A tricomoníase é a infecção sexualmente transmissível (IST) não viral mais comum do mundo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, são reportados cerca de 170 milhões de casos por ano entre indivíduos de 15 a 49 anos, com a maioria dos casos (92%) ocorrendo no sexo feminino.
Assim, estudos brasileiros referem prevalência entre 2,6% e 20% das mulheres. Entretanto, apesar de ser uma infecção disseminada, a tricomoníase é uma doença negligenciada, que pode causar importantes repercussões na paciente.
O que é a Tricomoníase?
Como mencionado anteriormente, a tricomoníase é uma IST, e tem como agente etiológico mais comum o protozoário flagelado e unicelular Trichomonas vaginalis. É uma doença que pode causar importante repercussão para a paciente por estar associada ao aumento do risco de aquisição para outras ISTs, à ruptura prematura de membranas em pacientes gestantes e a infecções pós-procedimentos cirúrgicos.
Para mais, ao penetrar no hospedeiro, o protozoário se cobre de proteínas próprias do organismo parasitado, permitindo uma evasão dos mecanismos de defesa locais. Assim, a resposta imune celular que o T. vaginalis causa pode ser agressiva, sendo caracterizada por importante infiltração de leucócitos e intensa inflamação da mucosa vaginal e da exocérvice.
Conteúdo vaginal normal
Para compreender as alterações causadas pelo Trichomonas vaginalis é fundamental entender como é o conteúdo vaginal normal. Esse é composto por fluidos tubários e endometriais, muco cervical e transudato das paredes vaginais. Além disso, há presença de células descamativas da vagina, secreção das glândulas da vulva e das glândulas de Skene e de Bartholin.
Para mais, o estrogênio estimula a deposição de glicogênio nas células epiteliais vaginais, e esses são posteriormente degradados em glicose e ácido lático pelos Lactobacillus, bactérias predominantes no microbioma vaginal. Assim, a produção de ácido lático promove um pH vaginal ≤ 4.5.
Para mais, a produção do ácido lático, bem como do peróxido de hidrogênio, bacteriocinas e outras substâncias microbicidas pelos Lactobacillus sp., atuam inibindo o crescimento de outros microrganismos oportunistas e, possivelmente, apresentam importante papel na defesa imune inata do trato genital.
Entretanto, para além dos Lactobacillus, há outras bactérias que também estão presentes no microbioma vaginal, são elas a Prevotella, a Gardnerella, Atopobium e Megasphaera. E mais, outros microrganismos, como a Candida albicans e o Streptococcus sp. aeróbico também podem estar presentes, por serem germes tolerantes ao pH ácido da vagina.
Para mais, o muco cervical também apresentará alterações de aspecto de acordo com o ciclo menstrual que a paciente se encontra. Assim, na fase folicular, o muco será fluido, devido às altas concentrações de estrogênio. Já no período periovulatório, o muco apresenta aspecto filiante, ou seja, formará “fios” que podem ser observados durante a sua manipulação.
Ainda sobre o período periovulatório, ao realizar o exame a fresco do muco cervical, é possível observar a cristalização do muco, em um achado denominado “cristalização em folha de samambaia”. Em outras fases do ciclo ovulatório, essa cristalização não ocorre. Por fim, na fase lútea, devido ao aumento das concentrações de progesterona, o muco se encontrará espessado.
Para além dos fatores endógenos comentados anteriormente, a flora vaginal poderá sofrer alterações por diversas causas, entre elas, devido a gestação, ciclo menstrual e uso de contraceptivos. E ainda, de acordo com a frequência das relações sexuais, uso de duchas ou produtos desodorantes, antibióticos e medicações com propriedades imunossupressoras.
Quais são os sintomas identificados no paciente com tricomoníase?
Na tricomoníase, é comum a queixa de corrimento vaginal intenso, de coloração amarela ou amarela-esverdeada, que está associado a ardor vaginal e odor fétido. Para mais, os sintomas costumam se acentuar durante o período menstrual, devido à elevação do pH vaginal e do aumento da aquisição do ferro da hemoglobina pelo protozoário, aumentando sua virulência.
Além disso, devido ao processo inflamatório vulvovaginal intenso anteriormente citado, a paciente pode relatar prurido, edema vulvar e dispareunia. E ainda, sinusiorragia e, eventualmente, disúria. Entretanto, aproximadamente 1/3 das mulheres infectadas são assintomáticas ou apresentam sintomas muito leves, podendo a infecção nesses casos persistir por meses a anos.
Para você ficar sabendo todos os detalhes temos uma aula exclusiva que trata desse assunto, confira no nosso streaming de atualização médica. O Medclub Prime tem um preço que cabe no seu bolso e vai te manter atualizado, o que é muito importante para o seu dia-a-dia
Diagnóstico
Ao exame ginecológico, é possível evidenciar importante hiperemia dos genitais externos, bem como presença de corrimento espessado e de aspecto purulento, que pode se exteriorizar pela fenda vulvar.
No exame especular, é possível evidenciar o corrimento amarelo-esverdeado, com característica espumosa, que pode ser acompanhado por bolhas. Além disso, microulcerações podem estar presentes na ectocérvice, dando o aspecto conhecido por “colo em morango” ou “colo em framboesa”.
Além disso, ao teste de Schiller, os locais com microulcerações não coram adequadamente. Por isso, é possível evidenciar um achado de colo “onçoide” ou “tigróide”. Observe a imagem abaixo.
