Pneumologia
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O que é sarcoidose, quadro clínico, diagnóstico e tratamento

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Equipe medclub
Publicado em
30/11/2023
 · 
Atualizado em
4/12/2023
Índice

A sarcoidose é uma doença cuja prevalência varia entre 2,17 a 160 por 100.000 habitantes, com uma incidência estimada entre 2,3 e 11 por 100.000 indivíduos/ano. A patologia é caracterizada pela formação de coleções inflamatórias que se alojam em diversos órgãos, sobretudo no pulmão, pele e olhos. Sendo mais comum em mulheres, a doença possui maior prevalência em adultos jovens entre 20 e 40 anos.

O que é Sarcoidose?

A sarcoidose é uma doença multissistêmica de etiologia desconhecida, caracterizada pela infiltração de vários órgãos por granulomas não caseosos (não necrosantes). Seu desenvolvimento depende da suscetibilidade genética e de fatores ambientais do indivíduo. Afro-americanos e escandinavos têm uma incidência mais elevada da doença do que o resto da população caucasiana e a expectativa de vida dessa população é mais baixa.

A doença pode ter dois cursos diferentes: 

  • Aguda: Resolução dentro de 12 a 36 meses
  • Crônico: Resolução entre 3 e 5 anos 

Etiologia

Atualmente, sabe-se que diversos antígenos podem ser precursores da sarcoidose em indivíduos geneticamente susceptíveis. Vários estudos demonstram a associação entre os alelos do HLA classe II e a sarcoidose. 

Em relação aos fatores ambientais, bombeiros, cortadores de madeira, carteiros, mecânicos, assim como a exposição a poeiras orgânicas e inorgânicas (pinho, pólen, talco) são fatores de risco para desenvolvimento da doença. Sabe-se que o berílio, o zircônio e o alumínio produzem granulomas sarcoídeos idênticos aos da sarcoidose. Ademais, o Mycobacterium tuberculosis é o antígeno infeccioso mais investigado. 

No ocidente, o problema é fortemente associado à fibrose pulmonar avançada, que frequentemente leva à insuficiência respiratória e hipertensão pulmonar. Além disso, de maneira menos frequente, é possível que ela afete o coração, o sistema nervoso central ou levar ao desenvolvimento de hipertensão portal.

Fisiopatologia

Os granulomas sarcoídeos são estruturas imunológicas compostas por células epitelioides organizadas de forma concêntrica, geralmente uniformes em forma e tamanho. Esses granulomas alojam-se em diversos órgãos, provocando sintomatologia inflamatória específica.

Esses granulomas consistem em histiócitos modificados pela influência dos linfócitos T, que têm citoplasma amplo e eosinofílico, núcleo oval ou torcido e nucléolo proeminente. Ao contrário dos granulomas tuberculóides, não exibem necrose caseosa. Para mais, podem conter células gigantes de Langhans e corpos de Schaumann

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Quadro Clínico da sarcoidose

Cerca de um terço dos pacientes cursam de maneira assintomática, sendo diagnosticados por acaso através de um raio-x de tórax por outro motivo. Os sintomas mais comuns são:

  • Tosse persistente
  • Dispneia
  • Dor torácica
  • Uveíte
  • Linfadenopatia periférica e hilar
  • Eritema nodoso e outras afecções de pele
  • Artralgia
  • Sintomas constitucionais (fadiga, mialgias, inapetência, perda de peso, febre, sudorese noturna, astenia e mal-estar generalizado)

Sarcoidose pulmonar

O pulmão é o local mais comum de acometimento pela sarcoidose. Se apresenta tipicamente com sintomas respiratórios não-específicos (tosse seca persistente, dispneia, dor torácica), linfadenopatia hilar e mediastinal (visualizada na radiografia torácica em 85% dos casos), fibrose pulmonar, cistos, e doença pulmonar intersticial.

Algumas vezes, o fungo Aspergillus pode se estabelecer (formar uma colônia) nos cistos do pulmão, crescer e causar sangramento. O profundo envolvimento do pulmão pode vir a sobrecarregar o lado direito do coração, causando insuficiência cardíaca direita.

