Clínica Médica
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Pirose: o que é, causas, diagnóstico e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
12/3/2025
 · 
Atualizado em
12/3/2025
Índice

A pirose é uma manifestação comum, mas muitas vezes subestimada, que prejudica uma parcela significativa da  população. O estudo aprofundado desse sintoma é essencial para todo médico e estudante de medicina, pois ele pode estar associado a diversas condições clínicas, incluindo doenças gastrointestinais graves. Nesse artigo, iremos abordar as principais causas da pirose, diagnósticos diferenciais e os tratamentos disponíveis. 

O que é pirose?

A pirose é geralmente descrita como uma subjetiva sensação de queimação em área retroesternal, que pode atingir todas as idades e é sentida principalmente no período pós-prandial. A queixa surge principalmente quando essa manifestação se torna mais frequente, ocorrendo duas ou mais vezes por semana.

A presença da pirose constantemente prejudica a qualidade de vida, sendo uma das principais queixas nos ambulatórios de gastroenterologia, e pode cursar ou não com lesões erosivas na mucosa esofágica, uma vez que ela está bastante relacionada com patologias esofágicas. Sua prevalência global é em torno de 11,9%, podendo acontecer em todas as faixas etárias.  

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O que causa pirose?

O esôfago, localizado posteriormente à traqueia e anteriormente à coluna vertebral, atravessa o diafragma e desemboca na região superior do estômago. Ele é dividido nas porções cervical, torácica, diafragmática e abdominal, além de ser composta pelas camadas mucosa, submucosa, adventícia e muscular. Apresenta, ainda, duas estruturas esfincterianas em região superior e inferior, com objetivo de controlar a passagem de líquidos e do bolo alimentar. 

Anatomia do esôfago
Anatomia do esôfago. Fonte: Netter, atlas de anatomia humana

É conhecido que a pirose está relacionada à resposta sensitiva da mucosa gastroesofágica ao conteúdo de secreções, alimentos ou medicamentos. Essa resposta sensitiva pode se dar por uma incompetência da junção gastroesofágica, fazendo com que ocorra um retorno do conteúdo gástrico para essa região esofágica. 

Dentre os remédios que já foram apontados na literatura como possíveis causas de pirose, estão: aspirina, ibuprofeno, naproxeno, citalopram, quimioterápicos e alguns remédios para depressão, osteoporose e pressão alta. Nesse caso, o uso deve ser frequente, e se relaciona com o relaxamento da musculatura do esôfago, proporcionando o retorno do conteúdo ácido mencionado anteriormente. 

No entanto, vem se observando cada vez mais um tipo que ocorre sem uma causa evidente, chamada de pirose funcional, em que não se associa a alterações estruturais, inflamações visíveis no esôfago ou anormalidades detectáveis em exames como endoscopia ou pHmetria. Acredita-se que esse tipo de pirose esteja relacionada com uma hipersensibilidade esofagiana, desencadeada por uma série de fatores: psicológicos, cognitivos, químicos e mecânicos. 

Quadro clínico

Uma anamnese bem feita é extremamente importante para nós chegarmos na manifestação de pirose, mais do que o exame físico, além de nos aproximar da possível etiologia.

Grande parte dos pacientes vão relatá-la como uma manifestação intermitente, uma azia ou sensação de queimação em localização retroesternal, podendo ou não ascender para região cervical e tendo início por volta de 60 minutos após a alimentação, realização de exercícios ou ainda quando o indivíduo fica em posições reclinadas

O fato de que a queixa de pirose está aumentando cada vez mais com o tempo, se deve principalmente à mudança de hábitos alimentares da população de modo geral, que está cada vez mais gordurosa, com condimentos e abuso de cafeína e medicamentos, e ingestão de bebidas industrializadas como refrigerante e uso de tabaco. 

É sempre importante perguntar sobre possíveis fatores atenuantes do sintoma, em que muitas vezes ocorre com o uso de antiácidos, água e ingestão de leite. Ademais, alguns sintomas podem estar associados com a queimação, como distensão abdominal, náuseas e vômitos.  

Diagnósticos diferenciais da pirose

É importante sistematizar as principais doenças que estão relacionadas com o surgimento da pirose nos pacientes. 

