Por: Beatriz Lages Zolin
O abdome agudo é uma condição de urgência que envolve principalmente dor abdominal súbita. Entre um leque extenso de causas, o médico deve realizar uma boa anamnese, exame físico e solicitar os exames adequados para identificar o diagnóstico e proceder com o correto tratamento de emergência, seja ele clínico ou cirúrgico.
Podemos agrupar as causas de abdome agudo em 5 grupos, obstrutivo, vascular, perfurativo, hemorrágico e inflamatório, sendo este último o mais comum, tendo etiologias como apendicite, colecistite e diverticulite, em que a escolha do procedimento cirúrgico, bem como o melhor momento para realizá-lo é o que faz diferença entre um bom e mal resultado.
O que é abdome agudo inflamatório?
O abdome agudo inflamatório é a causa mais comum de dor abdominal súbita e possui uma tríade característica: dor abdominal, febre e náuseas. Nos casos com má evolução, ou manejo inadequado, o paciente desenvolve peritonite, que caracteriza-se por uma inflamação generalizada no abdome, com bastante sensibilidade ao toque, rigidez muscular (abdome em tábua), vômitos e anorexia (perda do apetite).
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Quais as principais causas do abdome agudo inflamatório?
Existem várias etiologias de abdome agudo inflamatório, mas quando o paciente consegue localizar melhor a dor, podemos ter pistas sobre o diagnóstico. Dor em hipocôndrio direito pode indicar causas de origem em vias biliares e o sinal de Murphy indicaria colecistite e tríade de Charcot (febre, icterícia e dor abdominal) sugeriria colangite aguda.
Pensamos em urolitíase ou pielonefrite quando houver dor em flancos e dorso e sinal de Giordano positivo. Um indicativo de pancreatite seria dor no andar superior do abdome e dorso (dor "em faixa"). Dor em fossa ilíaca esquerda é bem característica de diverticulite.
Mas a causa mais comum em crianças, adultos e gestantes continua sendo a apendicite, descrita com dor em fossa ilíaca direita. O apêndice vermiforme é um pequeno anexo do ceco, primeira porção do intestino grosso e atua no sistema imune como reservatório de bactérias "do bem" (para recolonizar o cólon quando necessário).
Quando o apêndice inflama, ocorre intensa proliferação bacteriana, distendendo o órgão. Inicialmente isso gera um quadro de dor difusa, mas ao passo que essa inflamação "chega" no peritônio parietal, o paciente relata uma dor muito mais intensa e localizada na fossa ilíaca direita.
Os sinais em exame físico que indicam apendicite são o sinal de Blumberg (dor à descompressão no ponto de Mcburney), sinal de Rovsing, sinal de psoas e sinal do obturador.
Exames diagnósticos
Ao abordar um paciente com abdome agudo inflamatório, é necessário realizar uma anamnese completa e solicitar exames laboratoriais e de imagem.
Na anamnese é fundamental questionar melhor sobre a dor abdominal (qual o caráter da dor, o local, se há irradiação, intensidade, início e progressão da dor), medicações em uso, comorbidades prévias e possíveis sintomas associados, como vômitos, perda de peso, diarreia, sintomas urinários ou distensão abdominal.
Entre os exames laboratoriais, pedir hemograma, coagulograma, gasometria arterial e colher hemoculturas (antes de iniciar antibioticoterapia empírica). Exames de urina são também muito úteis, assim como marcadores hepáticos (TGO, TGP, albumina, bilirrubina total e frações), pancreáticos (amilase e lipase sérica), renais (creatinina e ureia) e inflamatórios (PCR e VHS).
Entre os exames de imagem, inicialmente o que mais se recomenda é a ultrassonografia e tomografia computadorizada de abdome. Na suspeita de diverticulite, não realizar colonoscopia, pois há risco de perfuração, o que aumenta a gravidade do quadro do paciente.