Sarcoidose Hepática

Sendo frequentemente assintomático, a sarcoidose hepática é de difícil diagnóstico. As queixas são de icterícia, dor abdominal e prurido. Durante a investigação, serão visíveis as enzimas hepáticas alteradas e a hepatomegalia no exame de  TC.

Sarcoidose Ganglionar

O acometimento de linfonodos periféricos os tornará palpáveis, indolores e móveis. Dentre as cadeias mais comumente acometidas estão as cervicais e supraclaviculares. No entanto, o acometimento das cadeias inguinais, axilares, epitrocleares e submandibulares também pode ocorrer.

Sarcoidose Cutânea

Ocorre entre 20% e 35% dos casos, geralmente manifestando-se como um eritema com pequenas tumefações avermelhadas dolorosas, frequentemente nas pernas, conhecido como eritema nodoso. É comum estar associada à febre e dor nas articulações. A erupção cutânea costuma desaparecer em um período de três a seis meses.

Eritema nodoso. Fonte: MSD manuals
Eritema nodoso. Fonte: MSD manuals

Em casos crônicos, podem surgir lesões planas, às vezes com placas, que afetam a coloração do nariz, bochechas, lábios e orelhas, caracterizando o quadro chamado de "lúpus pernio", característico da sarcoidose. Essas áreas de pele afetada podem ser mais escuras ou mais claras do que a pele ao redor. 

Lúpus pernio. Fonte: MSD manuals
Lúpus pernio. Fonte: MSD manuals

O indivíduo ainda pode apresentar sinais de sarcoidose subcutânea, em que se observam os granulomas epitelióides no panículo adiposo, denominados nódulos de Darier-Roussy. Ainda, pápulas ou pústulas, placas, nódulos, lesões hiper/hipopigmentada, psoríase e úlceras podem surgir.

Sarcoidose Ocular

Ocorrendo entre 25% e 50% dos casos, os indivíduos apresentam queixas e sinais de uveíte anterior, fotofobia, ceratoconjuntivite, mudanças na vasculatura da retina (observar com oftalmoscópio), nódulos conjuntivais (granulomas epitelióides), aumento da glândula lacrimal ou distúrbios visuais.

Neurossarcoidose

O envolvimento neurológico ocorre em apenas 10% dos casos e raramente se manifesta de forma isolada. Os sintomas da neurossarcoidose variam em complexidade, começando com cefaleia e evoluindo para paralisia do nervo facial, neuropatia periférica, leptomeningite (afetando as camadas aracnoide e pia-máter), doenças desmielinizantes como mielopatia, convulsões e manifestações psiquiátricas.

Sarcoidose Cardíaca

A afecção cardíaca pode se apresentar pelo bloqueio dos ramos atrioventriculares, arritmias, distúrbios de repolarização, fibrilação ou taquicardia ventricular, insuficiência cardíaca, pericardite e neuropatia autonômica afetando a inervação miocárdica. Casos de morte súbita podem ocorrer em até 25% dos casos.

Musculoesquelético

A poliartrite aguda inespecífica ocorre em mais de 40% dos casos, com curso autolimitado. A artrite crônica e recorrente é rara (1% a 4%). O envolvimento assintomático dos músculos ocorre em 25% a 75% dos casos, mas o acometimento sintomático é raro (< 0,5%). 

O acometimento ósseo ocorre em 5% a 10% dos casos, aumentando para 2% a 5% em casos crônicos com lúpus pérnio e uveíte crônica. Lesões nas falanges das mãos e dos pés são frequentes, com achados radiológicos incluindo lesões císticas, padrões em forma de favo de mel e erosões ósseas com fraturas patológicas.

Sarcoidose renal

Nos pacientes que desenvolvem hipercalcemia, a nefrolitíase e a nefrocalcinose são os achados mais frequentes. A hipercalcemia, que ocorre em até 40% dos casos, resulta da secreção de 1,25 hidroxi-vitamina D3 pelos macrófagos alveolares. A produção do análogo da vitamina D é autônoma e não sofre inibição por mecanismos de feedback.