Pirose
Pirose Funcional
Doença do Refluxo Gastroesofágico
Esofagite: esofagite medicamentosa; esofagite eosinofílica
Doenças Motoras primárias do esôfago: acalasia; espasmo difuso; esôfago em quebra nozes
Doenças motoras secundárias do esôfago: esclerose sistêmica polimiosite e dermatomiosite
Psicoemocional
Fonte: Caio Parizi/Equipe Medclub

Doença do Refluxo Gastroesofágico 

Sendo considerada uma das principais doenças que causam pirose, a Doença do Refluxo Gastroesofágico ocorre quando há um retorno do conteúdo gástrico ao esôfago, mediante o relaxamento do esfíncter esofagiano inferior. O diagnóstico pode ser baseado em sintomas clínicos naqueles pacientes com sintomas clássicos, que além da pirose, podem cursar com regurgitação, disfagia, dor no peito e sensação de inchaço abdominal. Naqueles pacientes sem a sintomatologia clássica, será necessário excluir outros distúrbios. 

Esofagite 

Esofagite Medicamentosa 

Pacientes que relatam queixa de odinofagia e pirose de início súbito, e que fazem uso de alguns medicamentos - como a tetraciclina, clindamicina, alendronato, dactinomicina, aspirina e cloreto de potássio - podem ter a chamada esofagite medicamentosa, uma vez que tais drogas podem induzir lesões esofágicas devido a produções de soluções ácidas, alcalinas ou hiperosmolares. 

Esofagite eosinofílica 

A esofagite eosinofílica trata-se de uma doença inflamatória primária do tipo crônica, em que a patogênese ainda não é bem conhecida, mas que cursa com infiltração de eosinófilos na mucosa esofágica. Seu diagnóstico é estabelecido pela clínica sugestiva somada a evidência histopatológica de infiltrado eosinofílico na mucosa esofágica. 

Doenças motoras primárias do esôfago

Tais doenças podem apresentar manifestação clínica bem semelhante, como pirose, regurgitação, odinofagia e disfagia. Para mais, sintomas extra-esofágicos, como dor torácica, tosse e rouquidão, ou seja, sintomas que surgem diretamente devido ao mal funcionamento esofágico também podem estar presentes. 

A história clínica é fundamental para fechar o diagnóstico corretamente, juntamente com a realização da manometria, o padrão-ouro para diagnosticar essas afecções motoras primárias. 

Acalasia 

Marcado pelo peristaltismo defeituoso, a acalasia causa um não relaxamento do esfíncter esofágico inferior, dificultando a passagem de alimentos do esôfago para o estômago. Pode estar relacionado com a Doença de Chagas crônica, mas, na maioria das vezes, apresenta causa idiopática. 

Espasmo esofagiano difuso 

Muito presente em adultos de meia idade, essa condição se deve à presença de anormalidade nas contrações esofágicas, que ocorrem de forma incoordenada e não propulsiva, além de elevação da pressão do EEI. Enquanto que a endoscopia poderá nos ajudar a excluir outras causas dos seus sintomas, a manometria esofágica nos leva a identificar as contrações não coordenadas, confirmando o diagnóstico. 

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Doenças motoras secundária do esôfago

Esclerose Sistêmica 

Doença marcada por uma inflamação crônica que resulta em fibrose em tecidos e vasos sanguíneos, afetando diversos órgãos, inclusive o esôfago, o que causa redução de sua motilidade. Tal redução pode resultar em uma série de manifestações sintomáticas, como a pirose. Seu diagnóstico é feito pela clínica e na capilaroscopia, exame que indicará a microangiopatia específica com alças gigantes. 

Polimiosite e dermatomiosite 

Ambas tratam-se de uma miopatia inflamatória idiopática e que estão relacionadas com uma alta morbidade. Contudo, na polimiosite, os sintomas são mais comuns: quadro gastroesofágico, dor articular, fraqueza muscular simétrica, febre, fadiga e perda ponderal. O diagnóstico dessas doenças poderão ser feito a partir da eletromiografia e estudos de condução nervosa. 

Psicoemocional 

Acometem pessoas que não apresentam uma causa aparente, e geralmente apresentam os sintomas em um contexto de estresse emocional. Dessa forma, a identificação durante a anamnese de fatores psicossociais, depressão, ansiedade, estresse podem nos ajudar no diagnóstico e no sucesso terapêutico. 

