Cardiologia
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Insuficiência cardíaca aguda: classificação, sinais e sintomas e diagnóstico

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Equipe medclub
Publicado em
16/1/2024
 · 
Atualizado em
19/1/2024
Índice

No mundo, cerca de 20 milhões de pessoas possuem insuficiência cardíaca (IC). Em países desenvolvidos a prevalência chega a 2% da população. Anualmente, aproximadamente 190 mil pacientes são internados por insuficiência cardíaca aguda (ICA) no Brasil. Um estudo brasileiro demonstrou que cerca de 60% dos pacientes são do sexo feminino e com insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida (ICFEr). 

De forma geral, os pacientes possuem uma alta taxa de mortalidade intra-hospitalar (13%) e uma prescrição medicamentosa pobre em evidências científicas. A mortalidade após um ano da ICA pode chegar até 17% e a taxa de reinternação pode chegar a dois terços dos pacientes.

O que é a insuficiência cardíaca aguda?

As atuais diretrizes da American College of Cardiology Foundation (ACCF)/American Heart Association (AHA) definem a IC como uma síndrome clínica complexa que surge do comprometimento estrutural ou funcional do enchimento ventricular ou da ejeção sanguínea

Isso, por sua vez, resulta nos sintomas clínicos cardinais de dispneia e fadiga, juntamente com os sinais de IC, como edema e estertores. Dado que muitos pacientes não apresentam sinais ou sintomas de sobrecarga de volume, o termo "insuficiência cardíaca" tornou-se preferido em relação à antiga “insuficiência cardíaca congestiva".

O problema possui uma predileção pelo sexo masculino, no entanto, como a expectativa de vida das mulheres é maior, a prevalência da doença é maior nesse público. A sua incidência aumenta com o passar da idade, acometendo entre 6% e 10% dos indivíduos acima de 65 anos.

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Etiologia

Qualquer doença que leve ao desenvolvimento de alterações cardíacas funcionais ou estruturais pode desenvolver insuficiência cardíaca aguda. Apesar de a etiologia ser diferença na ICFEr e na Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção preservada (ICFEp), a doença arterial coronariana (DAC) é responsável por cerca de 75% dos casos, sobretudo em países industrializados. As principais etiologias da ICFEr e ICFEP podem ser vistas na tabela abaixo:

Principais etiologias da insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida
Doença arterial coronariana Hipertensão arterial, Doença obstrutiva valvar
Sobrecarga volumétrica crônica Doença valvar regurgitante, Shunt intracardíaco (esquerda-direita), Shunt extracardíaco
Doença pulmonar crônica Cor pulmonale, Distúrbios pulmonares vasculares
Miocardiopatia dilatada não isquêmica Distúrbios familiares/genéticos, Doenças infiltrativas
Lesão induzida por tóxicos/fármacos Doença metabólica, causa viral
Doença de Chagas
Distúrbios da frequência e do ritmo Bradiarritmias crônicas, Taquiarritmias crônicas
Principais etiologias da Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção preservada
Hipertrofia patológica Primária (miocardiopatias hipertróficas), Secundária (hipertensão arterial)
Envelhecimento
Distúrbios endomiocárdicos
Miocardiopatia restritiva Doenças infiltrativas (amiloidose, sarcoidose)
Doenças do armazenamento (hemocromatose)
Fibrose
Principais etiologias da insuficiência cardíaca. Fonte: Harrison Ed. 19

Quando a etiologia da redução da fração de ejeção (FE) não é conhecida (20% a 30% dos casos), os pacientes são referidos como portadores de miocardiopatia dilatada, não isquêmica ou idiopática. A doença cardíaca reumática permanece como uma das principais causas de IC na África e na Ásia, sobretudo entre os jovens.

A miocardiopatia dilatada familiar, a qual é herdada de forma autossômica dominante, é uma das causas de insuficiência  cardíaca aguda, sendo caracterizada por mutações dos genes codificantes de proteínas do citoesqueleto (desmina, miosina cardíaca, vinculina...) e da membrana nuclear (laminina).

