albumina. Ainda, mesmo havendo a presença de albumina sérica normal, alterações no pH sanguíneo podem alterar sua constante de equilíbrio. Dessa forma, quando existem distúrbios ácido-base presentes, é mais prudente medir diretamente o nível de cálcio ionizado para o diagnóstico.
O problema pode ocorrer quando a secreção de PTH é insuficiente para atuar nos rins, ossos e intestinos para normalizar o cálcio sérico (hipoparatireoidismo). Quando as glândulas paratireoides e o PTH estão funcionando normalmente, outras causas de hipocalcemia, como a deficiência de vitamina D, são caracterizadas por PTH elevado (hiperparatireoidismo secundário).
A hipocalcemia com baixo hormônio da paratireóide (PTH) ocorre quando há diminuição da secreção de PTH devido à destruição das glândulas paratireoides (autoimune, pós-cirúrgica), desenvolvimento anormal das glândulas paratireóides ou regulação alterada da produção e secreção de PTH. A causa mais comum de hipoparatireoidismo é cirúrgica.
Quando o problema ocorre associado ao hiperparatireoidismo, o PTH aumenta por feedback negativo na tentativa de mobilizar o cálcio dos rins e dos ossos e aumentar a produção de 1,25-dihidroxivitamina D. A hipocalcemia crônica ocorre quando essas ações são inadequadas para restaurar o cálcio sérico ao normal, como:
- Deficiência ou resistência à vitamina D
- Doença renal crônica
- Resistência ao PTH
- Deposição extravascular
- Hiperfosfatemia
- Metástases osteoblásticas
- Pancreatite aguda
- Sepse ou doença grave
- Cirurgia
A hipomagnesemia também é uma causa frequente, tanto por induzir resistência ao hormônio da paratireóide (PTH) quanto por reduzir sua secreção. Além disso, algumas drogas também estão associadas ao problema tais como: quelantes de cálcio, bifosfonatos, denosumabe, cinacalcet, quimioterapia, foscarnet e intoxicação por flúor.
Sinais e sintomas de hipocalcemia
As manifestações clínicas variam dependendo do grau da hipocalcemia, podendo ser desde assintomática até convulsões, insuficiência cardíaca refratária ou laringoespasmo. Além da gravidade, a cronicidade determina as manifestações clínicas.
Entre os sintomas de hipocalcemia, podemos encontrar a tetania, papiledema e convulsões em pacientes que desenvolvem a forma aguda. Em comparação, alterações ectodérmicas e dentárias, cataratas, calcificação dos gânglios da base e distúrbios extrapiramidais são características da forma crônica. Esses últimos achados são mais comuns em pacientes com hipoparatireoidismo.
A tetania é uma apresentação comum da forma aguda, caracterizada por irritabilidade neuromuscular. Os sintomas da tetania podem ser leves (dormência perioral, parestesias das mãos e pés e cãibras musculares) ou graves (espasmo carpopedal, laringoespasmo e convulsões focais ou generalizadas).
Outros pacientes apresentam sintomas menos específicos, como fadiga, hiperirritabilidade, ansiedade e depressão, e alguns deles, mesmo com hipocalcemia grave, não apresentam sintomas neuromusculares.
Os achados físicos clássicos são os sinais de Trousseau e Chvostek.
Sinal de Chvostek
O sinal de Chvostek é a contração dos músculos do mesmo lado do corpo provocada pela palpação ou batida no nervo facial anterior à orelha. Antecipa-se a contração dos lábios e, em situações mais severas, pode ocorrer espasmo em todos os músculos faciais.
Sinal de Trousseau
O Sinal de Trousseau caracteriza-se pelo espasmo do músculo carpal. Para induzir o sinal, o manguito do esfigmomanômetro é insuflado a 20 mmHg acima da pressão sistólica do paciente por 3 minutos. Se houver hipocalcemia, ocorrerá o espasmo devido à oclusão da artéria braquial.
