Clínica Médica
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Granulomatose com poliangiite: o que é, sintomas e tratamento 

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Equipe medclub
Publicado em
9/4/2025
 · 
Atualizado em
9/4/2025
Índice

A granulomatose com poliangiite (GPA) é uma vasculite sistêmica rara, de etiologia autoimune, que afeta pequenos e médios vasos, frequentemente comprometendo os tratos respiratórios superior e inferior, além dos rins. Embora rara, sua apresentação clínica variada e potencialmente grave torna essencial o reconhecimento precoce para evitar complicações irreversíveis. Este texto abordará os principais aspectos da doença, com foco nos sintomas, diagnóstico e tratamento, destacando a importância de uma abordagem multidisciplinar no manejo adequado. O estudo da GPA é fundamental para aprimorar o atendimento a pacientes com doenças autoimunes e inflamatórias sistêmicas.

O que é granulomatose com poliangiite?

Dentre os principais grupos de doenças na reumatologia, encontramos as vasculites sistêmicas primárias, entidades clínicas caracterizadas pela inflamação e necrose da parede dos vasos sanguíneos. Essas vasculites são classificadas pelo tamanho dos vasos mais acometidos: vasculites com predomínio de grandes vasos; vasculites com predomínio de médios vasos; vasculites com predomínio de pequenos vasos; vasculites secundárias e outras vasculites. 

Uma delas que é a mais representativa das vasculites com predomínio de pequenos vasos (artérias de médio e pequeno calibre e microvasos) é a granulomatose com poliangiite, também chamada de Granulomatose de Wegener. Tal doença é marcada por acometer principalmente os vasos sanguíneos de pequeno a médio porte e inflamação granulomatosa necrosante dos sistemas respiratórios superior e inferior. 

Os órgãos e tecidos que mais são acometidos pela GPA são: nariz e seios nasais; pulmões; rins; articulações e olhos

Órgãos e tecidos acometidos pela GPA
Órgãos e tecidos acometidos pela GPA. Fonte: Dra. Verônica Reche Gaudino Blog

Etiologia e Patogênese 

A etiologia da doença ainda é desconhecida, porém acredita-se que fatores imunológicos e ambientais podem ser contribuintes para o desenvolvimento em pessoas que tenham predisposição genética. Diante da elevada frequência de acometimento das vias aéreas, acha-se que um antígeno inalado desencadeia o processo inflamatório autoimune

O evento desencadeador leva à geração  de citocinas inflamatórias, como TNF e IL-1-beta. Essas citocinas ativam neutrófilos, que expõem proteínas como a proteinase 3 (PR3) e a mieloperoxidase (MPO). Os autoanticorpos ANCAs se ligam a essas proteínas e aos receptores nos neutrófilos, levando à sua ativação exagerada. Neutrófilos hiperativados liberam substâncias inflamatórias e enzimas que danificam os vasos sanguíneos, além de formar armadilhas extracelulares (NETs), que perpetuam a inflamação e o dano vascular.

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Quais os sintomas da granulomatose com poliangiite?

Os pequenos vasos sanguíneos de praticamente qualquer órgão ou tecido podem ser acometidos pela granulomatose com poliangiite, porém são os tratos respiratórios superiores e inferiores e os rins que mais são afetados.

Tal doença pode ser diagnosticada erroneamente como infecções, malignidades ou doença inflamatória articular, uma vez que os pacientes podem apresentar sintomas inespecíficos, como febre, mal-estar, anorexia, perda de peso, mialgias e artralgias. Além disso, esses sintomas prodrômicos podem durar semanas a meses sem evidência nenhuma de envolvimento de órgão específico. 

Trato respiratório superior 

Imagem mostrando nariz em sela em paciente com granulomatose com poliangiite
Nariz em sela em paciente com granulomatose com poliangiite. Fonte: The Clinical Problem Solvers 

Presente em 95% dos casos, uma das principais marcas da doença é a presença de inflamação granulomatosa na mucosa do trato respiratório superior. A consequência disso é o quadro clínico de: 

  • Rinossinusite 
  • Obstrução Nasal 
  • Ulcerações em palato e septo 
  • Nariz em sela (devido a destruição completa do septo nasal) 

Além do envolvimento do nariz, pacientes podem sofrer acometimentos no ouvido, como otite média, dor de ouvido, otorreia, e um número significativo pode cursar com perda auditiva condutiva e/ou neurossensoral. 

