Cardiologia
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Miocardite: o que é, sintomas e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
30/10/2024
 · 
Atualizado em
30/10/2024
Índice

A miocardite, apesar de rara, pode ter consequências graves se não for diagnosticada e tratada de forma adequada. Dessa forma, compreender as nuances dessa condição é fundamental, não apenas para o manejo clínico desses pacientes, como também para a prevenção de complicações que podem comprometer a função cardíaca a longo prazo. 

O que é miocardite?

A miocardite, também denominada cardiomiopatia, representa um grupo de doenças que envolvem o músculo cardíaco. Assim, são inclusas doenças que afetam diretamente o músculo cardíaco, bem como doenças sistêmicas que alteram a anatomia e os cardiomiócitos de forma indireta.

Para mais, a European Society of Cardiology classifica as miocardites em dilatada, hipertrófica, restritiva e arritmogênica de ventrículo direito. A forma dilatada representa 90% dos casos das cardiomiopatias e, por isso, será o foco deste texto. Para mais, a sociedade europeia também classifica as cardiomiopatias em familiar (genética) e não familiar (não genética). Observe o esquema abaixo.

Esquema da classificação da European Society of Cardiology para as miocardites
Esquema da classificação da European Society of Cardiology para as miocardites. Fonte: Tratado de Cardiologia SOCESP, 2022

Miocardite dilatada

Representação da cardiomiopatia dilatada versus a anatomia normal do coração
Representação da cardiomiopatia dilatada versus a anatomia normal do coração. Fonte: Boston Scientific

Na cardiomiopatia dilatada (CMD), há comprometimento da função ventricular esquerda, ou de ambos os ventrículos. E ainda, é frequentemente acompanhada por arritmias e tromboembolismo, com posterior evolução para insuficiência cardíaca importante. 

Por isso, é frequentemente a via final de diversas doenças que comprometem o miocárdio das mais diversas etiologias: genética, infecciosa, metabólica, inflamatória ou citotóxica. Todavia, não é a via final da hipertensão arterial sistêmica, isquemia miocárdica, doença pericárdica ou congênita, sendo necessária a exclusão dessas etiologias para se firmar o diagnóstico de CMD.

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Miocardite hipertrófica

Representação da cardiomiopatia hipertrófica versus a anatomia normal do coração.
Representação da cardiomiopatia hipertrófica versus a anatomia normal do coração. Fonte: Portal Medicina Ribeirão 

Já a cardiomiopatia hipertrófica é, assim como a CMD, uma doença primária do coração, sendo caracterizada pela dilatação ventricular na ausência de outra doença cardíaca ou sistêmica que justifique esses achados. Tem prevalência estimada de 0,2% na população geral, e mortalidade de 0,9% a 3% ao ano.

Para mais, é a mais frequente das cardiopatias de etiologia genética, apresentando transmissão autossômica dominante. Além disso, é a principal causa de morte súbita em pacientes jovens e em atletas.

Miocardite restritiva

Ecocardiograma de paciente com miocardite restritiva idiopática demonstrando redução das cavidades ventriculares e aumento dos átrios.
Ecocardiograma de paciente com miocardite restritiva idiopática demonstrando redução das cavidades ventriculares e aumento dos átrios. Fonte: Tratado de Cardiologia SOCESP, 2022

As miocardites representam um grupo heterogêneo de doenças, apresentando-se tipicamente com disfunção diastólica importante, aumento dos átrios e espessamento das paredes ventriculares em algumas patologias específicas, como na amiloidose e na doença de Fabry

Dessa forma, a cardiomiopatia restritiva é caracterizada por uma rigidez do miocárdio, com consequente redução do relaxamento, comprometendo dessa forma o enchimento ventricular e o volume diastólico final de ambos os ventrículos. Para mais, a maioria dos casos são secundários a desordens sistêmicas, como a sarcoidose e a esclerodermia.