Para mais, devido a transudação inflamatória das paredes vaginais, o pH vaginal nas infecções por tricomoníase encontram-se > 4.5, estando comumente entre 6.7 e 7.5. Nesse meio alcalino, há aumento da proliferação de bactérias patogênicas, inclusive bactérias anaeróbicas.
Por isso, é comum o estabelecimento da vaginose bacteriana associada com a liberação de aminas de odor fétido, e provocam o surgimento de bolhas no corrimento vaginal purulento. Assim, o teste das aminas, realizado com solução de KOH a 10%, na maioria das vezes é positivo.
Por fim, a bacterioscopia a fresco é um importante exame para auxiliar no diagnóstico da IST. Para tal, deve-se colocar uma gota do conteúdo vaginal na lâmina do microscópio, e uma gota de solução salina (comumente soro fisiológico), que deve estar em temperatura ambiente ou levemente aquecida. Isso porque, caso esteja muito fria, pode imobilizar o protozoário, dificultando sua identificação.
Esse exame permite a observação do T. vaginalis, podendo-se evidenciar a presença do protozoário flagelado e móvel. Entretanto, a bacterioscopia a fresco apresenta sensibilidade de apenas 50% a 60%. Para visualizar a T. vaginalis movimentando-se na bacterioscopia a fresco veja o vídeo a seguir, especificamente o minuto 6:28.
Diagnóstico diferencial: vaginite inflamatória descamativa
A vaginite inflamatória descamativa é uma vulvovaginite não infecciosa que pode simular o quadro de tricomoníase. A paciente acometida por essa condição também pode apresentar hiperemia vulvar, corrimento purulento, dispareunia e dor. Além disso, o pH vaginal também costuma estar elevado, sendo > 4.5.
Entretanto, no exame a fresco da vaginite inflamatória descamativa, evidencia-se grande presença de leucócitos e células epiteliais, e T. vaginalis está ausente.
Se você quiser saber mais sobre este assunto acesse o nosso streaming de atualização médica, para assistir de onde e quando quiser. Sabe aquela dúvida que aparece no meio do plantão!? Os conteúdos atualizados do Medclub prime podem te ajudar a obter ainda mais êxito na sua prática médica
Tratamento para a Tricomoníase
O tratamento da tricomoníase é feito preferencialmente com o metronidazol, que pode ser feito em dose única, com 5 comprimidos de 400mg, para atingir a dose de 2g. Ou ainda, o esquema terapêutico pode ser feito com duas doses diárias de metronidazol de 250mg (500mg), 12/12h, por 7 dias.
O tratamento com metronidazol em gel por via vaginal não é recomendado, uma vez que a medicação não atinge níveis terapêuticos na uretra e glândulas de Skene e Bartholin.
Além disso, deve-se restringir o consumo de álcool durante o tratamento com o metronidazol e após 24 horas de seu uso, devido ao efeito antabuse da interação de imidazólicos com o álcool, que provocam sintomas de mal-estar, náuseas, vômito, tonturas e gosto “metálico” na boca. E mais, recomenda-se abstinência sexual durante o tratamento.
Por ser uma IST, é fundamental comunicar aos parceiros sexuais sobre a necessidade do tratamento, que deve ser preferencialmente presencial para as devidas orientações e solicitações de exames para outras ISTs (sífilis, HIV e hepatites B e C). E mais, o tratamento do(s) parceiro(s) sexual (ais) deve ser feito preferencialmente por dose única.
Ademais, devido às altas taxas de reinfecções em mulheres, recomenda-se que a paciente seja reexaminada após 3 meses da conclusão do tratamento. Em caso de recorrência da infecção, faz-se necessário diferenciar se a causa é uma reinfecção pelo parceiro(os), ou devido a não aderência ao tratamento. Ou ainda, se é devido à resistência ao metronidazol.
Assim, em casos de reinfecção, o esquema terapêutico prolongado (500mg via oral a cada 12 horas por 7 dias) é recomendado, devendo-se evitar o esquema terapêutico em dose única.
Por fim, para pacientes portadores do HIV, recomenda-se o tratamento com os esquemas habituais. Entretanto, devido a uma possível interação medicamentosa entre o ritonavir e o metronidazol, que pode provocar aumento da intensidade das náuseas e vômitos, recomenda-se realizar intervalo de duas horas entre a ingestão destas duas medicações.
E ainda, é imprescindível saber que ela pode alterar a classe da citologia oncológica. Por isso, em caso de alterações morfológicas celulares associadas à detecção de T. vaginalis na amostra, recomenda-se repetir a citologia após 3 meses da finalização do tratamento, para avaliar se há persistência das alterações.
Conclusão
As vulvovaginites são a principal causa de procura por ginecologistas, destacando-se três principais: a vaginose bacteriana, a candidíase e a tricomoníase. A diferenciação entre essas doenças é de fundamental importância na prática clínica de todo médico generalista. Assim, faz-se necessário o reconhecimento dos principais sintomas da tricomoníase, bem como o tratamento de escolha para a paciente e parceiros sexuais.
Continue aprendendo:
- Manejo, fatores de risco e quadro clínico da gestação ectópica
- Sangramento na primeira metade da gestação: causas, diagnóstico e tratamento
- Sepse na pediatria: como identificar e tratamento do paciente
FONTES:
- BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para atenção integral às pessoas com infecções sexualmente transmissíveis (IST). Brasília, DF, 2022
- Tratado de Ginecologia FEBRASGO / editores Cesar Eduardo Fernandes, Marcos Felipe Silva de Sá; coordenação Agnaldo Lopes da Silva Filho...[et al]. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2019
+400 de aulas de medicina para assistir totalmente de graça
Todas as aulas são lideradas por autoridades em medicina.