Imagem mostrando uma fístula buconasal
Fístula Buconasal. Fonte: HU Revista 

Pulmões 

Os pulmões são um dos principais acometidos na granulomatose com poliangiite. 90% dos indivíduos vão ter acometimento pulmonar, como Doença pulmonar intersticial, a maioria deles nas fases mais iniciais da doença. Dentre os possíveis achados radiográficos, podem ser vistos, principalmente: infiltrado (diante da alveolite neutrofílica) e cavitações (pela vasculite granulomatosa). Tais acometimentos podem fazer com que os pacientes desenvolvam rouquidão, tosse, dispneia, estridor, sibilância, hemoptise ou dor pleurítica

Radiografia evidenciando acometimento pulmonar na granulomatose com poliangiite
Radiografia evidenciando acometimento pulmonar na granulomatose com poliangiite. Fonte: Revista Associação Médica Brasileira, 2020  

Rins 

Os rins também são um dos principais órgãos acometidos pela doença (cerca de 80% dos casos). As doenças renais que tipicamente surgem nos casos de GPA são glomerulonefrite proliferativa focal e segmentar, com necrose fibrinoide, com padrão rapidamente progressivo e que pode evoluir para doença renal em fase terminal quando não tratada em tempo suficiente. Assim, as manifestações são semelhantes àquelas que ocorrem em outras causas de glomerulonefrite: Hematúria assintomática; Aumento na creatinina sérica; Proteinúria (geralmente subnefrótica); cilindros hemáticos e azotemia

Vale salientar que o acometimento renal geralmente surge após o acometimento pulmonar estar bem estabelecido. Além disso, a falência renal é o principal fator responsável pela mortalidade da doença. 

Olhos 

Neste órgão podem ser visto conjuntivite, ceratite ulcerativa periférica, episclerite, esclerite, uveíte, neurite óptica, um quadro de pseudotumor de órbita que cursa com exoftalmia dolorosa e obstrução do ducto nasolacrimal. 

Envolvimento cutâneo 

Também é uma região bastante afetada, com aproximadamente 30% a 50% dos pacientes apresentando manifestações de vasculite cutânea, sendo mais frequente o surgimento de púrpuras envolvendo as extremidades inferiores, que pode ser acompanhada por necrose e ulceração. Além disso, pode ser visto pápulas, vesículas e nódulos subcutâneos. 

Outras manifestações

Outras manifestações menos comuns devem ser mencionadas. Dentre essas, a mais importante é o acometimento neurológico, presentes em ¼ dos casos, sendo a mais comum a meningite asséptica. Outros acometimentos neurais são: polineuropatia e disfunção de pares cranianos. 

Pacientes com granulomatose com poliangiite também possuem um risco aumentado de desenvolver tromboembolismo venoso. Outros sistemas orgânicos que podem ser envolvidos incluem o trato gastrointestinal, coração, trato geniturinário inferior, glândulas parótidas, gengiva, tireoide, fígado e mama. 

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Como diagnosticar?

Por meio da clínica, a suspeição de que um paciente esteja com granulomatose com poliangiite pode ser feita naqueles que apresentem sintomas com evidências de glomerulonefrite, envolvimento do trato respiratório (superior ou inferior), além de mononeuropatia. Ademais, lembrar que alguns pacientes podem apresentar de início manifestações em um único órgão e depois evoluir para outros órgãos. 

Porém, além da clínica sugestiva, o diagnóstico é baseado também no achado histológico típico de vasculite necrosante granulomatosa junto com dados de laboratório e radiologia

Exames laboratoriais 

A maioria das manifestações laboratoriais são inespecíficas, envolvendo anemia normocítica normocrômica, leucocitose, trombocitose moderadas, hipergamaglobulinemia e fator reumatóide positivo. Ademais, marcadores de atividade da doença poderão nos ajudar no diagnóstico (VHS e proteína C-reativa elevadas. 

