No mundo, cerca de 20 milhões de pessoas possuem insuficiência cardíaca (IC). Em países desenvolvidos a prevalência chega a 2% da população. Anualmente, aproximadamente 190 mil pacientes são internados por insuficiência cardíaca aguda (ICA) no Brasil. Um estudo brasileiro demonstrou que cerca de 60% dos pacientes são do sexo feminino e com insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida (ICFEr).
De forma geral, os pacientes possuem uma alta taxa de mortalidade intra-hospitalar (13%) e uma prescrição medicamentosa pobre em evidências científicas. A mortalidade após um ano da ICA pode chegar até 17% e a taxa de reinternação pode chegar a dois terços dos pacientes.
O que é a insuficiência cardíaca aguda?
As atuais diretrizes da American College of Cardiology Foundation (ACCF)/American Heart Association (AHA) definem a IC como uma síndrome clínica complexa que surge do comprometimento estrutural ou funcional do enchimento ventricular ou da ejeção sanguínea.
Isso, por sua vez, resulta nos sintomas clínicos cardinais de dispneia e fadiga, juntamente com os sinais de IC, como edema e estertores. Dado que muitos pacientes não apresentam sinais ou sintomas de sobrecarga de volume, o termo "insuficiência cardíaca" tornou-se preferido em relação à antiga “insuficiência cardíaca congestiva".
O problema possui uma predileção pelo sexo masculino, no entanto, como a expectativa de vida das mulheres é maior, a prevalência da doença é maior nesse público. A sua incidência aumenta com o passar da idade, acometendo entre 6% e 10% dos indivíduos acima de 65 anos.
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Etiologia
Qualquer doença que leve ao desenvolvimento de alterações cardíacas funcionais ou estruturais pode desenvolver insuficiência cardíaca aguda. Apesar de a etiologia ser diferença na ICFEr e na Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção preservada (ICFEp), a doença arterial coronariana (DAC) é responsável por cerca de 75% dos casos, sobretudo em países industrializados. As principais etiologias da ICFEr e ICFEP podem ser vistas na tabela abaixo:
Quando a etiologia da redução da fração de ejeção (FE) não é conhecida (20% a 30% dos casos), os pacientes são referidos como portadores de miocardiopatia dilatada, não isquêmica ou idiopática. A doença cardíaca reumática permanece como uma das principais causas de IC na África e na Ásia, sobretudo entre os jovens.
A miocardiopatia dilatada familiar, a qual é herdada de forma autossômica dominante, é uma das causas de insuficiência cardíaca aguda, sendo caracterizada por mutações dos genes codificantes de proteínas do citoesqueleto (desmina, miosina cardíaca, vinculina...) e da membrana nuclear (laminina).
Fisiopatologia
O desenvolvimento da IC é decorrente de um fator desencadeante, seja ele agudo ou crônico, que lese os miócitos cardíacos, prejudicando sua função ou reduzindo a sua força de contração. Inicialmente, o sistema adrenérgico, o sistema renina-angiotensina-aldosterona funcionam de forma compensatória na manutenção da homeostase, por meio do aumento do débito cardíaco e aumento da contratilidade miocárdica.
Além disso, ocorre a ativação de uma família de moléculas vasodilatadoras compensatórias, tais como os peptídeos natriuréticos atrial e cerebral (ANP e BNP), a bradicinina, as prostaglandinas (PGE2 e PGI2) e o óxido nítrico (NO). Essas substâncias compensam a vasoconstrição vascular periférica excessiva.
No caso da ICFEp, a fisiopatologia ainda não é completamente esclarecida. No entanto sabe-se que a disfunção diastólica, bem como mecanismos extracardíacos (aumento da rigidez vascular e deterioração da função renal) são fatores desencadeantes.
Nesse momento, o paciente permanece assintomático, pois a homeostase está preservada. No entanto, a longo prazo, a ativação crônica desses sistemas agrava e provoca uma remodelação ventricular e subsequente remodelação cardíaca.
Classificação da insuficiência cardíaca
A insuficiência cardíaca pode ser classificada de acordo com sua FE, sintomatologia ou progressão da doença.
Fração de ejeção
A principal classificação é baseada na FE, a qual os pacientes são classificados com ICFEp (FE>50%), ICFEr (FE<40%) ou IC de FE intermediária (ICFEi) quando a FE estiver entre 40% e 49%.
