Endocrinologia
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Retinopatia diabética: classificação, sintomas e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
19/1/2024
 · 
Atualizado em
24/1/2024
Índice

A epidemia global de diabetes mellitus (DM) destaca-se como um desafio significativo para a saúde pública, afetando cerca de 9,3% da população mundial. O Diabetes Control and Complication Trial (DCCT) evidenciou a hiperglicemia crônica como o principal fator desencadeante da microangiopatia, particularmente nos rins e nos olhos. 

A retinopatia diabética (RD) emerge como a complicação vascular mais específica, conduzindo a desdobramentos trágicos quando culmina em cegueira. Este cenário sublinha a necessidade urgente de compreensão e intervenções eficazes para mitigar os seus efeitos devastadores e suas implicações para a saúde ocular.

O que é a retinopatia diabética?

Aspecto anatômico da retinopatia diabética. Fonte: Hospital de Olhos - Dr. Ricardo Guimarães 
Aspecto anatômico da retinopatia diabética. Fonte: Hospital de Olhos - Dr. Ricardo Guimarães 

A retinopatia diabética é a principal causa de cegueira entre indivíduos de 20 a 75 anos, sendo caracterizada por alterações vasculares na retina devido à hiperglicemia crônica, resultando em danos progressivos. A hiperglicemia constitui o seu principal fator de risco e, após 20 anos com diabetes mellitus, quase 100% dos indivíduos com o diabetes tipo 1 e entre 60% e 80% daqueles com diabetes tipo 2 irão desenvolver o quadro.

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Fisiopatologia

As causas das alterações anatômicas da retina neste tipo de complicação podem ser agrupadas em três categorias: bioquímicas, hemodinâmicas e endócrinas. Essas categorias interagem entre si e seguem uma sequência temporal, sendo a anormalidade bioquímica consistentemente associada ao início das alterações.

Dentre as alterações bioquímicas causadas pela hiperglicemia, destacam-se:

  • O aumento na atividade da via dos polióis: O sorbitol formado a partir da glicose aumenta o influxo de líquido, altera a permeabilidade da membrana e diminui os níveis de NADPH, NAD e a síntese de óxido nítrico, resultando em vasoconstrição, redução do fluxo sanguíneo, isquemia e lesão tissular
  • Glicação não-enzimática de proteínas: a oxidação gera glicotoxinas e produtos finais de glicosilação avançada, os quais são encontrados no plasma, na parede dos vasos e nos tecidos, exercendo sua ação por meio de receptores expressos no endotélio, resultando no aumento da permeabilidade vascular e na trombogenicidade
  • Estresse oxidativo: a depleção do NADPH gera acúmulo de radicais livres, proporcionando o estresse oxidativo
  • Ativação da proteína kinase C pela síntese de diacilglicerol: Essas substâncias regulam o tônus vascular, podendo contribuir para a perda da regulação vascular hemodinâmica
  • Alteração no fator vascular de crescimento endotelial (VEGF)

Outra anormalidade destacada é a adesão de leucócitos à parede dos capilares retinianos, resultando em oclusão, extravasamento vascular e contribuição para a hipóxia tecidual. A hipóxia em certas áreas da retina pode estimular tanto a produção quanto a facilitação da ação de fatores de crescimento, sendo o VEGF o mais específico entre eles. 

Além da hipóxia, os produtos da glicosilação estão diretamente relacionados ao aumento do RNA-m do VEGF in vitro. Os fatores de crescimento são proteínas com a capacidade de induzir mitose, mas também podem estimular quimiotaxia, síntese de matriz extracelular e diferenciação celular, sendo responsável pelo aumento na permeabilidade capilar e angiogênese.

A angiogênese desencadeada pelos fatores de crescimento vascular e citocinas inflamatórias, será caracterizada pelo aumento da quantidade de vasos na retina. Os novos vasos formados, devido à perda de periquitos (células especializadas na regulação da integridade e função capilar), tornam-se frágeis, comprometendo a barreira hemato-retiniana e aumentando o risco de hemorragias na cavidade vítrea.