Fisiopatologia

O desenvolvimento da IC é decorrente de um fator desencadeante, seja ele agudo ou crônico, que lese os miócitos cardíacos, prejudicando sua função ou reduzindo a sua força de contração. Inicialmente, o sistema adrenérgico, o sistema renina-angiotensina-aldosterona funcionam de forma compensatória na manutenção da homeostase, por meio do aumento do débito cardíaco e aumento da contratilidade miocárdica.

Além disso, ocorre a ativação de uma família de moléculas vasodilatadoras compensatórias, tais como os peptídeos natriuréticos atrial e cerebral (ANP e BNP), a bradicinina, as prostaglandinas (PGE2 e PGI2) e o óxido nítrico (NO). Essas substâncias compensam a vasoconstrição vascular periférica excessiva. 

No caso da ICFEp, a fisiopatologia ainda não é completamente esclarecida. No entanto sabe-se que a disfunção diastólica, bem como mecanismos extracardíacos (aumento da rigidez vascular e deterioração da função renal) são fatores desencadeantes.

Nesse momento, o paciente permanece assintomático, pois a homeostase está preservada. No entanto, a longo prazo, a ativação crônica desses sistemas agrava e provoca uma remodelação ventricular e subsequente remodelação cardíaca.

Alterações na biologia dos miócitos
Acoplamento excitação-contração
Expressão gênica da cadeia pesada de miosina (fetal)
Dessensibilização β-adrenérgica
Hipertrofia
Miocitólise
Proteínas do citoesqueleto
Alterações miocárdicas
Perda de miócitos (Necrose, apoptose, autofagia)
Alterações na matriz extracelular (Degradação da matriz, fibrose do miocárdio)
Alterações na geometria da câmara ventricular esquerda
Dilatação do ventrículo esquerdo (VE)
Aumento da esfericidade do VE
Afinamento da parede do VE
Incompetência da valva mitral
Visão geral do remodelamento ventricular esquerdo. Fonte: Harrison

Classificação da insuficiência cardíaca

A insuficiência cardíaca pode ser classificada de acordo com sua FE, sintomatologia ou progressão da doença. 

Fração de ejeção

A principal classificação é baseada na FE, a qual os pacientes são classificados com ICFEp (FE>50%), ICFEr (FE<40%) ou IC de FE intermediária (ICFEi) quando a FE estiver entre 40% e 49%.

Sintomatologia

A classificação dos pacientes baseada na sintomatologia diz respeito à sua capacidade funcional, visto que esta é um importante preditor de evolução da doença. A classificação proposta pelo New York Heart Association (NYHA) estabelece quatro tipos de pacientes com cardiopatia:

  • NYHA I: Assintomáticos
  • NYHA II: Pequena limitação das atividades físicas, mas ficam confortáveis em repouso; a atividade física normal resulta em fadiga, palpitação, dispneia ou dor anginosa
  • NYHA III: Evidente limitação das atividades físicas; ficam confortáveis em repouso; atividades físicas mínimas causam fadiga, palpitação, dispneia ou dor anginosa
  • NYHA IV: Incapacitados para realização de qualquer atividade física sem dor; os sintomas de insuficiência cardíaca ou de síndrome anginosa podem estar presentes mesmo durante o repouso

Progressão da doença

A classificação por estágios da insuficiência cardíaca proposta pela American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) destaca a evolução e progressão da doença. Essa classificação abrange desde pacientes em risco de desenvolver insuficiência cardíaca, cuja abordagem se concentra na prevenção do seu desenvolvimento.