Sintomatologia
A classificação dos pacientes baseada na sintomatologia diz respeito à sua capacidade funcional, visto que esta é um importante preditor de evolução da doença. A classificação proposta pelo New York Heart Association (NYHA) estabelece quatro tipos de pacientes com cardiopatia:
- NYHA I: Assintomáticos
- NYHA II: Pequena limitação das atividades físicas, mas ficam confortáveis em repouso; a atividade física normal resulta em fadiga, palpitação, dispneia ou dor anginosa
- NYHA III: Evidente limitação das atividades físicas; ficam confortáveis em repouso; atividades físicas mínimas causam fadiga, palpitação, dispneia ou dor anginosa
- NYHA IV: Incapacitados para realização de qualquer atividade física sem dor; os sintomas de insuficiência cardíaca ou de síndrome anginosa podem estar presentes mesmo durante o repouso
Progressão da doença
A classificação por estágios da insuficiência cardíaca proposta pela American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) destaca a evolução e progressão da doença. Essa classificação abrange desde pacientes em risco de desenvolver insuficiência cardíaca, cuja abordagem se concentra na prevenção do seu desenvolvimento.
A classificação da AHA envolve quatro estágios:
- A: Risco de desenvolver IC. Sem doença estrutural ou sintomas
- B: Doença estrutural cardíaca presente. Sem sintomas
- C: Doença estrutural cardíaca presente. Sintomas prévios ou atuais
- D: IC refratária ao tratamento clínico. Requer intervenção especializada
Sinais e sintomas da insuficiência cardíaca aguda
Os sintomas principais da insuficiência cardíaca aguda são fadiga e dispneia. Enquanto o principal motivo da fadiga ocorrer é atribuído ao baixo débito cardíaco, o mecanismo mais importante da dispneia envolve a congestão pulmonar. A dispneia ocorre primordialmente nas IC’s ventricular direita e tricúspide.
A ortopneia vai ser causada pela redistribuição de volume da circulação esplâncnica e dos membros inferiores para a circulação central quando o paciente permanece deitado. A tosse noturna é uma manifestação comum desse processo, sendo aliviada quando o paciente se senta ou quando dorme recostado sobre travesseiros.
A dispneia paroxística noturna também é comum e surge, em geral, de 1 a 3 horas após o paciente deitar-se. Ainda, a respiração de Cheyne-stokes está presente em 40% dos pacientes.
Além disso, sintomas gastrointestinais como anorexia, náuseas, saciedade precoce, dor abdominal e plenitude são queixas frequentemente relacionadas ao edema na parede intestinal e/ou congestão hepática. A noctúria é um sintoma comum, contribuindo para a insônia.
A pressão arterial sistólica pode estar normal ou elevada no início, mas geralmente diminui nos estágios avançados com disfunção ventricular esquerda grave. A taquicardia sinusal e a vasoconstrição periférica, resultando em extremidades frias e cianose, são comuns.
Nos estágios iniciais da insuficiência cardíaca aguda, a pressão venosa pode ser normal em repouso, mas pode aumentar com a pressão manual no abdome (refluxo abdominojugular positivo). No exame pulmonar, ruídos respiratórios adventícios, como estertores, resultam do transudato de líquido para os alvéolos. O derrame pleural ocorre em casos de elevação da pressão capilar pleural, geralmente bilateral.
A cardiomegalia pode deslocar o ictus cordis e a presença de terceira e quartas bulhas pode indicar comprometimento hemodinâmico grave. Sopros característicos de insuficiência mitral e tricúspide são comuns na insuficiência cardíaca avançada. A Hepatomegalia é um sinal importante, muitas vezes doloroso, associado à insuficiência tricúspide.
A ascite e a icterícia são sinais tardios devido à pressão nas veias hepáticas. O edema periférico, uma manifestação comum, é inespecífico e pode ser simétrico ou postural. Nos casos graves de IC crônica, a caquexia pode ocorrer, envolvendo uma perda evidente de peso.
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Diagnóstico da insuficiência cardíaca aguda
Clinicamente, a insuficiência cardíaca aguda pode ser diagnosticada utilizando-se os critérios de Framingham, os quais são categorizados em 9 critérios maiores e 7 menores, sendo que para estabelecimento do diagnóstico são necessários 2 critérios maiores OU 1 critério maior e 2 menores. Admite-se a consideração dos critérios menores, desde que não possam ser justificados por outras causas.