Classificação da retinopatia diabética

Alterações encontradas na retinopatia diabética. Fonte: Saúde e bem-estar 
Alterações encontradas na retinopatia diabética. Fonte: Saúde e bem-estar 

A retinopatia diabética apresenta dois estágios principais clinicamente distintos: a retinopatia diabética não proliferativa (RDNP) e a retinopatia diabética proliferativa (RDP).

Na fase precoce da RDNP, observamos alterações intra-retinianas relacionadas ao aumento da permeabilidade capilar e possível oclusão vascular. Essa fase é caracterizada por microaneurismas, edema macular e exsudatos duros (lipoproteínas extravasadas). Geralmente, esse estágio é comum em pacientes com cerca de 25 anos de diabetes mellitus (DM) e, em muitos casos, pode não evoluir significativamente.

A progressão da RDNP (fase avançada) está associada à presença de extensas áreas de isquemia capilar, marcadas por exsudatos algodonosos, veias tortuosas e dilatadas (veias em rosário ou formato de salsicha), hemorragias na superfície da retina (hemorragia em chama de vela) e anormalidades microvasculares intra-retinianas. 

Este estágio mais avançado da forma não proliferativa é denominado pré-proliferativo. A intensa isquemia nesse estágio desencadeia a liberação de substâncias vasoativas, principalmente fatores de crescimento, estimulando o surgimento de neovasos.

Quando a neovascularização se manifesta na interface vítrea da retina, a condição é classificada como retinopatia diabética proliferativa (RDP). Os neovasos geralmente se originam no disco óptico e/ou nas grandes veias da retina, podendo se estender para o vítreo. 

Este estágio é crítico, pois o rompimento dos vasos neoformados pode resultar em sangramentos maciços na cavidade vítrea ou pré-retiniana, levando a sintomas visuais como "pontos flutuantes" ou "teias de aranha" no campo visual, além de perda visual se não tratado a tempo. Ainda, nessa fase pode ocorrer aderências vitro-retinianas, aumentando o risco de descolamento retiniano e glaucoma agudo

Sintomas da retinopatia diabética

Retinopatia diabética não proliferativa

Na RDNP, os pequenos vasos sanguíneos da retina podem vazar fluido ou sangue, resultando em pequenas saliências. Essa condição pode levar ao inchaço de áreas da retina, causando danos ao campo de visão. Inicialmente, os efeitos na visão podem ser mínimos, mas há uma progressiva piora.

Pontos cegos podem se desenvolver, muitas vezes passando despercebidos pelo paciente e sendo identificados apenas por meio de exames. Se o vazamento ocorrer próximo à mácula, a região central da retina, a visão central pode tornar-se embaçada

O edema macular, causado pelo acúmulo de líquido dos vasos sanguíneos, pode resultar em uma perda significativa da visão, embora em casos avançados a retinopatia não necessariamente cause perda de visão.

Retinopatia diabética proliferativa

Já na RDP, a lesão na retina estimula o crescimento de novos vasos sanguíneos de maneira anômala, podendo resultar em sangramento ou cicatrizes. Cicatrizes importantes podem levar ao descolamento da retina, o qual vai gerar sintomas ainda mais importantes.

Esta forma de retinopatia geralmente resulta em maior perda de visão em comparação com a não proliferativa, podendo levar à cegueira total ou quase total, especialmente devido a hemorragias extensas no humor vítreo ou a um descolamento da retina por tração. 

O crescimento de novos vasos sanguíneos também pode causar glaucoma neovascular, uma forma dolorosa de glaucoma que obstrui a drenagem de fluido no olho, causando acúmulo de pressão ocular. Os sintomas da retinopatia diabética proliferativa incluem visão embaçada, pontos flutuantes ou flashes de luz no campo de visão, e perda súbita, grave e indolor da visão.

Como realizar o diagnóstico?

A detecção precoce é de extrema importância para a eficácia dos tratamentos, uma vez que a gravidade da condição está diretamente relacionada ao resultado terapêutico. O exame oftalmológico completo, que inclui oftalmoscopia direta e indireta, além da biomicroscopia da retina sob midríase medicamentosa, é fundamental para a detecção (86%) e a classificação da retinopatia. 

