Queimaduras são lesões cutâneas comuns causadas principalmente por excesso de exposição solar, acidentes domésticos em cozinhas ou incêndios. Quando acometem camadas mais profundas da pele, em grande extensão, podem resultar em impactos graves na saúde, como distúrbios hidroeletrolíticos, lesão renal, infecções e síndrome compartimental.
O que são as queimaduras?
As queimaduras são lesões traumáticas da pele e dos tecidos subjacentes resultantes da exposição a agentes térmicos, substâncias químicas, radiação, eletricidade ou fricção. As queimaduras estão entre as principais causas externas de morte no Brasil, perdendo apenas para acidentes automobilísticos e homicídios.
Os grupos de maior risco são as crianças menores de 5 anos e idosos (possuem pele mais fina e susceptível a lesões), indivíduos com tentativas de autoextermínio, trabalhadores em manuseio de álcool ou outros produtos inflamáveis e cozinheiros.
Mecanismos das Queimaduras
Queimaduras Térmicas
Causadas por contato direto com chamas, líquidos quentes, superfícies aquecidas ou extremamente geladas e vapor. Como a pele não possuir boa condutividade, a maioria das queimaduras térmicas se limitam a epiderme e derme.
Queimaduras Elétricas
Resultantes do contato com correntes elétricas, podendo causar danos tanto na entrada como na saída da corrente elétrica. À medida que a corrente penetra no corpo, a eletricidade vai sendo convertida em calor devido à baixa condutância da pele.
Como há diferentes velocidades de perda de calor nos tecidos superficiais e profundos, pode coexistir pele aparentemente normal com lesão em planos mais profundos (músculos, por exemplo). Dessa forma, as queimaduras elétricas são, frequentemente, mais graves do que aparentam.
Queimaduras Químicas
Provocadas pela exposição a substâncias químicas corrosivas que danificam os tecidos, sejam ácidos ou bases. Exigem manejo específico.
Queimaduras por Radiação
Resultantes da exposição a radiações ionizantes ou não ionizantes, como raios ultravioleta, raios-X ou radioterapia.
Queimaduras por Fricção
Ocorrem devido ao atrito entre superfícies, pela ruptura mecânica dos tecidos e pelo calor gerado pela própria fricção. Frequentemente vistas em quedas acidentais.
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Fisiopatologia
A pele funciona como uma importante barreira de proteção, além de exercer isolamento térmico e evitar perda de fluidos. Com a perda de integridade cutânea, há exposição dos tecidos profundos a microrganismos, maior perda de calor e de água. Isso leva a liberação de fatores inflamatórios, com efeitos locais – edema, vermelhidão, calor, dor – e sistêmicos – febre, trombose, hipotermia, distúrbios eletrolíticos, hiperglicemia, choque hipovolêmico.
Zonas de lesão térmica
Zona de Coagulação
Região que teve contato direto com agente queimador, apresentando destruição de vasos e células em necrose de coagulação (dano irreversível).
Zona de Estase
Região com perfusão tecidual reduzida, que podem evoluir para necrose ou não, caso receba tratamento hábil. É a zona alvo da ressuscitação do choque no queimado.
Zona de hiperemia
Região com vasodilatação, com tecido vivo e baixo risco de necrose.
Quais são os graus de queimaduras?
A classificação de acordo com a profundidade indica o potencial de cicatrização, gravidade e prognóstico da queimadura. Quanto maior o grau, mais complexa será a cicatrização.
1º Grau
Afetam apenas a epiderme, causando vermelhidão, dor e inflamação, mas não formam bolhas. Principal causa são queimaduras solares. Geralmente há uma rápida reepitelização (até 7 dias), sem cicatrizes.
2º Grau
Divididas em 2º Grau Superficial (afetam a epiderme e derme papilar, causando bolhas, cicatrização até 21 dias sem anormalidades) e 2º Grau Profundo (atingem também a derme reticular, com coloração avermelhada ou amarelada-esbranquiçada, cicatrização pode demorar até 2 meses, muitas vezes levando a cicatrizes hipertróficas).