Lembrando de diagnósticos diferenciais, é útil realizar investigação cardiológica (RX de tórax, ECG ou ECO) em pacientes acima de 40 anos com dor epigástrica e náusea, além de exame de beta-hcg e ultrassom pélvico em mulheres em idade fértil (pensando em gravidez ectópica rota).
ATENÇÃO! A radiografia de tórax além de descartar doenças com causas supradiafragmáticas, também é conveniente para avaliar se há pneumoperitônio (ar sob o diafragma), que indicaria perfuração visceral.
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Diagnósticos diferenciais
Há diversos diagnósticos diferenciais para o abdome agudo inflamatório. Certas etiologias produzem um quadro de abdome agudo “falso”, quando a dor não tem origem no abdome, como o infarto agudo do miocárdio, embolia pulmonar e pneumonia (muito comum simular uma apendicite em crianças). Por essa razão é imprescindível a realização de um raio x de tórax, além da tomografia de abdome.
Entre outras causas não cirúrgicas de abdome agudo, temos as hematológicas (crise falciforme, leucemia aguda e outras discrasias sanguíneas), endócrinas (uremia, cetoacidose diabética e crise Addisoniana) e por intoxicações (por chumbinho ou outros metais pesados).
Entre as outras condições cirúrgicas, o abdome agudo tem as causas hemorrágicas, perfurativas, obstrutivas e vasculares, como já mencionado anteriormente. A causa mais comum de abdome agudo hemorrágico é a gravidez ectópica rota, mas também pode ser por úlceras, ruptura esplênica e pancreatite hemorrágica. Causas perfurativas são úlcera, divertículo e tumor gastrointestinal perfurado, além da síndrome de Boerhaave.
Nas causas obstrutivas, lembrar de fecaloma, volvo do sigmoide, encarceramento de hérnias, neoplasias e doença inflamatória intestinal. Na faixa etária infantil, pensar ainda em intussuscepção. Por fim, as causas vasculares ou isquemiantes mais comuns são doença de Buerger, hérnias, trombose mesentérica, torção ovariana ou testicular.
Manejo de abdome agudo inflamatório
É convenção deixar o paciente em dieta zero (pela possibilidade de cirurgia em curto prazo) e enquanto isso, oferecemos hidratação e aporte calórico através de soro (soro fisiológico + glicosado).
A antibioticoterapia é indicada na maioria dos casos, só não deve ser uma escolha de rotina nos casos de pancreatite (a maioria das vezes não é causada por infecção) e urolitíase (apenas se houver infecção associada). Além disso, analgésicos e anti-eméticos devem ser oferecidos para tratar os sintomas.
Para o tratamento de diverticulite, temos que saber o estadiamento do paciente através da classificação de Hinchey, que demanda TC de abdome. Nos estágios III e IV, encaminhar paciente para cirurgia! Outras etiologias de abdome agudo inflamatório que demandam tratamento cirúrgico imediato são apendicite e colecistite.
Conclusão
Portanto, o abdome agudo inflamatório é uma condição que deve ser rapidamente atendida, diagnosticar rapidamente é essencial para uma boa evolução do quadro. Para isso, realizar um exame físico abdominal completo, pesquisando sinais semiológicos de inflamação, pensando nas etiologias mais frequentes como apendicite, colecistite e diverticulite.
Importante solicitar exames laboratoriais e de imagem e prescrever aos pacientes dieta zero, hidratação venosa e medicações sintomáticas, que associamos a uma antibioticoterapia na maioria dos casos. Além disso, considerar encaminhamento para cirurgia imediata.
Continue aprendendo:
- Constipação: como diagnosticar e tratar
- Desbalanço da flora intestinal e o risco para doença cardiovascular
- Novas evidências de biomarcadores no diagnóstico diferencial das Síndromes Inflamatórias Intestinais e das Doenças Inflamatórias Intestinais
FONTES:
- Abordagem do paciente com abdome agudo inflamatório - Anais da Academia Nacional de Medicina Volume 193 (1), 2022
- Medicina de Emergência USP 2021
- Tratado de Cirurgia Sabiston 20ª edição
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