A rotura prematura de membranas ovulares (RPMO), também conhecida como amniorrexe prematura, complica em 10% de todas as gestações quando ocorre antes de 37 semanas, sendo responsável por cerca de um terço dos partos prematuros em todo o mundo. O aumento do risco de infecção é a principal complicação nesses casos.
O que é a rotura prematura de membranas ovulares?
A RPMO consiste na rotura das membranas ovulares antes do início do trabalho de parto. O período de latência (ie. Período entre a rotura e o parto) é inversamente proporcional a idade gestacional de modo que em 80% das gestações a termo esse período ocorre dentro de 24 horas.
Fisiopatogenia
As membranas ovulares que envolvem o líquido amniótico desempenham um papel crucial na manutenção da integridade uterina durante a gestação. A fisiopatogenia da RPMO envolve diversos mecanismos como: inflamação, infecção, estresse mecânico ou fragilidade das membranas.
Uma das principais causas está associada à ativação prematura do sistema inflamatório no contexto da gestação. Citocinas pró-inflamatórias, como interleucina-1 (IL-1), interleucina-6 (IL-6) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), desempenham um papel central nesse processo, levando à produção de enzimas que podem enfraquecer as fibras colágenas das membranas ovulares.
A infecção ascendente também é uma causa importante, onde microrganismos patogênicos podem atingir as membranas ovulares, desencadeando uma resposta inflamatória. Os germes mais associados são a G. vaginallis, a N. gonorrhoeae e o Estreptococo do grupo B. E mais, a E. coli e as Bacteroides sp. O processo inflamatório pode comprometer a integridade das membranas, levando à sua ruptura prematura.
Além disso, fatores como distensão excessiva do útero devido a polidrâmnio, múltiplas gestações ou apresentação anormal do feto podem contribuir para o enfraquecimento das membranas e aumentar o risco de RPMO.
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Fatores de risco e causas da rotura prematura de membranas ovulares
A rotura prematura de membrana ovulares está associada a diversos fatores de risco. Entre eles, destaca-se a amniorrexe prematura em gestações anteriores, com uma recorrência que varia entre 13% e 30%. Além disso, a infecção genital representa o fator isolado mais comum relacionado à condição.
O tabagismo também desempenha um papel significativo, aumentando o risco de duas a quatro vezes. Outros fatores incluem sangramento nos segundo e terceiro trimestres, colo curto, baixo índice de massa corporal (IMC), baixo padrão socioeconômico e o uso de drogas ilícitas.
Quadro clínico
Classicamente, as pacientes irão referir uma história de perda de líquido em quantidade variável que, inicialmente “escorre pelas pernas”, adquirindo, posteriormente, um caráter intermitente. Em alguns casos, a RPMO pode ser confundida com corrimentos vaginais (especialmente por cândida), dessa forma, é fundamental caracterizar a quantidade, aspecto, cor e odor do fluido por meio do exame físico.
Durante a inspeção vulvar, é possível observar o líquido amniótico (LA) escoando pela rima vulvar, com a possível presença de grumos ou traços de mecônio quando a gestação atinge o termo.
No exame especular, é importante evitar o uso de lubrificantes. O diagnóstico é confirmado quando se visualiza o líquido amniótico escoando espontaneamente pelo orifício cervical, tornando dispensáveis outros testes nessa condição. Se necessário, a paciente pode ser solicitada a tossir ou realizar voluntariamente a manobra de Valsalva (teste de esforço).
No entanto, esses achados são mais comuns nas primeiras horas após a rotura. Em casos duvidosos, pode-se analisar o pH vaginal (na gravidez o pH varia entre 4,5 e 6; o LA possui pH entre 7,1 e 7,3), fazer o teste de cristalização do conteúdo vaginal (o LA se cristaliza durante a gestação) e o teste do azul do Nilo (pesquisa microscópica de elementos citológicos).
Outras avaliações podem ser feitas pelo teste de Iannetta, teste de fibronectina fetal e testes comerciais para diagnóstico de RPMO (AmniSure®, Actim PROM®, ROM Plus®).
