A glândula suprarrenal é responsável pela homeostase corporal através da produção de diversos hormônios específicos, a medula e o córtex. A medula é responsável pela produção de catecolaminas, substâncias essenciais para o tônus vascular. Já o córtex é subdividido em três camadas - glomerulosa, fasciculada e reticulada- responsáveis pela produção de aldosterona, cortisol e andrógenos, respectivamente.
Em casos de insuficiência adrenal, o indivíduo pode ter dificuldade ou impossibilidade de produzir esses hormônios, repercutindo diretamente no metabolismo corporal, por meio de sinais e sintomas característicos da síndrome.
O que é a insuficiência adrenal?
A insuficiência adrenal é caracterizada pela queda dos níveis séricos de alguns ou todos os hormônios produzidos pela glândula. Para entender melhor o que é a ineficiência adrenal, é preciso que voltemos ao processo fisiológico de ativação e inibição hormonal.
O hipotálamo, através da liberação do hormônio liberador de corticotrofina (CRH), estimulará a adeno-hipófise a liberar o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Este por sua vez atuará na suprarrenal, sobretudo na camada fasciculada, estimulando a produção do cortisol. O cortisol será o grande regulador desse eixo, atuando por meio de um feedback negativo tanto na produção do CRH quanto do ACTH.
A produção de androgênios pela camada reticular é praticamente nula nos homens (testículos são os grandes produtores), repercutindo apenas na pilificação feminina. Na camada glomerular, o ACTH quase não terá efeito, visto que a aldosterona é regulada primordialmente pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA).
A partir desse entendimento, podemos compreender que a classificação da insuficiência adrenal se dá de duas formas: primária (conhecida como Doença de Addsion), quando ocorre alguma alteração na própria suprarrenal, ou secundária, quando o acometimento é indireto, através de um acometimento central na hipófise ou hipotálamo.
Etiologia
As causas primárias e secundárias possuem etiologias específicas. Dentre as causas primárias, atrofias glandulares desencadeadas por um processo autoimune é responsável por mais de 50% dos casos. Destruição adrenal por granulomas, a exemplo da tuberculose e histoplasmose, tumor, amiloidose, hemorragia ou necrose inflamatória também podem ocorrer.
Dentre as causas secundárias, os principais quadros são: pan-hipopituitarismo, falha isolada da produção de ACTH e cessação abrupta de corticoides. Por isso, pacientes que estão em uso de corticoide por mais de 2 ou 3 semanas devem realizar o desmame gradual, a fim de obter uma recuperação fisiológica do funcionamento adrenal.
Fisiopatologia
Em insuficiências primárias, como o córtex não funciona por completo, não ocorre a produção de aldosterona, cortisol e andrógenos. Sabendo a função de cada um, fica fácil entender as repercussões clínicas, por isso, confira a seguir.
Sem os mineralocorticoides (aldosterona), o indivíduo tende a desenvolver uma hipotensão, hiponatremia (por não ocorrer a reabsorção de Na+), hipercalemia (por não ocorrer a troca do Na+ para dentro e K+ ou H+ para fora da célula) e acidose. Perda de sal e água na urina causam desidratação grave, hipertonicidade plasmática, diminuição do volume circulatório e, com o tempo, colapso circulatório.
O cortisol vai ser responsável pela ativação dos receptores de catecolaminas, pelo bom funcionamento e regulação do imunológico e controle da glicemia na via catabólica. Sua ausência acarretará em hipotensão, aumento dos eosinófilos (o cortisol promove a apoptose dessas células), hipoglicemia (pela formação insuficiente dos carboidratos a partir das proteínas) e diminuição do glicogênio hepático.
A diminuição androgênica praticamente não ocasionará repercussões. Como o cortisol está em déficit, o ACTH aumentará com o intuito de promover um feedback positivo no sistema. Ele em si não é o problema, mas o processo de sua formação. A pró-opiomelanocortina, sua precursora, origina o ACTH e o MSH (hormônio estimulador dos melanócitos). Com isso, o indivíduo pode ter quadros de hiperpigmentação corporal.
