A doença venosa crônica é comumente subdiagnosticada, reduzindo progressivamente a qualidade de vida do paciente e propiciando o desenvolvimento de telangiectasias, veias reticulares, varizes, hipertensão venosa crônica e insuficiência venosa crônica (IVC). A IVC deve ser motivo de preocupação, especialmente à medida que as tendências de longevidade e obesidade continuam a aumentar.
Pelo fato de acometer muito frequentemente os membros inferiores, a IVC é conhecida como insuficiência venosa periférica (IVP). No entanto, é importante ficar atento, pois nem toda IVC é periférica.
A prevalência global da IVP varia muito, sendo os fatores de risco mais comuns: idade avançada, história familiar de doença venosa, tabagismo, obesidade, hábito de ficar em pé ou sentado por muito tempo, trombose venosa profunda, gravidez, trauma em membros inferiores e cirurgia. Além disso, as mulheres também apresentam maior incidência e prevalência de IVC do que os homens em qualquer idade.
O que é a insuficiência venosa periférica?
A insuficiência venosa periférica (IVP) é uma condição na qual o sistema venoso das extremidades, geralmente das pernas, apresenta dificuldades em efetuar o retorno adequado do sangue ao coração. Isso ocorre quando as veias têm dificuldade em superar a gravidade e/ou quando as válvulas venosas não funcionam corretamente.
Como resultado, o sangue pode se acumular nas extremidades, causando sintomas como inchaço, dor, sensação de peso e, em casos mais avançados, podem surgir alterações na pele.
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O que causa a insuficiência venosa periférica?
A anatomia venosa é classificada em três componentes: veias superficiais, profundas e perfurantes. Os sistemas venosos superficiais e profundos são conectados por veias perfurantes, que direcionam o sangue das veias superficiais para as profundas.
O sistema venoso periférico (SVP) opera fisiologicamente no transporte de sangue desoxigenado da periferia para o coração. O fluxo sanguíneo inicia-se nas veias superficiais, seguindo para as veias perfurantes e, por fim, alcançando o sistema venoso profundo.
Para vencer a resistência gravitacional na posição vertical, é necessária a colaboração de válvulas unidirecionais e da contração muscular, que trabalham em conjunto para bombear e redirecionar o sangue de volta ao coração, limitando o refluxo e o acúmulo de sangue nas extremidades inferiores.
Juntamente com o sistema valvar, a contração dos músculos dos membros inferiores, como o gastrocnêmio, ajuda a impulsionar o sangue para cima, por meio da compressão vascular. Após o relaxamento muscular, o vaso se abre e ocorre refluxo fisiológico de sangue, fechando os seios da válvula bicúspide.
Danos a esses mecanismos fisiológicos podem levar ao refluxo venoso patológico, o que contribui para a incompetência e dilatação da válvula venosa, hipertensão venosa secundária ao acúmulo de sangue por períodos prolongados e inflamação da parede do vaso devido a danos.
A dilatação das veias pode forçar a separação de válvulas bicúspides saudáveis e não danificadas, piorando a hipertensão venosa e afetando a pressão nas veias normais. Em nível molecular, a hipertensão venosa provoca liberação de substâncias vasoativas do endotélio, maior expressão de moléculas de adesão, como E-selectina e ICAM-1, e influxo de quimiocinas e mediadores inflamatórios.
Além do refluxo venoso, a obstrução do vaso por trombose ou estenose venosa pode limitar o fluxo sanguíneo e causar ainda mais hipertensão venosa e dano endotelial. Com o tempo, a hipertensão venosa e a inflamação crônica dos vasos levam à insuficiência venosa periférica, com maiores riscos de hiperpigmentação, lipodermatoesclerose, extravasamento de líquido para o tecido e úlceras nas pernas.
A progressão da doença ocorre como consequência de veias incompetentes encontradas principalmente no sistema venoso profundo. Embora o envolvimento do sistema venoso profundo ocorra com menos frequência na insuficiência do sistema venoso superficial, pacientes com varizes podem ter um componente de IVC e devem ser avaliados.
A insuficiência venosa crônica é categorizada como insuficiência venosa profunda primária e insuficiência venosa profunda secundária. A IVC primária ou idiopática corresponde a causas não trombóticas, com problemas estruturais e funcionais na parede das veias ou nas válvulas bicúspides. A IVC secundária é resultado de obstrução ou pós-trombose de uma trombose venosa profunda (TVP) prévia.
Sinais e sintomas
A apresentação clínica dos sintomas varia de acordo com a gravidade do acometimento do sistema venoso. Os sintomas da insuficiência venosa periférica mais comuns são: sensação de pernas cansadas e pesadas, dor e inchaço dos membros.