A classificação da AHA envolve quatro estágios:

  • A: Risco de desenvolver IC. Sem doença estrutural ou sintomas
  • B: Doença estrutural cardíaca presente. Sem sintomas 
  • C: Doença estrutural cardíaca presente. Sintomas prévios ou atuais 
  • D: IC refratária ao tratamento clínico. Requer intervenção especializada

Sinais e sintomas da insuficiência cardíaca aguda

Os sintomas principais da insuficiência cardíaca aguda são fadiga e dispneia. Enquanto o principal motivo da fadiga ocorrer é atribuído ao baixo débito cardíaco, o mecanismo mais importante da dispneia envolve a congestão pulmonar. A dispneia ocorre primordialmente nas IC’s ventricular direita e tricúspide.

A ortopneia vai ser causada pela redistribuição de volume da circulação esplâncnica e dos membros inferiores para a circulação central quando o paciente permanece deitado. A tosse noturna é uma manifestação comum desse processo, sendo aliviada quando o paciente se senta ou quando dorme recostado sobre travesseiros.

A dispneia paroxística noturna também é comum e surge, em geral, de 1 a 3 horas após o paciente deitar-se. Ainda, a respiração de Cheyne-stokes está presente em 40% dos pacientes.

Além disso, sintomas gastrointestinais como anorexia, náuseas, saciedade precoce, dor abdominal e plenitude são queixas frequentemente relacionadas ao edema na parede intestinal e/ou congestão hepática. A noctúria é um sintoma comum, contribuindo para a insônia.

A pressão arterial sistólica pode estar normal ou elevada no início, mas geralmente diminui nos estágios avançados com disfunção ventricular esquerda grave. A taquicardia sinusal e a vasoconstrição periférica, resultando em extremidades frias e cianose, são comuns.

Nos estágios iniciais da insuficiência cardíaca aguda, a pressão venosa pode ser normal em repouso, mas pode aumentar com a pressão manual no abdome (refluxo abdominojugular positivo). No exame pulmonar, ruídos respiratórios adventícios, como estertores, resultam do transudato de líquido para os alvéolos. O derrame pleural ocorre em casos de elevação da pressão capilar pleural, geralmente bilateral.

A cardiomegalia pode deslocar o ictus cordis e a presença de terceira e quartas bulhas pode indicar comprometimento hemodinâmico grave. Sopros característicos de insuficiência mitral e tricúspide são comuns na insuficiência cardíaca avançada. A Hepatomegalia é um sinal importante, muitas vezes doloroso, associado à insuficiência tricúspide. 

A ascite e a icterícia são sinais tardios devido à pressão nas veias hepáticas. O edema periférico, uma manifestação comum, é inespecífico e pode ser simétrico ou postural. Nos casos graves de IC crônica, a caquexia pode ocorrer, envolvendo uma perda evidente de peso. 

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Diagnóstico da insuficiência cardíaca aguda

Clinicamente, a insuficiência cardíaca aguda pode ser diagnosticada utilizando-se os critérios de Framingham, os quais são categorizados em 9 critérios maiores e 7 menores, sendo que para estabelecimento do diagnóstico são necessários 2 critérios maiores OU 1 critério maior e 2 menores. Admite-se a consideração dos critérios menores, desde que não possam ser justificados por outras causas.

Esquema mostrando os critérios de Framingham para diagnóstico da insuficiência cardíaca aguda
Critérios de Framingham. Fonte: MONTERA et al. (2009) Adaptado

O principal exame complementar para o diagnóstico da insuficiência cardíaca aguda é o ecocardiograma. No entanto, outros exames como radiografia de tórax, eletrocardiograma, ecodopplercardiograma e peptídeos natriuréticos (BNP e NT-proBNP), sobretudo quando o paciente tem uma epidemiologia importante, podem auxiliar na confirmação diagnóstica. 

O ecocardiograma possibilita a análise da função sistólica do ventrículo esquerdo e direito, da função diastólica, das espessuras das paredes, do tamanho das cavidades, da função valvar, da estimativa hemodinâmica não invasiva e das doenças do pericárdio. A estimativa da fração de ejeção será útil para classificar a IC em ICFEr, ICFEi ou ICFEp. 