A ultrassonografia pode complementar os achados, porém não dá o diagnóstico por si só, devendo-se correlacionar com a anamnese e exame físico. Em até 70% das gestações, oligoâmnio ou anidrâmnio podem ser observados no primeiro exame pós-rotura das membranas, corroborando com a história clínica.
Quando a ruptura ocorre antes das 22 semanas e a história não é típica, é crucial investigar a presença de malformações renais (rins policísticos ou mesmo agenesia renal). O índice de LA pode permanecer dentro da faixa normal, mesmo na presença de amniorrexe, especialmente se houve polidrâmnio anteriormente.
Qual a conduta deve ser adotada?
Não existe um tratamento específico para rotura prematura de membranas ovulares, mas sim uma conduta a ser adotada! As abordagens tomadas são baseadas na idade gestacional, na presença de infecções, em possíveis anormalidades materno-fetais ou na existência de trabalho de parto.
A primeira e mais crucial decisão clínica envolve a escolha entre adotar uma postura expectante ou induzir o trabalho de parto!
Como a prematuridade é a principal causa de morbimortalidade, em todo o mundo, opta-se por tentar manter uma conduta conservadora em pacientes com idade gestacional entre 24 e 34 semanas, devendo-se atentar para os protocolos adequados para uso de antibióticos, corticoides e rastreio de infecções.
Rastreio de infecções
Para rastreio infeccioso recomenda-se:
- Monitoramento dos sinais vitais e temperatura a cada 6 horas.
- Exame obstétrico diário: avaliar o feto (BCF e movimentação espontânea) e procurar sinais de corioamnionite (tônus e aumento da sensibilidade uterina).
- Exame especular no mínimo semanalmente com avaliação das características do LA.
- Solicitação de leucograma a cada 3 dias. Atentar-se para: Leucometria > 15.000/mm3; Aumento da taxa de leucócitos de 20% ou mais em dois exames; Desvio à esquerda (A proporção normal de neutrófilos bastonetes e segmentados [B/S] é de 1/16); Presença de granulações tóxicas grosseiras nos neutrófilos.
Uso de corticoides
O uso de corticoides apresenta diversos benefícios em relação à prematuridade, como redução do risco de óbito neonatal, dos índices da síndrome de desconforto respiratório, de hemorragias cerebrovasculares e de enterocolites necrosantes. Além da necessidade de suporte ventilatório, de admissões em unidades intensivas neonatais e de incidência de infecções sistêmicas em 48 horas de vida.
Os seguintes esquemas podem ser utilizados:
- Betametasona 12mg IM – repetir após 24 horas – total de duas doses.
- Dexametasona 6mg IM a cada 12 horas – total de quatro doses.
Vale salientar que o seu uso não aumenta os riscos de infecção materno-fetais.
Uso de antibióticos
Ainda, há evidências indicando que a administração profilática regular de antibióticos de amplo espectro pode prolongar o período de latência, diminuir as taxas de infecções maternas e neonatais, e reduzir a morbidade neonatal relacionada à idade gestacional.
Além disso, os resultados destacam uma significativa redução da incidência de corioamnionite, diminuição das taxas de partos ocorridos em 48 horas e 7 dias, além de uma redução notável nas infecções neonatais e na necessidade de uso de surfactantes.
Entretanto, não há consenso sobre a escolha ideal, visto que vários esquemas antibióticos têm demonstrado eficácia. Um possível esquema sugerido é o seguinte:
- Ampicilina 2g IV a cada 6 horas por 48 horas, seguida por amoxicilina (500mg VO a cada 8 horas) por mais 5 dias (total de 7 de dias)
+ - Azitromicina 1g VO na admissão e 5 dias depois
O uso de amoxicilina com clavulanato é contraindicado em razão do elevado risco de enterocolite necrosante. Em pacientes comprovadamente alérgicas aos beta-lactâmicos, pode ser considerado o uso de eritromicina.
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Uso de tocolíticos
O emprego de tocolíticos em casos de rotura prematura de membranas ovulares ainda gera controvérsias. Quando não há evidência de infecções maternas, o ACOG (2016) recomenda considerar a tocólise com o claro objetivo de permitir o uso de corticoides e sulfato de magnésio para neuroproteção fetal, além de, quando necessário, facilitar o transporte intra útero para serviços mais adequados ao nascimento naquela idade gestacional. A tocólise profilática não deve ser realizada.
