Pediatria
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Diarreia Aguda na pediatria: epidemiologia, sintomas e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
18/6/2024
 · 
Atualizado em
18/6/2024
Índice

A diarreia, ou Gastroenterocolite, é uma das queixas mais comuns nos setores de emergência do Brasil e, apesar dos avanços nos cuidados sanitários e alimentares, a carência de melhores fiscalizações e investimentos contínuos nas comunidades de baixa renda possibilita a manutenção da alta prevalência de tal condição, fazendo dela um problema de saúde pública e de mortalidade infantil ainda nos dias atuais.

O que é Diarreia?

A diarreia pode ser definida pela presença de fezes amolecidas e/ou líquidas em 3 ou mais evacuações nas últimas 24 horas, podendo ser caracterizada também por uma mudança no padrão evacuatório habitual do paciente. Associado a isso, podemos também definir como disenteria aquele quadro diarreico juntamente com sangue e/ou leucócitos nas fezes.

Como pode ser classificada?

A diarreia pode ser classificada quanto ao seu tempo de duração, isto é, sendo chamada de diarreia aguda aquela que persiste até 14 dias, de diarreia persistente entre 14 e 30 dias, e de crônica a que houver duração maior que 30 dias sendo, neste último caso, necessária uma investigação mais específica. Contudo, devido a uma maior prevalência dos quadros diarréicos agudos, o conceito de Gastroenterocolite Aguda (GECA) é mais disseminado.

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Etiologia

Do ponto de vista etiológico, a GECA pode ser classificada entre: infecciosa e não infecciosa. No entanto, há maior prevalência de origem infecciosa, principalmente em países em desenvolvimento e naqueles pacientes menores de 5 anos, sendo o rotavírus o patógeno mais comum. Em contrapartida, as não infecciosas costumam ser causadas por alergias, intolerâncias, erros alimentares e alguns medicamentos.

Quais os principais agentes infecciosos virais?

Para melhor compreensão da gastroenterocolite aguda, é de extrema importância a identificação do possível agente etiológico quando infeccioso, podendo ser vírus, bactérias ou protozoários. Dentre os vírus, o Rotavírus é o mais comum, uma vez que tem distribuição mundial, isto é, está presente tanto em países em desenvolvimento como naqueles já desenvolvidos. 

Outros vírus prevalentes são: adenovírus entérico, coronavírus, norovírus (calcivírus) e astrovírus. Vale destacar que o norovírus está mais relacionado com surtos epidêmicos de GECA por transmissão em água e alimentos.

Quais os principais agentes infecciosos bacterianos e protozoários?

Apesar de estar em menor prevalência quando comparado com os vírus, os agentes bacterianos devem ser sempre lembrados como etiologia possível, uma vez que seu acometimento sistêmico é mais intenso, proporcionando maiores risco de complicações, como rebaixamento do nível de consciência e sepse. 

Já os protozoários, considerando a epidemiologia parasitária do Brasil, também são etiologias possíveis para gastroenterocolite aguda com destaque para: Giardia intestinalis, Entamoeba histolytica, Cyclospora cayetenensis e Cryptosporidium parvum. Abaixo segue uma tabela com as principais bactérias e suas características clínicas:

Agente infeccioso Característica Clínica
Escherichia coli enterotoxigênica (ETEC) Diarreia do lactente
Diarreia do viajante
Diarreia líquida abudante sem sangue, dor abdominal e febre baixa
Escherichia coli enteroinvasiva (EIEC) > 2 anos e adultos Disenteria, febre cólica, mal-estar. Semelhante à Shigella
Escherichia coli enterohemorrágica (EHEC) Gado é o principal reservatório Enterocolite, fezes com sangue, colite hemorrágica, Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU)
Shigella spp. S. flexineri: endêmico em países em desenvolvimento
S. sonei: mais frequente, sem gravidade
Diarreia secretora, SHU, febre alta, dor abdominal intensa
Salmonella Lactentes, idosos e imunocomprometidos Náuseas e vômitos, dor abdominal, febre e diarreia
Clostridium difficile Uso prévio de antibiótico Diarreia líquida ou disenteria
Vibrio cholerae Início abrupto Diarreia semelhante à água de arroz, desidratação e choque hipovolêmico
Fonte: Tratado da Sociedade Brasileira de Pediatria, 5° ed., Volume 1

Métodos Diagnósticos

Associado com a definição de gastroenterocolite aguda, o seu diagnóstico é exclusivamente clínico. No entanto, é de extrema importância a avaliação clínica geral do paciente, para a identificação de possíveis repercussões, como desidratação (mais comum) e desnutrição. Vale ressaltar que, indivíduos já em desnutrição possuem maiores risco de evolução para diarreia persistente pelas alterações fisiopatológicas da condição de base no TGI. 