O principal exame complementar para o diagnóstico da insuficiência cardíaca aguda é o ecocardiograma. No entanto, outros exames como radiografia de tórax, eletrocardiograma, ecodopplercardiograma e peptídeos natriuréticos (BNP e NT-proBNP), sobretudo quando o paciente tem uma epidemiologia importante, podem auxiliar na confirmação diagnóstica.
O ecocardiograma possibilita a análise da função sistólica do ventrículo esquerdo e direito, da função diastólica, das espessuras das paredes, do tamanho das cavidades, da função valvar, da estimativa hemodinâmica não invasiva e das doenças do pericárdio. A estimativa da fração de ejeção será útil para classificar a IC em ICFEr, ICFEi ou ICFEp.
Em cenários agudos a IC é comumente classificada em quatro apresentações, cada uma com características clínicas distintas. Essas apresentações, muitas vezes referidas como "frio e úmido", "quente e úmido", "frio e seco" e "quente e seco", são baseadas em uma análise dos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes.
Como tratar?
No cuidado integral, programas multidisciplinares desempenham um papel vital na otimização do tratamento, proporcionando uma abordagem integrada para os pacientes. No que diz respeito à melhoria da morbidade e qualidade de vida, a reabilitação cardiovascular é uma intervenção valiosa para pacientes com ICFEr e ICFEp.
Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECA) são recomendados como tratamento essencial para pacientes sintomáticos com disfunção ventricular esquerda (FEVE < 40%) de qualquer origem.
Os Bloqueadores dos Receptores de Angiotensina (BRAs) surgem como uma alternativa crucial em casos de intolerância ou alergia aos IECA. Ademais, betabloqueadores, como bisoprolol, carvedilol e succinato de metoprolol, são fortemente recomendados para melhorar a função ventricular em pacientes sintomáticos.
A substituição de IECA (ou BRA) por sacubitril/valsartana em terapêutica otimizada, são indicados em certos casos. Por fim, concluindo o tripé farmacológico, a utilização de antagonistas dos receptores mineralocorticoides é indicada para melhorar a função ventricular em pacientes com IC sintomática. Para autodeclarados afrodescendentes em estágios avançados, a combinação de hidralazina e nitrato é recomendada.
O uso de diuréticos para o controle de congestão também é recomendado em pacientes com ICFEr e ICFEp. A terapia de ressincronização cardíaca (TRC) e a implantação de cardio desfibrilador são consideradas em situações específicas para prevenção secundária e primária de morte súbita, respectivamente.
A revascularização miocárdica, seja percutânea ou cirúrgica, é recomendada em casos de disfunção ventricular grave, angina limitante ou lesões coronarianas significativas com anatomia favorável. Além disso, estratégias de vacinação anual para influenza e vacinação periódica para pneumococos são destacadas como práticas importantes.
Para o tratamento de uma insuficiência cardíaca aguda nova, deve-se levar em consideração o seguinte fluxograma:
Conclusão
A Insuficiência Cardíaca representa uma condição complexa e debilitante, exigindo uma abordagem clínica abrangente. Seus diversos padrões de apresentação, refletem a heterogeneidade da doença. Por isso, o manejo eficaz da insuficiência cardíaca aguda envolve estratégias que visam aliviar sintomas, melhorar a função cardíaca e prevenir complicações.
Continue aprendendo:
- Empagliflozina para Insuficiência Cardíaca com fração de ejeção preservada
- Tópicos Emergentes em Insuficiência Cardíaca
- Semaglutida no tratamento da insuficiência cardíaca de fração de ejeção preservada
FONTES:
- Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda - Socieddae Brasileira de Cardiologia Medicina interna de Harrison | Porto Alegre; AMGH; 19 ed; 2017.
- Albuquerque DC, Neto JD, Bacal F, Rohde LE, Bernardez-Pereira S, Berwanger O, et al; Investigadores Estudo BREATHE. I Brazilian Registry of Heart Failure - Clinical aspects, care quality and hospitalization outcomes. Arq Bras Cardiol. 2015;104(6):433-42.
- D. Mann: Pathophysiology of heart failure, in Braunwald’s Heart Disease, 8th ed, PL Libby et al (eds). Philadelphia, Elsevier, 2008, p. 550.
- New York Heart Association, Inc., Diseases of the Heart and Blood Vessels: Nomenclature and Criteria for Diagnosis, 6th ed. Boston, Little Brown, 1964, p. 114.
- https://linhasdecuidado.saude.gov.br/portal/insuficiencia-cardiaca-%28IC%29-no-adulto/servico-de-atendimento-movel/manejo-inicial/
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