A documentação fotográfica, por meio da retinografia, também será útil para avaliação da progressão da doença. A Academia Americana de Oftalmologia preconiza que o exame oftalmológico seja realizado no momento do diagnóstico, especialmente naqueles com DM tipo 2, dada a alta prevalência de retinopatia neste grupo. 

Nos pacientes com DM tipo 1, a prevalência é consideravelmente menor nos primeiros 5 anos da doença (13%), aumentando significativamente após 10 e 15 anos (90%). Se o DM for diagnosticado durante a gestação, o exame deve ser repetido trimestralmente, mesmo que a visão corrigida seja perfeita (20/20) e o paciente ainda não apresente sintomas visuais.

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Tratamento para a retinopatia diabética

O tratamento da retinopatia diabética envolve diversas abordagens de acordo com a classificação com o objetivo de preservar a visão e prevenir complicações. Inicialmente, é imprescindível o controle otimizado da glicose, pressão arterial e níveis de colesterol sérico. Posteriormente, iniciasse as abordagens intraoculares padronizadas, dependendo das características específicas da condição:

Edema Macular Diabético (EMD)

Terapia Anti-VEGF

Pacientes com Edema Macular Diabético (EMD) se beneficiam da terapia anti-VEGF, utilizando agentes como ranibizumabe, bevacizumabe e aflibercepte. Estudos demonstraram a eficácia desses agentes na redução do EMD e na melhoria da visão.

Frequência de Injeções

A frequência ótima de injeções e a duração do tratamento com anti-VEGF ainda não são completamente conhecidas. Geralmente, no primeiro ano de tratamento, são necessárias injeções intravítreas frequentes, com menos injeções nos anos subsequentes para a manutenção da remissão.

Retinopatia Diabética Proliferativa (RDP)

Fotocoagulação Panretiniana a Laser (PRP)

A fotocoagulação panretiniana a laser tem se mostrado eficaz na redução do risco de perda de visão. Ela é considerada o tratamento preferencial para todos os estágios de RDP e NPDR grave.

Alternativa com Anti-VEGF

Estudos recentes indicam que a injeção intravítrea de anti-VEGF pode ser uma alternativa segura para o tratamento da RDP. Resultados do estudo CLARITY indicaram que olhos tratados com anti-VEGF (aflibercept) tiveram resultados visuais superiores em comparação com aqueles tratados com PRP em 1 ano.

A adesão a acompanhamentos frequentes, carga de tratamento e preferências dos pacientes deve ser considerada ao aplicar os resultados de ensaios clínicos à prática clínica do mundo real. Por fim, é essencial que a intervenção seja realizada precocemente para evitar a progressão da doença e preservar a visão. A escolha do tratamento depende da fase da retinopatia e das características individuais do paciente.

Conclusão

A Retinopatia Diabética (RD) é uma complicação ocular grave associada ao diabetes, afetando significativamente a visão e a qualidade de vida. Avanços terapêuticos, como a terapia anti-VEGF e a fotocoagulação panretiniana, demonstram eficácia no tratamento do Edema Macular Diabético (EMD) e da Retinopatia Diabética Proliferativa (RDP). 

Contudo, a detecção precoce e o controle metabólico são cruciais. A pesquisa contínua nas bases moleculares da doença oferece perspectivas promissoras para tratamentos mais específicos. Dessa forma, a abordagem integrada e a conscientização são fundamentais para mitigar o impacto visual e melhorar a gestão da RD.

Continue aprendendo:

FONTES:

  • Lin KY, Hsih WH, Lin YB, Wen CY, Chang TJ. Update in the epidemiology, risk factors, screening, and treatment of diabetic retinopathy. J Diabetes Investig. 2021 Aug;12(8):1322-1325. doi: 10.1111/jdi.13480. Epub 2021 Jan 14. PMID: 33316144; PMCID: PMC8354492.
  • MSDMANUALS 
  • Bosco A, Lerário AC, Soriano D, Santos RF dos, Massote P, Galvão D, et al. Retinopatia diabética. Arq Bras Endocrinol Metab [Internet]. 2005Apr;49(2):217–27.

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