Importante recordar que o problema em pacientes lactentes pode estar associado com pneumonia, meningite, otite média, infecção do trato urinário e septicemia bacteriana. A identificação do agente etiológico específico dificilmente é feita e, nesse sentido, os aspectos epidemiológicos devem ser considerados, bem como alguns sinais que indiquem uma GECA bacteriana:

  • Disenteria
  • Comprometimento do estado geral
  • Cólera grave

ATENÇÃO!  pacientes em desnutrição devem ter antibioticoterapia iniciada imediatamente.

Como identificar a desidratação?

Considerando a desidratação como uma das complicações secundárias da GECA que mais precocemente pode surgir, alguns parâmetros precisam ser avaliados para o seu diagnóstico e classificação do nível de gravidade, de maneira que a melhor forma de suporte hídrico para o paciente seja escolhida. Abaixo segue o parâmetros orientados pelo Ministério da Saúde:

Como deve ser feito o tratamento?

Reiterando o curso natural mais comum da gastroenterocolite aguda, já que a etiologia viral é de maior prevalência, a característica autolimitada infere a necessidade, em sua maioria exclusiva, de condutas de suporte hídrico quando não há uma desnutrição ou outras complicações associadas. Para isso, o Ministério da Saúde, juntamente com a Sociedade Brasileira de Pediatria, orientam a adaptação do plano de hidratação de acordo com o nível de desidratação:

PLANO A (Orientações para residência, sem necessidade de internamento)

Oferecer mais o líquido de ingestão habitual para o paciente, como água e leite, podendo ser o Soro de Reidratação Oral (SRO). Deve ser estimulada a hidratação após cada episódio evacuatório, mantendo vigilância por 48 horas e, se não houver melhora, será precisp retornar a emergência. Além disso, administração de Zinco é essencial, 1x dia durante 10-14 dias:

  • 10mg/dia até 6 meses
  • 20 mg/dia de 6 meses até menores de 5 anos

Abaixo segue volume de líquido que deve ser ingerido/estimulado:

  • Menores de 1 ano: 50 - 100 ml
  • Entre 1 e 10 anos: 100 - 200 ml
  • Maiores de 10 anos: Até o máximo de aceitação

PLANO B (manter em vigilância no setor)

O paciente deve ficar no setor de emergência durante a hidratação, a qual é realizada por via oral com SRO durante 4 ou 6 horas, sendo o volume médio administrado de 75 ml/kg. O paciente deve ter seu plano de hidratação adaptado, de forma que se houver melhora o plano A deve ser indicado, enquanto que se piorar ou não melhorar após 6 horas, o plano C juntamente com o internamento é a melhor opção.

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PLANO C (internamento)

Para pacientes em condições de descompensação hemodinâmica por desidratação, ou seja, em presença de aspectos clínicos de choque hipovolêmico, o início de hidratação intravenosa de emergência está indicado, juntamente com o seu internamento para melhor suporte clínico. 

O plano consiste em um fornecimento hídrico rápido para expansão volumétrica, como forma de ressuscitação volêmica, seguido de uma fase de manutenção e reposição mais gradual. Deve haver observação do paciente nas primeiras 6 horas para possível resposta clínica, objetivando a adaptação do plano, seja manter no plano C ou regredir para A/B.