3º Grau
Afeta toda epiderme e derme, visualizando-se a gordura subcutânea. Possui coloração branca ou acinzentada. Como houve lesão da derme e das suas terminações nervosas, a queimadura de 3º grau é indolor. A cicatrização não ocorre espontaneamente, necessitando de tratamento cirúrgico, com enxerto ou retalho.
4º Grau
É quando atinge fáscias, músculos e ossos, geralmente ocorre devido a queimaduras elétricas. Potencialmente fatais, necessitam de atendimento imediato! Assim como na lesão de 3º grau, também precisa de enxerto ou retalhos.
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Como determinar a Superfície Corporal Queimada (SCQ)?
O cálculo da SCQ é muito importante, pois guia o manejo do paciente, em relação a transferência para centro especializado de queimados ou quantidade de fluidos a serem infundidos para ressuscitação hídrica. Pode-se calcular com a regra dos 9 de Wallace e Pulaski (mais simples, dá para decorar) ou com o gráfico de Lund-Browder (cálculo mais preciso).
Na regra dos 9, cada parte do corpo equivale a 9% ou algum múltiplo/divisor de 9. Como ilustrado na imagem acima, a cabeça (face + couro cabeludo) é 9%, assim como os membros superiores (parte anterior + posterior), o membro inferior inteiro equivale a 18% e todo o tronco 36% (tórax e abdome 18% e dorso 18%). Bebês possuem proporções corporais diferentes.
Já o gráfico de Lund-Browder é um método mais exato para estimar a extensão de queimaduras, variando de porcentagem de acordo com várias idades. Também existe o método da palma da mão, em que uma área do tamanho da palma (incluindo os dedos) do paciente equivale a 1% da superfície corporal. Mais utilizado para queimaduras pequenas ou irregulares. Vale tanto para adultos, quanto para crianças.
Pequeno Queimado
São queimaduras de baixa gravidade, as de 1º grau ou de 2º grau com SCQ de até 5% em crianças ou até 10% em adultos. O tratamento pode ser ambulatorial, com analgésicos e hidratante corporal; nas queimaduras de 2º grau, prescrever sulfadiazina de prata e curativo.
Grande Queimado
Necessitam sempre de transferência para centro especializado de queimados.
- 2º grau superficial, com >10% da SCQ em crianças e >20% em adultos
- 2º grau profundo >5% da SCQ em crianças e >10% em adultos
- Acometimento de áreas nobres, como face, pescoço, mão, pé e períneo.
- Queimadura elétrica de qualquer extensão
- Lesão inalatória
- Politrauma
- Presença de comorbidades (insuficiência cardíaca, renal ou hepática e diabetes) ou complicações (infarto agudo do miocárdio, infecção, choque, embolia pulmonar, síndrome compartimental).
- Evidências de maus tratos ou tentativa de suicídio
- Crianças menores de 3 anos ou idosos
Lesão por Inalação
É importante suspeitar de lesões por inalação quando a queimadura ocorre em um ambiente fechado ou quando o paciente apresenta alterações respiratórias após a exposição a agentes inalantes. A inalação de produtos tóxicos liberados pela queima pode causar edema de glote (com obstrução da via aérea) e insuficiência respiratória. Observe a seguir os sinais de alarme:
- Queimaduras faciais ou cervicais
- Chamuscamento das vibrissas nasais
- Expectoração carbonácea
- Confinamento em local de incêndio fechado
- Eritema ou inchaço na orofaringe
- Rouquidão
Tratamentos e manejo indicados para os graus queimaduras
No atendimento inicial ao queimado, deve-se remover roupas, adornos e próteses (o metal intensifica o calor e a queimadura), lavar a superfície corporal com água e cobrir com lençol para evitar hipotermia. Após isso, na sala de emergência, seguir o protocolo ABCDEF:
- A - Airways (checar se as vias aéreas estão pérvias. Presença de queimaduras circunferenciais em pescoço ou tórax? 🡪 avaliar necessidade de escarotomia)
- B - Breathing (paciente está ventilando e com boa perfusão e saturação de O2?)