Causas da miocardite

Causas da miocardite
Anormalidades de eletrólitos Hipocalcemia
Hipofosfatemia
Arterite
Infecciosas Febre tifoide
Difteria
Brucelose
Psiticose
Ricketsias
Histoplasmose
Criptococose
Deficiências nutricionais Tiamina
Selênio
Carnitina
Doenças de depósito Hemocromatose
Amiloidose
Doenças endocrinológicas Hipo ou hipertireoidismo
Diabetes mellitus
Feocromocitoma
Doença de Cushing
Doenças reumáticas Lúpus eritematoso sistêmico
Esclerodermia
Genéticas Distrofia muscular de Duchenne
Distrofia miotônica
Ataxia de Friedreich
Medicamentos Agentes quimioterápicos
Antraciclinas
Ciclofosfamida
Trazunab
Drogas antivirais
Zidovudine
Didanosine
Zalcitabina
Parasitárias Toxoplasmose
Tripanossomíase
Esquistossomose
Triquinose
Toxinas Etanol
Cocaína
Anfetamina
Cobalto
Chumbo
Mercúrio
Monóxido de carbono
Viral Coxsackie vírus
Citomegalovírus
HIV
Varicela
Hepatite
Epstein-Barr
Ecovírus
Principais causas de miocardiopatia dilatada. Fonte: Tratado de Cardiologia SOCESP, 2022

Quais os sintomas da miocardite?

O paciente com cardiomiopatia dilatada, ou outras formas, pode passar muitos anos assintomático. Todavia, quando presentes, os sintomas da insuficiência cardíaca são os mais comuns. Entretanto, distúrbios elétricos como as arritmias ventriculares/ supraventriculares e anormalidades no sistema de condução são frequentes e, por isso, deve-se sempre interrogar o paciente acerca de história de síncope ou pré-síncope.

Nos pacientes sintomáticos, ele pode estar taquipneico, podendo ser evidenciado o padrão de Cheyne-Stokes, associado a pior prognóstico. A pressão arterial pode estar baixa e as extremidades frias, refletindo o baixo débito cardíaco com má perfusão periférica. E ainda, outros sintomas de insuficiência cardíaca, como turgência jugular, hepatomegalia e edema de membros inferiores são achados comuns.

No exame físico do precórdio, pode-se observar desvio do ictus cordis, e presença de bulhas B4 e B3 em ritmo de galope, este último sendo mais frequentemente evidenciado nos pacientes com insuficiência cardíaca descompensada. Nos pacientes com insuficiência mitral por dilatação da válvula, pode-se auscultar um sopro holossistólico com irradiação para região axilar e dorso.

Diagnóstico

Para confirmar o diagnóstico de CMD, deve-se investigar todas as possíveis etiologias, sendo a exclusão da doença arterial coronariana, portanto, fundamental. Observe a tabela abaixo com os principais exames a serem solicitados na miocardiopatia dilatada e suas indicações.

MÉTODOS DIAGNÓSTICOS INDICAÇÕES/PRINCIPAIS ACHADOS
Exames laboratoriais
(ureia e creatinina, fósforo sérico, cálcio sérico, testes de função tireoidiana, ferro sérico, ferritina, sorologia para HIV, sorologia para Chagas)
Excluir causas de cardiomiopatia dilatadas que não sejam idiopáticas
Eletrocardiograma Taquicardia sinusal
Arritmias ventriculares e supraventriculares (especialmente a fibrilação atrial)
Anormalidades na condução intraventricular (especialmente bloqueio do ramo esquerdo)
Ondas Q na parede anterior
Anormalidades no segmento ST, ondas T e ondas P
Sobrecarga de VE
Radiografia de tórax Cardiomegalia
Redistribuição da trama vascular pulmonar
Edema intersticial e alveolar
Derrame pleural
Ergoespirometria Marcador prognóstico de mortalidade. Pode indicar entrada na fila de transplante de coração
Holter Presença de arritmias ventriculares e supraventriculares, principalmente as taquicardias ventriculares não sustentadas
Ecocardiograma Essencial para o diagnóstico de CMD, além de afastar doenças valvares, doenças do pericárdio, e a avaliação anatômica das dimensões cardíacas, da espessura das paredes e da função ventricular
Ventriculografia radioisotópica Utilizado somente quando o ecocardiograma não encontrou condições técnicas adequadas
Cintolografia miocárdica Avaliação de perfusão miocárdica durante estresse e que são muito confiáveis na diferenciação de etiologia isquêmica
Ressonância magnética cardíaca Avaliação precisa do tamanho das câmaras ventriculares, da espessura das paredes e da função sistólica
Angiotomografia de coronárias Exclusão de doença coronariana
Cateterismo cardíaco Dor torácica e suspeita de origem isquêmica
Biópsia endomiocárdica Não está indicada de rotina na CMD, entretanto, pode ser indicada na presença de piora inesperada do quadro clínico caracterizado pelo surgimento de arritmias ventriculares novas e/ou bloqueios atrioventriculares de 2º e 3º grau sem resposta ao tratamento usual. Pode ser solicitado na avaliação de pacientes com suspeita de doenças infiltrativas, alérgicas ou restritivas de causa desconhecida
Principais exames a serem solicitados na miocardiopatia dilatada. Fonte: Tratado de Cardiologia SOCESP, 2022