ATENÇÃO! Um teste ANCA positivo apoia fortemente o diagnóstico, pois a sensibilidade do exame pode chegar até 97%. O c-ANCA é o padrão mais comum, porém o p-ANCA também pode ser encontrado. Porém, o teste positivo não confirma o diagnóstico diante da possibilidade de falsos-positivos e falsos-negativos que podem acontecer. Assim, diante dessa forte sensibilidade, podemos afirmar que uma síndrome vasculítica c-ANCA positivo é GPA até que se prove o contrário. 

Exame de imagem e histológico 

O exame histológico do tecido obtido por meio de biópsia de um órgão afetado é um dos métodos mais definitivos para estabelecer o diagnóstico: a biópsia pulmonar a céu aberto possui grande sensibilidade para detectar vasculite, enquanto que a biópsia renal em pacientes com IRA nos revela glomerulonefrite crescêntica pauci-imune. 

Dos exames de imagem que podem nos auxiliar no diagnóstico, estão os exames de seios da face, tórax e órbitas. 

Algoritmo para diagnóstico da GPA
Algoritmo para diagnóstico da GPA. Fonte: Uptodate

Tratamento para a granulomatose com poliangiite  

O tratamento de escolha para a granulomatose com poliangiite se dá pelo uso de prednisona, 1 mg/Kg/dia, juntamento com ciclofosfamida, 2 mg/Kg/dia. Tal tratamento resulta numa imunossupressão agressiva que leva a uma grande melhora em 90% dos casos, com melhora completa em 75% dos indivíduos tratados com o esquema. 

No entanto, com a realização de terapia imunossupressora combinada, devemos tomar alguns cuidados: 

  • A dose de ciclofosfamida deve ser ajustada para que o paciente mantenha uma contagem de células leucocitárias por volta de 3.000 cel/microL para evitar infecções bacterianas graves 
  • Será necessário realizar a profilaxia contra a pneumocistose durante 3x/semana 

Após melhora clínica, a prednisona deverá ser gradualmente reduzida em 6-9 meses, enquanto que a ciclofosfamida, 3-6 meses. Essas drogas deverão ser substituídas por outras menos tóxicas, como a azatioprina e o metotrexato, sendo usadas por um período de 2 anos, seguido de desmame por um tempo de 6-12 meses. 

Conclusão 

A granulomatose com poliangiite é uma condição desafiadora, mas os avanços no diagnóstico e tratamento têm permitido melhores desfechos para os pacientes. A identificação precoce dos sintomas, aliada à utilização de exames laboratoriais e histológicos, é essencial para o manejo adequado. Além disso, o tratamento imunossupressor eficaz, com esquemas bem estabelecidos, têm mostrado resultados promissores na remissão da doença. O manejo multidisciplinar e a educação continuada são pilares indispensáveis no enfrentamento dessa condição rara, mas impactante.

Continue aprendendo:

FONTES: 

  • Jennette JC, Falk RJ, Bacon PA, et al. 2012 revised International Chapel Hill Consensus Conference Nomenclature of Vasculitides. Arthritis Rheum 2013; 65:1.
  • Kitching AR, Anders HJ, Basu N, et al. ANCA-associated vasculitis. Nat Rev Dis Primers 2020; 6:71.
  • DynaMed. Granulomatosis With Polyangiitis (GPA) and Microscopic Polyangiitis (MPA). EBSCO Information Services. Accessed 27 de dezembro de 2024. https://www.dynamed.com/condition/granulomatosis-with-polyangiitis-gpa-and-microscopic-polyangiitis-mpa
  • Mouthon L, Dunogue B, Guillevin L. Diagnosis and classification of eosinophilic granulomatosis with polyangiitis (formerly named Churg-Strauss syndrome). J Autoimmun. 2014;48-49:99-103.
  • Groh M, Pagnoux C, Baldini C, Bel E, Bottero P, Cottin V, et al. Eosinophilic granulomatosis with polyangiitis (Churg-Strauss) (EGPA) Consensus Task Force recommendations for evaluation and management. Eur J Intern Med. 2015;26(7):545-53.

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