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Como realizar o diagnóstico de sarcoidose?

Na suspeita da doença, radiografia de tórax deve ser o primeiro exame a ser feito, indicando, inclusive, o estadiamento do acometimento torácico. No entanto, os achados das radiografias de tórax não são bons preditores da função pulmonar, de modo que a sua aparência pode não indicar com precisão a gravidade da sarcoidose pulmonar.

O quadro radiológico pulmonar é classificado em cinco estádios, não necessariamente cronológicos: 

ESTÁGIO DEFINIÇÃO INCIDÊNCIA DE REMISSÃO ESPONTÂNEA
0 Radiografia normal -
I Linfadenopatia mediastinal, paratraqueal e hilar bilateral, sem infiltrados parenquimatosos 60–80%
II Linfadenopatia hilar/mediastinal bilateral, com infiltrados intersticiais (em geral, em campos pulmonares superiores) 50–65%
III Infiltrados intersticiais difusos, sem linfadenopatia hilar < 30%
IV Fibrose difusa, frequentemente associada a massas conglomeradas de aspecto fibrótico, bronquiectasia de tração e cistos de tração 0%

A radiografia normal de tórax não exclui o diagnóstico do problema, particularmente quando há suspeita de comprometimento cardíaco ou neurológico. A tomografia computadorizada de alta resolução apresenta maior sensibilidade na detecção de linfadenopatia hilar e mediastinal, bem como de anormalidades no parênquima pulmonar. O comprometimento do parênquima pulmonar é mais comum nos lobos superiores, embora possa ocorrer em qualquer região dos pulmões.

Achados da TC nos estádios mais avançados (II a IV) incluem:

  • Espessamento dos feixes broncovasculares e das paredes brônquicas
  • Aspecto de contas dos septos interlobulares
  • Opacificação em vidro fosco
  • Nódulos parenquimatosos, cistos ou cavidades
  • Bronquiectasias por tração

O fluxograma de diagnóstico da Sociedade Torácica Americana pode ser visualizado no quadro abaixo. A biópsia deve ser realizada no órgão alvo caso o paciente tenha apenas um sendo afetado. Caso haja mais de um órgão acometido, escolhe-se o órgão anatomicamente mais seguro e acessível.

Algoritmo diagnóstico de sarcoidose. Abreviações: ACE: angiotensin converting enzyme; CT: computed tomography; CVID: common variable immunodeficiency; EBUS: endobronchial ultrasonography; EMG: electromyogram; KCO: organic carbon absorption coefficient; MRI: magnetic resonance imaging; MS: multiple sclerosis; MSGB: minor salivary glands biopsy; PET: positron emission tomography; PN: polyneuropathy; NMO: neuromyelitis optica; TTE: transthoracic echocardiography; WASOG: World Association of Sarcoidosis and other Granulomatous disorders. Fonte:Diretrizes da American Thoracic Society.
Algoritmo diagnóstico de sarcoidose. Abreviações: ACE: angiotensin converting enzyme; CT: computed tomography; CVID: common variable immunodeficiency; EBUS: endobronchial ultrasonography; EMG: electromyogram; KCO: organic carbon absorption coefficient; MRI: magnetic resonance imaging; MS: multiple sclerosis; MSGB: minor salivary glands biopsy; PET: positron emission tomography; PN: polyneuropathy; NMO: neuromyelitis optica; TTE: transthoracic echocardiography; WASOG: World Association of Sarcoidosis and other Granulomatous disorders. Fonte:Diretrizes da American Thoracic Society.

Síndromes clássica

Síndrome de Löfgren

Composta pela tríade: poliartrite aguda, eritema nodoso e adenopatia hilar, sintomas constitucionais podem estar presentes. Geralmente ela é autolimitada e mais comum em pessoas de ascendência europeia, sendo manejada apenas com anti-inflamatórios não esteroides (AINEs).

Síndrome de Heerfordt 

Manifesta-se com edema da glândula parótida, uveíte, febre crônica e, menos frequentemente, paralisia do nervo facial. Geralmente é autolimitada e o tratamento é o mesmo para sarcoidose clássica.