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Quadro clínico da insuficiência adrenal
Insuficiência Adrenal Primária
Os primeiros sinais e sintomas incluem fraqueza, fadiga e hipotensão ortostática. Além disso, a hiperpigmentação é uma característica distintiva, manifestando-se como um bronzeamento difuso nas áreas expostas e, em menor grau, nas não expostas do corpo. Isso é particularmente notável em pontos de pressão, pregas cutâneas, cicatrizes e superfícies extensoras. Sardas escuras podem ser comuns em ombros, cabeça e pescoço.
Além desses sinais, os pacientes frequentemente apresentam anorexia, náuseas, vômitos e diarreia. Outros sintomas da insuficiência adrenal incluem diminuição da tolerância ao frio, hipometabolismo, tontura e síncope. À medida que a doença progride, a perda de peso, desidratação e hipotensão se tornam características dos estágios avançados da doença de Addison.
Em situações de crise adrenal, os pacientes podem experimentar astenia profunda, dores fortes no abdome, lombar ou nas pernas, colapso vascular periférico e insuficiência renal com azotemia. A temperatura corporal pode estar baixa, embora a febre alta seja comum, especialmente quando a crise é desencadeada por uma infecção aguda.
Alguns pacientes com função adrenal parcialmente comprometida podem parecer saudáveis, mas desenvolvem uma crise adrenal quando submetidos ao estresse fisiológico, como cirurgia, infecções, queimaduras e doenças críticas.
Insuficiência Adrenal Secundária
Os sinais e sintomas da insuficiência adrenal secundária são semelhantes aos da doença de Addison, incluindo fadiga, fraqueza, perda de peso, náuseas, vômitos e diarreia. No entanto, um aspecto distintivo é a ausência de hiperpigmentação, e os valores de eletrólitos e nitrogênio da ureia sanguínea geralmente se mantêm relativamente normais. A hiponatremia, quando ocorre, geralmente é devido à diluição.
Pacientes com pan-hipopituitarismo, podem apresentar função tireoidiana e gonadal deprimida, além de hipoglicemia. Em casos mais graves, o paciente pode entrar em coma, especialmente quando há insuficiência adrenal secundária sintomática.
Como realizar o diagnóstico?
O diagnóstico é fundamentado em três etapas:
- Demonstrar a secreção inadequada baixa de cortisol
- Determinar se a deficiência de cortisol é dependente ou independente da deficiência de ACTH e avaliar a secreção mineralocorticóide em pacientes sem deficiência de ACTH
- Buscar uma causa tratável do distúrbio primário (por exemplo, processo infiltrativo envolvendo as glândulas supra-renais ou um adenoma hipofisário que comprometa a função normal da hipófise)
Insuficiência primária
O diagnóstico de insuficiência primária será realizado em pacientes que apresentam hipocortisolismo com ACTH plasmático elevado conforme o fluxograma abaixo. Níveis de ACTH plasmático >100 pg/mL representam um estímulo máximo para a secreção de cortisol pelas adrenais e dispensam a necessidade de realização de testes de estímulo, mesmo na vigência de valores de cortisol entre 5 e 10 mcg/dL.
Pacientes com cortisol sérico basal ≥ 10 mcg/dL e ACTH plasmático dentro do limite de normalidade deve ser conduzido para procura de outros diagnósticos. Pacientes com cortisol sérico basal duvidoso (Entre 5 e 10 mcg/dL) e ACTH plasmático elevado (mas inferior a 100 pg/mL) têm indicação de realizar teste de estímulo com cortrosina 250 mcg (cortisol ≥ 18 mcg/dL aos 30 minutos da injeção exclui o diagnóstico de IA).
Na ausência da cortrosina, uma dosagem baixa de Dehidroepiandrosterona sulfato (DHEAS), o qual é sintetizado pela adrenal, pode corroborar para o diagnóstico de Insuficiência primária. Nesses casos as dosagens de cortisol e ACTH devem ser repetidas a cada 6 meses.