PLANO C
PARA TRATAR A DESIDRATAÇÃO GRAVE POR VIA ENDOENOSA NO ESTABELECIMENTO DE SAÚDE/HOSPITAL
C.1 ADMNISTRAR REIDRATAÇÃO VENOSA - FASE DE EXPANSÃO E FASE DE MANUTENÇÃO/REPOSIÇÃO
FASE DE EXPANSÃO - MENORES DE 1 ANO*
SOLUÇÃO VOLUME TEMPO DE ADMNISTRAÇÃO
Soro fisiológico a 0,9% ou ringer lactato 30 ml/Kg 1 hora
Soro fisiológico a 0,9% ou ringer lactato 70 ml/kg 5 horas
FASE DE EXPANSÃO - A PARTIR DE 1 ANO*
SOLUÇÃO VOLUME TEMPO DE ADMNISTRAÇÃO
Soro fisiológico a 0,9% ou ringer lactato 30 ml/Kg 30 minutos
Soro fisiológico a 0,9% ou ringer lactato 70 ml/kg 2 horas e 30 minutos
*Para recém-nascidos ou menores de 5 anos com cardiopatias graves, começar com 10 ml/Kg de peso
FASE DE MANUTENÇÃO/REPOSIÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS
SOLUÇÃO VOLUME TEMPO DE ADMINISTRAÇÃO











Soro glicosado a 5% + soro fisiológico a 0,9% na proporção de 4:1 (manutenção)
Peso até 10 Kg 100 ml/Kg







24 horas
Peso de 10 a 20 Kg 1000 ml + 50 ml/Kg de peso que exceder 10 Kg
Peso acima de 20 Kg 1500 ml + 20 ml/Kg de peso que exceder 20 Kg (no máximo 2000 ml)
+
Soro glicosado a 5% + soro fisiológico a 0,9% na proporção de 1:1 (reposição) Iniciar com 50 ml/Kg/dia. Reavaliar esta quantidade de acordo com as perdas do paciente
+
Kcl a 10% 2 ml para cada 100 ml de solução da fase de manutenção

Tratamento de GECA bacteriana e por protozoários

Para as infecções bacterianas, o uso de antibiótico (ATB) está indicado e deve ser selecionado de acordo com a idade e o peso do paciente. Em casos de paciente com desnutrição, a primeira dose de ATB deve ser feita imediatamente, intramuscular se não estiver hospitalizado, seguida de transferência do paciente para um serviço hospitalar de referência. Por outro lado, caso haja suspeita de infecção por protozoários, o tratamento com anti-helmínticos deve ser feito.

MANEJO DO PACIENTE COM DIARREIA
Idade/peso Antibiótico Dose


Até 10 anos/até 30 Kg
Azitromicina 10 mg/Kg no primeiro dia e 5 mg/Kg por mias 4 dias, via oral. Total: 5 dias
Ceftriaxona 50 a 100 mg/Kg intramuscular 1 vez ao dia. Total: 3 a 5 dias
Se menor de 3 meses ou em caso de imunodeficiência: 50 a 100 mg/Kg endovenosa, 1 vez ao dia


> 10 anos/ > 30 Kg
Ciprofloxacino 1 comprimido de 500mg de 12/12h, via oral, por dia 3 dias
Ceftriaxona 50 a 100 mg/ Kg intramuscular 1 vez ao dia por 3 a 5 dias.
Casos graves: 50 a 100 mg/Kg/dia endovenosa, por 3 a 5 dias
Cefotaxima Casos graves: 100 mg/Kg, dividido em 4 doses
Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Doenças Transmissíveis. Manejo do paciente com diarreia. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2023

Conclusão

Diarreia é uma condição clínica extremamente perigosa com diversas evoluções clínicas possíveis, ou seja, alguns pacientes têm uma melhora significativa em poucos dias e sem grandes repercussões hídricas, enquanto outros podem ter graves níveis de desidratação por uma diarreia prolongada ou muito intensa. Nesse sentido, considerando também a dificuldade de diagnóstico etiológico específico e as possíveis complicações associadas, a diarreia deve ser continuamente valorizada a fim de garantir sobrevida aos pacientes.

Continue aprendendo:


FONTES:

  • Tratado da Sociedade Brasileira de Pediatria, 5° ed., Volume 1
  • Guia Prático de Atualização, Diarreia Aguda Infecciosa - Sociedade Brasileira de Pediatria
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Doenças Transmissíveis. Manejo do paciente com diarreia. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2023
  • Manejo do paciente com diarreia, avaliação do estado de hidratação do paciente - Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Pediatria.

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