A dor pode ser generalizada ou localizada em veias específicas, áreas de lipodermatoesclerose ou ulceração. Quando a dor acompanha manifestações clínicas mais graves, a deambulação pode tornar-se difícil ou mesmo impossível. Ainda, a dor e o edema associados à doença venosa crônica (DVC) é geralmente pior quando em pé por períodos prolongados e melhora com a elevação dos membros e a caminhada.
Nas mulheres, a exacerbação dos sintomas pode ocorrer durante a menstruação ou gravidez devido ao aumento do volume de líquidos e/ou níveis mais elevados de estrogênio circulante. Outras queixas incluem fadiga generalizada, descoloração ou vermelhidão da pele, cãibras musculares, dormência, formigamento ou coceira.
No exame físico, os pulsos femorais e pediosos são geralmente palpáveis em pacientes mais jovens. Em pacientes idosos, um ultrassom Doppler portátil pode ser necessário para avaliar o fluxo arterial pedal. Se houver alguma indicação de isquemia arterial (extremidades frias, falta de pulso ou ulceração digital), deverá ser realizada uma avaliação arterial não invasiva adicional.
A manifestação mais frequentemente encontrada de doença venosa periférica é uma leve dilatação venosa. As telangiectasias são uma confluência de vênulas intradérmicas dilatadas com menos de um milímetro de diâmetro. Ainda, veias varicosas (veias subcutâneas dilatadas e tortuosas >3mm de diâmetro) podem surgir envolvendo as veias safenas, tributárias safenas ou veias superficiais da perna não safenas.
As alterações na pigmentação são inicialmente mais proeminentes na região medial do tornozelo, mas posteriormente podem invadir o pé e a parte inferior da perna. A hiperpigmentação marrom e azul-acinzentada na região anterior da perna é um achado comum. A pigmentação se deve à deposição de hemossiderina derivada da degradação dos glóbulos vermelhos extravasados para a derme.
Dermatite de estase
Indivíduos com doença venosa funcional devido ao refluxo venoso são propensos a desenvolver dermatite de estase: processo inflamatório que se apresenta como uma erupção cutânea eczematosa caracterizada por prurido, eritema, descamação, secreção, erosões e crostas.
Lipodermatosclerosis
A lipodermatoesclerose, uma paniculite fibrosante do tecido subcutâneo, é caracterizada por uma área firme de endurecimento que está inicialmente localizada na região medial do tornozelo. À medida que o processo avança, toda a perna pode ser envolvida circunferencialmente. Neste local, também é comum o surgimento de prurido e manchas atróficas e hipopigmentadas, além de celulite estafilocócica/estreptocócica.
A fibrose pode ser tão extensa e constritiva que envolve e estrangula a parte inferior da perna, impedindo ainda mais o fluxo linfático e venoso, lembrando uma garrafa de champanhe invertida.
Na DVC também é comum o surgimento de úlceras únicas ou múltiplas, extremamente sensíveis, superficiais, exsudativas e com base de granulação, geralmente localizadas na região medial do tornozelo, sobre uma veia perfurante, ou ao longo do trajeto das veias safenas magna ou parva.
Como realizar o diagnóstico?
As manifestações clínicas graves são muitas vezes suficientes para estabelecer o diagnóstico da insuficiência venosa periférica, entretanto, testes objetivos podem ser necessários para confirmar o diagnóstico, determinar a etiologia (refluxo, obstrução ou refluxo e obstrução), identificar o local anatômico e a gravidade da doença ou identificar a doença arterial periférica coexistente.
Ultrassom duplex venoso
O ultrassom duplex venoso é o exame de escolha para confirmar a presença de obstrução venosa ou incompetência valvar como causa da hipertensão venosa e é usado para planejar procedimentos de ablação venosa, mas não é necessário em todos os casos de suspeita de insuficiência venosa periférica. A ultrassonografia duplex deve ser realizada nas seguintes situações clínicas:
- Se um diagnóstico clínico de insuficiência ou obstrução venosa não puder ser estabelecido, os sintomas são fortemente sugestivos.
- Em pacientes com sinais de doença venosa crônica, mas cujos sintomas estão questionavelmente relacionados à doença venosa, como edema leve ou dor.
- Em casos atípicos, como início incomum dos sintomas em idade precoce (<40 anos) ou após trauma.
- Em casos de ulceração.
- Em pacientes com suspeita clínica de doença venosa que não respondem às medidas conservadoras padrão.
A ultrassonografia duplex substituiu essencialmente a venografia convencional baseada em cateter para a avaliação da maioria dos distúrbios venosos porque é precisa, reprodutível, não invasiva e barata. O diagnóstico é confirmado pela duração do fluxo retrógrado ou reverso (>500 ms para veias superficiais ou perfurantes, >1000 ms para veias profundas).