Tratamentos para a miocardite

Os objetivos do tratamento na miocardiopatia dilatada são o controle da insuficiência cardíaca (IC), a prevenção dos sintomas de progressão da doença, e a prevenção de fenômenos tromboembólicos e morte súbita

Por isso, nos pacientes com disfunção ventricular ou insuficiência cardíaca, indica-se iniciar o tratamento farmacológico com betabloqueadores (carvedilol, succinato de metoprolol e bisoprolol) e inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA). Em caso de intolerância ao IECA devido a tosse, indica-se substituir a medicação por um bloqueador de angiotensina II (BRA).

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Para mais, nos pacientes sintomáticos (NYHA ≥ II) com fração de ejeção (FEVE) < 35%, deve-se associar a espironolactona ao IECA e betabloqueador. E mais, na IC com fração de ejeção reduzida (ICFEr) sintomática, apesar do tratamento otimizado, pode-se substituir o IECA pelo sarcubitril-valsartana, visto que essa droga demonstrou redução de mortalidade e internações hospitalares nesses pacientes. 

O nitrato com a hidralazina está indicado para os pacientes com alteração de função renal e hipercalemia pelo uso de IECA ou BRA. E ainda, pode ser utilizado com o esquema usual em pacientes afrodescentes que mantêm sintomas apesar da terapia otimizada.

Ainda para os pacientes com ICFER, recomenda-se iniciar os inibidores de SGLT-2 (dapaglifozina e empaglifozina), que tem como mecanismo de ação induzir a glicosúria ao inibir o co-transportador de sódio e glicose tipo 2 nos túbulos renais. Observe o esquema abaixo.

Esquema para tratamento da ICFEr
Esquema para tratamento da ICFEr. Fonte: Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca, 2021

Os diuréticos de alça, como a furosemida, podem ser utilizados nos quadros de congestão pulmonar e edema periférico para controle dos sintomas. Além desses, a digoxina melhora o inotropismo cardíaco, e a amiodarona é útil no controle de arritmias, podendo ambas as medicações serem prescritas controle dos sintomas. Todavia, essas medicações não apresentam impacto na sobrevida.

Para além dos métodos farmacológicos para tratamento da ICFEr, observe abaixo a tabela com métodos não-farmacológicos no tratamento destes pacientes e suas principais indicações, expostos anteriormente no fluxograma acima.

MÉTODO COMENTÁRIOS
Terapia de ressincronização cardíaca (TRC) Para pacientes refratários ao tratamento medicamentoso, com BRE com QRS > 150 ms e/ou na presença de dissincronismo cardíaco por exame de imagem
Cardioversor/desfibrilador implantável (CDI) Para prevenção secundária em pacientes com CMD e com morte súbita ressuscitada, constatação de taquicardia ventricular sustentada em pacientes com fração de ejeção reduzida
Assistência ventricular mecânica Ponte para transplante
Transplante cardíaco Padrão-ouro para o tratamento de insuficiência cardíaca avançada
Métodos não-farmacológicos para tratamento do paciente com insuficiência cardíaca. Fonte: Tratado de Cardiologia SOCESP, 2022

Conclusão

A miocardite continua a representar um desafio clínico significativo, exigindo dos médicos uma avaliação minuciosa. O avanço das técnicas diagnósticas e terapêuticas tem melhorado o prognóstico, mas a chave para um desfecho favorável reside na identificação precoce e na intervenção adequada. 

Continue aprendendo:

FONTES:

  • JATENE, I. B., et al. Tratado de Cardiología SOCESP. 5ª ed. Santana de Parnaíba (SP): Manole, 2022
  • SOEIRO, A. M., et al. Manual da Residência em Cardiologia. 2ª ed. Santana de Parnaíba (SP): Manole, 2022
  • MARCONDES-BRAGA, F. G. et al. Atualização de Tópicos Emergentes da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca – 2021. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 116, n. 6, p. 1174–1212, jun. 2021

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