Nesta fase, o cuidado com o bem-estar fetal assume importância fundamental. Deve-se realizar os seguintes exames:
- Ultrassonografia (confirmação da idade gestacional, ganho de peso, morfologia fetal e a magnitude do oligoâmnio).
- Cardiotocografia a partir da 32ª semana de gestação
- Mobilograma diário
- Exames laboratoriais (Classificação sanguínea, VDRL, sumário de urina e urocultura e atualização da rotina de exames do pré-natal)
Não se deve utilizar corticoides, tocólise, neuroproteção com MgSO4 ou profilaxia para transmissão vertical por estreptococo do grupo B antes de 24 semanas de gestação.
Interrupção da gestação
Atualmente, apesar das evidências disponíveis, não existe consenso quanto ao momento ideal para a interrupção em gestações com amniorrexe após 34 e antes de 37 semanas, e as condutas devem ser individualizadas.
Uma revisão da Cochrane analisou a conduta conservadora (aguardar trabalho de parto espontâneo) e a interrupção planejada da gestação (geralmente por indução realizada dentro de 24 horas com ocitocina ou prostaglandinas) na presença de amniorrexe com gestação a termo (Middleton e cols., 2017).
Os resultados não mostraram diferenças significativas entre os grupos com relação a: risco de cesariana, mortalidade ou morbidade materna grave, sepse neonatal precoce definida ou mortalidade perinatal.
No entanto, a incidência de corioamnionite e/ou endometrite foi menor em mulheres que realizaram a interrupção planejada da gestação e, quanto aos neonatos, foi menor o número de admissões e o período do internamento em unidades de cuidados intensivos.
Assim, é recomendada a interrupção de gestações a termo com rotura prematura de membranas ovulares que não tenham desencadeado trabalho de parto. No entanto, a interrupção da gestação não significa necessariamente via alta ou cesariana. Podem ser realizados procedimentos de indução com análogos da prostaglandina e com ocitocina conforme indicações específicas.
A conduta expectante é aceitável diante da recusa materna em se submeter à indução e se houver condições satisfatórias materno-fetais, visto que mais de 60% dessas gestantes vão iniciar o trabalho de parto espontaneamente em 24 horas e 95% em 72 horas.
Por fim, o Centers of Disease Control and Prevention recomenda rastreio universal com cultura (vaginal e retal) entre 35 e 37 semanas. Assim, durante o trabalho de parto, devem receber profilaxia contra a transmissão vertical de estreptococos do grupo B as gestantes com:
- Cultura positiva vaginal e/ou anal.
- Antecedentes de neonato que apresentou infecção por estreptococo do grupo B.
- Trabalho de parto antes de 37 semanas com resultado desconhecido de cultura ou cultura não realizada.
- Febre durante o trabalho de parto (≥ 38oC).
- RPMO ≥ 18 horas.
A penicilina cristalina é o antibiótico de escolha para a profilaxia da transmissão vertical e deve ser mantida até o parto, com esquema de ataque e manutenção:
- Ataque: penicilina cristalina 5 milhões UI diluídas em 100mL de soro IV.
- Manutenção: 2,5 a 3 milhões UI diluídas em 50mL de soro IV a cada 4 horas.
Qualquer intervenção realizada antes do início do trabalho de parto, como o tratamento de uma infecção urinária, não é eficaz na prevenção da transmissão vertical, uma vez que a bactéria presente no intestino pode recolonizar o trato genital rapidamente.
Conclusão
A ruptura prematura de membranas ovulares representa uma condição obstétrica desafiadora, influenciada por uma gama de fatores que afetam a integridade das membranas ovulares durante a gestação.
A gestão clínica eficaz dessa condição demanda uma abordagem integrada, considerando cuidadosamente a idade gestacional, presença de infecções, fatores de risco materno-fetais e outros elementos que possam contribuir para a sua ocorrência.
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FONTES:
- Santos LC, Mendonça VG, Valente EP, Cunha ASC. Obstetrícia – Diagnóstico e tratamento. Centro de Atenção a Mulher. Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira. 2ª Edição. 2018
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