Índice tornozelo-braquial
O índice tornozelo-braquial (ITB) também é frequentemente necessário para excluir doença arterial em pacientes com ulceração ou sintomas compatíveis com doença arterial periférica (por exemplo, claudicação). Isso porque, a terapia de compressão - que é o tratamento padrão para ulceração venosa - é contraindicada na presença de doença arterial oclusiva significativa.
O ITB é uma ferramenta de triagem útil para diagnosticar doença arterial periférica, que para isso deve ser igual ou menor do que 0,9. Um ITB <0,4 representa doença avançada que está frequentemente associada a dor isquêmica ou úlceras. Para estabelecer o índice, é preciso dividir a pressão sistólica do tornozelo sobre a pressão sistólica braquial.
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Qual o tratamento para a insuficiência venosa periférica?
Para pacientes com insuficiência venosa associada à ulceração, a terapia compressiva será a primeira recomendação. A terapia de compressão - sejam meias de compressão ou sistemas de bandagens de compressão (elásticas ou inelásticas) - está associada a altas taxas de cicatrização de úlceras para pacientes que são aderentes.
No entanto, a terapia de compressão é contraindicada em pacientes com doença arterial periférica, trombose venosa aguda de membros inferiores, insuficiência cardíaca ou na presença de celulite aguda, infecção ou tecido necrótico.
Para o tratamento de ulcerações por IVC, deve-se aplicar métodos de compressão elástica de múltiplas camadas, em vez de bandagens inelásticas de camada única. As bandagens inelásticas podem ser úteis durante a fase inicial de redução do edema, quando as bandagens necessitam de troca frequente devido a secreção excessiva.
As meias elásticas podem ser classificadas em duas categorias principais: preventivas e terapêuticas. As preventivas, com compressão abaixo de 15 mmHg, não requerem prescrição médica.
Por outro lado, as terapêuticas, com compressão acima de 15 mmHg, demandam orientação médica para o uso adequado. As terapêuticas se subdividem em leve (15 a 20 mmHg), moderada (20 a 30 mmHg), alta (30 a 40 mmHg) e altíssima (40 a 50 mmHg).
Quanto ao comprimento, as meias podem ser ¾, 7/8 e meia-calça, devendo cobrir todo o segmento acometido por doenças. Para as meias preventivas, o comprimento ¾ é suficiente.
Já as meias terapêuticas de 30-40 mmHg, indicadas para IVCs em estágio avançado, frequentemente necessitam comprimento 7/8 ou meia-calça. No caso das meias de 20-30 mmHg, se houver evidência de varizes em coxas ou fossa poplítea, recomenda-se comprimento maior que ¾ (7/8 ou meia-calça).
Para pacientes incapazes de tolerar, que não aderem ou nos quais a terapia de compressão é contraindicada é sugerido iniciar terapia com extrato de semente de castanha-da-índia na dose de 300 mg (padronizada para 50 mg de escina), duas vezes ao dia.
A pele seca, prurido e alterações eczematosas devem ser tratadas com hidratantes e, se necessário, um corticosteroide tópico de potência média. A ulceração venosa deve ser tratada com desbridamento da ferida, conforme necessário, cremes de barreira para proteger a pele adjacente e curativos adaptados ao ambiente da ferida. Ademais, a aspirina parece acelerar a cicatrização de úlceras venosas crônicas.
A utilização de flavonoides (diosmina e hesperidina) também é útil, complementando à terapia de compressão para melhorar a cicatrização de úlceras, com maior impacto em úlceras ≤10 mm, edema e alterações tróficas.
Conclusão
A insuficiência venosa periférica é uma condição vascular altamente prevalente na sociedade atual, que demanda atenção especializada e estratégias de manejo adequadas. O manejo integrado, incluindo hábitos de vida saudáveis, acompanhamento médico regular e a utilização apropriada de meias elásticas, contribui para melhorar a qualidade de vida e minimizar as complicações associadas à IVC.
Continue aprendendo:
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FONTES:
- Barbara M Mathes & Lowell S Kabnick. Clinical manifestations of lower extremity chronic venous disease. UpToDate
- David G Armstrong & Andrew J Meyr. Compression therapy for the treatment of chronic venous insufficiency. UpToDate
- Barbara M Mathes & Eri Fukaya. Pathophysiology of chronic venous disease. UpToDate
- Barbara M Mathes & Eri Fukaya. Diagnostic evaluation of lower extremity chronic venous disease. UpToDate.
- Azar J, Rao A, Oropallo A. Chronic venous insufficiency: a comprehensive review of management. J Wound Care. 2022 Jun 2;31(6):510-519. doi: 10.12968/jowc.2022.31.6.510. PMID: 35678787.
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