Sinais de Trousseau (Esquerda) e Chvostek (Direta). Fonte: UpToDate
A hipocalcemia característicamente causa prolongamento do intervalo QT no eletrocardiograma. Esse prolongamento está associado a pós-despolarizações precoces e disritmias desencadeadas. Embora as anomalias de condução eletrocardiográfica sejam comuns, disritmias graves induzidas pelo problema, como bloqueio cardíaco e arritmias ventriculares, são pouco frequentes.
O papiledema ocorre apenas na forma grave e geralmente melhora com a reversão da hipocalcemia. Pode ou não ser acompanhada por pressão elevada do líquido cefalorraquidiano (hipertensão intracraniana benigna). Raramente, está presente neurite óptica (distinguida pela diminuição da acuidade visual) em vez de papiledema.
Sintomas psicológicos também podem ocorrer, principalmente instabilidade emocional, ansiedade e depressão. Menos comuns são estados de confusão, alucinações e psicose franca. Todos são reversíveis com o tratamento.
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Como estabelecer um diagnóstico?
O primeiro passo é verificar com repetição da medição (cálcio sérico total corrigido para albumina ou cálcio ionizado) que existe uma verdadeira diminuição na concentração sérica de cálcio. O valor normal de referência é o seguinte:
- Cálcio total no soro: Entre 8,5 e 10,5 mg/dL
- Cálcio ionizado: Entre 4,65 a 5,25 mg/dL
Cada redução de 1 g/dL na concentração sérica de albumina diminuirá a concentração total de cálcio em aproximadamente 0,8 mg/dL - sem afetar a concentração de cálcio ionizado e, portanto, sem produzir quaisquer sintomas ou sinais do problema.
Fórmula para correção:
- Cálcio corrigido = Cálcio total medido + (0,8 × (4,0 – [albumina]))
É importante notar que a afinidade do cálcio pela albumina aumenta na presença de alcalose. Assim, a alcalose respiratória pode causar uma diminuição aguda do cálcio ionizado.
Tratamento para hipocalcemia
O tratamento da hipocalcemia obviamente será a reposição de cálcio. No entanto, a via de administração mudará de acordo com o tipo de paciente, conforme o fluxograma abaixo. De forma geral, os pacientes com sintomas leves e aptos para ingestão oral da medicação receberão o cálcio via oral. Já aqueles com sintomas graves ou que não toleram a ingestão enteral receberão suplementação endovenosa
Na escolha da via oral, a administração pode ser feita com Carbonato de cálcio 500mg a cada 8 horas (em horários separados das refeições). Em casos de pacientes com a forma resistente, uma manutenção deverá ser feita utilizando-se uma solução de Gluconato de Cálcio 10% 110mL + SG5% ou SF 0,9% 890mL EV (de forma que se obtenha uma solução final de 1000ml) com uma vazão de correr 50ml/hora.
No caso de uma deficiência não complicada de vitamina D, a administração de vitamina D2 (ergocalciferol) ou D3 (colecalciferol) corrige a deficiência e restaura a fisiologia normal do paciente. O tratamento deve ser realizado com 50.000 UI de vitamina D2 ou D3 semanalmente, por um período de seis a oito semanas.
Em pacientes com hipomagnesemia, uma infusão de 2 g (16 mEq) de sulfato de magnésio deve ser administrada como uma solução a 10% ao longo de 10 a 20 minutos, seguida por 1 grama (8 mEq) em 100 mL de líquido por hora. A reposição de magnésio deve ser mantida enquanto a concentração sérica de magnésio estiver abaixo de 0,8 mEq/L (1 mg/dL ou 0,4 mmol/L).
Conclusão
A hipocalcemia representa uma condição de significativa importância clínica devido ao papel crucial do cálcio na transmissão nervosa, contração muscular, coagulação sanguínea e regulação de diversas vias metabólicas. Dessa forma, a identificação precoce, o tratamento adequado e a abordagem das causas subjacentes são cruciais para prevenir complicações graves e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
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