Insuficiência secundária
O diagnóstico da Insuficiência secundária é confirmado pela presença de baixos níveis de cortisol sérico basal (≤ 5 mcg/dL) com ACTH plasmático baixo ou normal para o método de dosagem. Assim como o de causa primária, valores de cortisol ≥ 10 mcg/dL descartam a insuficiência e aqueles entre 5 e 10 mcg/dL e ACTH plasmático normal devem ser submetidos a um teste de estímulo.
Na indisponibilidade da cortrosina, a alternativa é utilizar o teste de tolerância à insulina ou teste de hipoglicemia insulínica, que consiste em induzir a hipoglicemia (potente estímulo para liberação de CRH e ACTH) e avaliar a resposta do cortisol sérico.
A insulina é administrada na dose de 0,1 UI/Kg a 0,05 UI/Kg com o objetivo de atingir uma glicemia de 35 mg/dL. Então, o cortisol sérico deve ser dosado nos tempos 0, 15’, 30’, 45’, 60’e 90’, mesmo que a glicemia tenha sido corrigida antes do término do teste. Uma dosagem de cortisol sérico >18 mcg/dL em qualquer um dos tempos dos testes afasta o diagnóstico de insuficiência adrenal.
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Qual o tratamento da insuficiência adrenal?
O tratamento é óbvio. Se o paciente não consegue produzir glicocorticoides, administramos o glicocorticoide! No entanto, o manejo deve ser realizado de forma diferente em casos de quadros agudos e subagudos.
Em cenários de emergência deve-se coletar sangue para eletrólitos séricos e glicose e medição de rotina de cortisol plasmático e ACTH. Conjuntamente, deve ser realizada a infusão de 2 a 3 litros de solução salina isotônica ou dextrose a 5% em solução salina isotônica para controle glicêmico e da hipotensão. O monitoramento hemodinâmico deve ser constante para evitar sobrecarga iatrogênica de líquidos.
Posteriormente, deve-se administrar 4 mg de dexametasona em bolus intravenoso durante um a cinco minutos e depois a cada 12 horas. Se a dexametasona não estiver disponível, pode-se usar hidrocortisona intravenosa, 100 mg imediatamente e a cada seis horas a partir de então. A vantagem da dexametasona é a não interferência na dosagem do cortisol plasmático.
Após a estabilização, a solução salina isotônica intravenosa é continuada em um ritmo mais lento durante as próximas 24 a 48 horas e causas infecciosas precipitantes da crise adrenal são investigadas. Um teste de estimulação com ACTH é útil na confirmação diagnóstica e etiológica, caso o paciente não tenha insuficiência adrenal conhecida.
Por fim, o glicocorticoide parenteral deve ser reduzido gradativamente, sendo substituído por uma formulação oral para manutenção e tratamento contínuo da insuficiência do paciente. Em um primeiro momento deve-se iniciar ainda a reposição de mineralocorticóides com fludrocortisona, 0,1 mg por via oral diariamente, até que a glândula volte a funcionar normalmente.
Conclusão
A insuficiência adrenal é uma condição complexa que pode ser dividida em insuficiência adrenal primária e secundária, cada uma com suas características distintivas. Os sintomas, como fraqueza, fadiga, hiperpigmentação e distúrbios metabólicos, podem variar em gravidade. Por isso, o diagnóstico precoce e a reposição de glicocorticoide é essencial para o tratamento da insuficiência adrenal, a fim de evitar complicações graves, como crises adrenais.
Continue aprendendo:
- Hipotireoidismo: causas, sintomas e diagnóstico
- Hipernatremia: o que é, causas, sintomas e tratamento
- Hipertireoidismo: o que causa, sinais e sintomas e como tratar
FONTES:
- Glândulas adrenais ou suprarrenais - Dra. Suzana Vieira
- Roteiro da Semana 7 - USP
- Insuficiência Adrenal - Governo Federal
- UpToDate
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