Tratamento para sarcoidose

Como a doença com frequência regride espontaneamente, os pacientes assintomáticos e aqueles com sintomas leves não necessitam de tratamento, mas precisam ser monitorados. A periodicidade dos exames de acompanhamento é definida pela gravidade da doença. Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) são empregados no tratamento do desconforto musculoesquelético.

Inicia-se o tratamento dos sintomas da sarcoidose com corticoides. Um protocolo comum consiste na administração de prednisona, na dose de 20 a 40 mg por quilograma, via oral, uma vez ao dia, levando em consideração os sintomas e a gravidade dos achados. Geralmente, observa-se resposta no período de 6 a 12 semanas. A duração ideal do tratamento ainda não é conhecida.

O alendronato ou outro bisfosfonato pode ser o tratamento de escolha na prevenção da osteoporose induzida por corticóides em pacientes de risco e as dosagens do cálcio sérico e na urina de 24 horas devem estar normais antes de iniciar esses suplementos. 

Isso ocorre pois a suplementação adicional de cálcio e/ou vitamina D aumenta o risco de hipercalcemia devido à produção endógena de vitamina D ativa (1,25-di-hidroxivitamina D) pelos granulomas sarcoides. 

Imunossupressores

Imunossupressores são usados quando:

  • Os pacientes não toleram prednisona
  • A sarcoidose é refratária a doses moderadas a altas de prednisona
  • O paciente não tolera uma dose de prednisona abaixo de 10-15 mg/dia após 3 meses

O metotrexato é o imunossupressor mais comumente utilizado, geralmente na dose de 10-15 mg/semana durante 6 meses. É importante a prescrição de ácido fólico nesses pacientes, a fim de reduzir o risco de efeitos adversos. Imunossupressores como azatioprina, micofenolato, ciclofosfamida, leflunomida e hidroxicloroquina também podem ser utilizados. 

O infliximabe é geralmente usado como medicação de 3ª linha para tratar a sarcoidose refratária e para tratar pacientes intolerantes a corticoides e outros imunossupressores. Pacientes com sarcoidose ocular ou cutânea e aqueles tratados com infliximabe que desenvolveram anticorpos ou reações à infusão  podem também se beneficiar do adalimumabe.

Conclusão

A sarcoidose é uma doença inflamatória crônica de etiologia desconhecida que pode afetar diversos órgãos do corpo, caracterizada pela formação de granulomas não caseosos. Ela apresenta uma ampla gama de manifestações clínicas, tornando o diagnóstico desafiador. Embora muitos pacientes tenham uma forma autolimitada da doença, outros podem desenvolver complicações graves. 

O tratamento visa aliviar os sintomas e controlar a inflamação, sendo importante o acompanhamento médico regular para monitorar a progressão da doença. O conhecimento atual sobre a sarcoidose tem contribuído para melhorar o manejo e a qualidade de vida dos pacientes.

Continue aprendendo:

FONTES:

  • Humbert M, Kovacs G, Hoeper MM, et al: 2022 ESC/ERS Guidelines for the diagnosis and treatment of pulmonary hypertension. Eur Respir J 61(1): 1-144, 2023. doi:10.1183/13993003.00879-2022
  • Scielo: Granulomas não-infecciosos: sarcoidose 
  • Sève P, Pacheco Y, Durupt F, Jamilloux Y, Gerfaud-Valentin M, Isaac S, Boussel L, Calender A, Androdias G, Valeyre D, El Jammal T. Sarcoidosis: A Clinical Overview from Symptoms to Diagnosis. Cells. 2021 Mar 31;10(4):766. doi: 10.3390/cells10040766. PMID: 33807303; PMCID: PMC8066110.
  • MSDmanuals 
  • Crouser E.D., Maier L.A., Wilson K.C., Bonham C.A., Morgenthau A.S., Patterson K.C., Abston E., Bernstein R.C., Blankstein R., Chen E.S., et al. Diagnosis and Detection of Sarcoidosis. An Official American Thoracic Society Clinical Practice Guideline. Am. J. Respir. Crit. Care Med. 2020;201:e26–e51.

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