Pirose Funcional 

Para se fazer o diagnóstico de pirose funcional, será preciso antes descartar todas as causas orgânicas mencionadas anteriormente, por não estar relacionada com nenhuma anormalidade estrutural, refluxo ácido patológico ou distúrbios de motilidade. Ademais, para o diagnóstico, será necessário que o paciente apresente os sintomas típicos de pirose por, no mínimo, 6 meses.

ATENÇÃO! A Endoscopia Digestiva Alta é o principal exame diagnóstico para investigação de queixas que envolvem o trato gastrointestinal, uma vez que possibilita a visualização do esôfago, do estômago e do duodeno em busca de lesões e fragilidades suspeitas. Porém, outros exames, como a phmetria esofágica, que monitora o pH do suco gástrico,  podem nos auxiliar no diagnóstico de doenças típicas que cursam com a pirose, como a DRGE. 

Qual o tratamento para a pirose?

Como a grande maioria dos casos estão relacionados à Doença do Refluxo Gastroesofágico, o médico poderá optar por um teste terapêutico, um tratamento prévio à endoscopia digestiva alta com a associação da terapia farmacológica com mudanças de hábitos de vida. Para isso, é necessário que o paciente tenha menos de 40 anos, apresente os sintomas típicos e sem nenhum sinal de alerta. Nos casos em que houver sucesso terapêutico, teremos a confirmação do diagnóstico e o tratamento, por isso, esse teste terapêutico deve ser feito antes mesmo de exames como endoscopia digestiva alta. 

O medicamento indicado são os inibidores da bomba de prótons, como o Omeprazol, Pantoprazol,  em dose plena. Aliado ao tratamento farmacológico, mudanças de comportamento, como a redução da ingestão de alimentos que sejam correlacionados com o sintoma, a elevação de 15 cm da cabeceira da cama, evitar se deitar logo após se alimentar, a suspensão do tabagismo e perda de peso estão indicados. 

Para os casos que não melhorem com o tratamento acima, será indicado a busca ativa pelos diagnósticos diferenciais e o tratamento da causa base que estejam causando o sintoma de pirose. 

Conclusão 

A pirose é um sintoma prevalente que pode comprometer a qualidade de vida e estar associada a diversas condições gastrointestinais, desde refluxo gastroesofágico até distúrbios esofágicos funcionais. O reconhecimento de seus fatores precipitantes, como dieta inadequada e uso de certos medicamentos, bem como o diagnóstico correto, é essencial para direcionar o tratamento adequado. 

A terapêutica deve envolver tanto intervenções farmacológicas, como inibidores da bomba de prótons, quanto mudanças no estilo de vida, visando o controle dos sintomas e a prevenção de complicações. Em casos refratários, uma investigação mais profunda e tratamento personalizado são necessários para abordar possíveis causas subjacentes.

Continue aprendendo:


FONTES:

  • TEIXEIRA, Ruth Medeiros Dantas et al. Principais fatores de risco relacionados à sintomatologia da pirose. Brazilian Journal of Health Review, v. 4, n. 5, p. 18909-18920, 2021.
  • MARTINEZ, Júlio César et al . Aspectos clínicos, manométricos e endoscópicos dos distúrbios motores primários do esôfago. ABCD, arq. bras. cir. dig., São Paulo , v. 28, n. 1, p. 32-35, 2015.
  • MORAES-FILHO, Joaquim Prado P .. Doença refratária do refluxo gastroesofágico. Arq. Gastroenterol. São Paulo, v. 49, n. 4, p. 296-301, dezembro de 2012.
  • MORAES-FILHO, Joaquim Prado P. et al. Impacto da pirose e regurgitação no bem-estar de indivíduos da população geral: um inquérito nacional brasileiro. Arquivos de Gastroenterologia, v. 58, p. 5-9, 2021.
  • BATISTA, Andrea de Oliveira; DANTAS, Roberto Oliveira. Correlação entre sintomas e refluxo em pacientes com doença do refluxo gastroesofágico. Arquivos de Gastroenterologia, v. 59, p. 184-187, 2022.

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