Fluxograma diagnóstico da insuficiência cardíaca
Fluxograma diagnóstico da insuficiência cardíaca. Fonte: Diretriz Brasileira de Insuficiência cardíaca crônica e aguda

Em cenários agudos a IC é comumente classificada em quatro apresentações, cada uma com características clínicas distintas. Essas apresentações, muitas vezes referidas como "frio e úmido", "quente e úmido", "frio e seco" e "quente e seco", são baseadas em uma análise dos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes.

Tabela, Linha do tempoDescrição gerada automaticamente

Como tratar?

No cuidado integral, programas multidisciplinares desempenham um papel vital na otimização do tratamento, proporcionando uma abordagem integrada para os pacientes. No que diz respeito à melhoria da morbidade e qualidade de vida, a reabilitação cardiovascular é uma intervenção valiosa para pacientes com ICFEr e ICFEp.

Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECA) são recomendados como tratamento essencial para pacientes sintomáticos com disfunção ventricular esquerda (FEVE < 40%) de qualquer origem. 

Os Bloqueadores dos Receptores de Angiotensina (BRAs) surgem como uma alternativa crucial em casos de intolerância ou alergia aos IECA. Ademais, betabloqueadores, como bisoprolol, carvedilol e succinato de metoprolol, são fortemente recomendados para melhorar a função ventricular em pacientes sintomáticos.

A substituição de IECA (ou BRA) por sacubitril/valsartana em terapêutica otimizada, são indicados em certos casos. Por fim, concluindo o tripé farmacológico, a utilização de antagonistas dos receptores mineralocorticoides é indicada para melhorar a função ventricular em pacientes com IC sintomática. Para autodeclarados afrodescendentes em estágios avançados, a combinação de hidralazina e nitrato é recomendada

O uso de diuréticos para o controle de congestão também é recomendado em pacientes com ICFEr e ICFEp. A terapia de ressincronização cardíaca (TRC) e a implantação de cardio desfibrilador são consideradas em situações específicas para prevenção secundária e primária de morte súbita, respectivamente. 

A revascularização miocárdica, seja percutânea ou cirúrgica, é recomendada em casos de disfunção ventricular grave, angina limitante ou lesões coronarianas significativas com anatomia favorável. Além disso, estratégias de vacinação anual para influenza e vacinação periódica para pneumococos são destacadas como práticas importantes

Para o tratamento de uma insuficiência cardíaca aguda nova, deve-se levar em consideração o seguinte fluxograma:

Esquema mostrando o tratamento para insuficiência cardíaca aguda
Fonte: Ministério da Saúde

Conclusão

A Insuficiência Cardíaca representa uma condição complexa e debilitante, exigindo uma abordagem clínica abrangente. Seus diversos padrões de apresentação, refletem a heterogeneidade da doença. Por isso, o manejo eficaz da insuficiência cardíaca aguda envolve estratégias que visam aliviar sintomas, melhorar a função cardíaca e prevenir complicações.

Continue aprendendo:

FONTES:

  • Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda - Socieddae Brasileira de Cardiologia Medicina interna de Harrison | Porto Alegre; AMGH; 19 ed; 2017.
  • Albuquerque DC, Neto JD, Bacal F, Rohde LE, Bernardez-Pereira S, Berwanger O, et al; Investigadores Estudo BREATHE. I Brazilian Registry of Heart Failure - Clinical aspects, care quality and hospitalization outcomes. Arq Bras Cardiol. 2015;104(6):433-42.
  • D. Mann: Pathophysiology of heart failure, in Braunwald’s Heart Disease, 8th ed, PL Libby et al (eds). Philadelphia, Elsevier, 2008, p. 550.
  • New York Heart Association, Inc., Diseases of the Heart and Blood Vessels: Nomenclature and Criteria for Diagnosis, 6th ed. Boston, Little Brown, 1964, p. 114.
  • https://linhasdecuidado.saude.gov.br/portal/insuficiencia-cardiaca-%28IC%29-no-adulto/servico-de-atendimento-movel/manejo-inicial/

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