- C - Circulação (obter acesso venoso periférico calibroso para ressuscitação volêmica e verificar diurese)
- D - Déficit neurológico (qual o Glasgow?)
- E - Exposição (calcular a SCQ e identificar se a queimadura foi térmica, química ou elétrica. Presença de queimaduras circunferenciais em membros? 🡪avaliar necessidade de fasciotomia)
- F - Fluidoterapia com a Fórmula de Parkland! 2 ou 4 ml x SCQ x Peso = volume que deve ser administrado em 24h (metade nas primeiras 8h e metade nas 16h seguintes)
ATENÇÃO!
- A solução de escolha é o ringer lactato
- Multiplicar por 4 na fórmula quando o paciente for previamente hígido e multiplicar por 2 quando o paciente for idoso, tiver insuficiência renal ou insuficiência cardíaca.
- O alvo é uma diurese >0,5ml/kg/h (> 1ml/kg/h se o paciente for vítima de queimadura elétrica).
Outras medidas:
- Manter cabeceira elevada 30º
- Dipirona IV ou morfina para controle da dor
- Limpar a ferida com água e clorexidina degermante a 2%
- Instalar sonda nasogástrica e sonda vesical de demora caso a SCQ for >20% em adultos ou >10% em crianças
- Máscara de oxigênio a 100% (manter por 3 horas na suspeita de intoxicação por monóxido de carbono) ou intubação orotraqueal. A IOT está indicada quando:
- Glasgow <8
- PaO2 <60 ou PaCO2 > 55 mmHg
- SaO2<90%
- Edema importante em orofaringe
- Curativo oclusivo (menos na face e períneo, que deve ser curativo exposto).
- NÃO utilizar diuréticos, drogas vasoativas ou coloides nas primeiras 24h.
- A ferida da queimadura a princípio é estéril, porém o tecido necrótico rapidamente se torna colonizado por bactérias endógenas e exógenas --> então utilizar sulfadiazina de prata 1% tópico.
- Não realizar antibiótico profilático oral/IV/IM, apenas se houver sinais de infecção.
- A vacina antitetânica deve ser realizada caso paciente não esteja com o calendário vacinal atualizado.
Particularidades do tratamento de queimaduras elétricas
É necessário monitorização cardíaca contínua por 24 ou 48 horas e dosagem de enzimas CPK e CKMB, devido ao risco de arritmias cardíacas. Avaliar presença de mioglobinúria e estimular maior diurese com maior infusão de líquidos.
Particularidades do tratamento de queimaduras químicas
Para remover o agente químico não se deve utilizar substâncias neutralizantes (ex: bases para neutralizar ácidos e vice-versa), pois geram uma reação que libera calor e causa mais lesão tecidual. Utilizar água corrente por 20 ou 30 minutos. Caso tenha nos olhos, realizar durante as primeiras 8 horas.
Procedimentos cirúrgicos
Casos graves irão necessitar de intervenção cirúrgica (cirurgia plástica), seja para implementação de enxertos e retalhos ou para realizar escarotomias e fasciotomias. No tratamento de queimaduras de 2º grau está havendo muitos estudos com o enxerto de pele de tilápia, que pode acelerar e melhorar o aspecto da cicatrização.
Conclusão
As queimaduras são lesões complexas que podem ter impactos devastadores na saúde e qualidade de vida dos pacientes. A compreensão dos mecanismos subjacentes, a classificação adequada e a implementação de protocolos de manejo apropriados são cruciais para reduzir as consequências adversas e melhorar os resultados clínicos. A colaboração interdisciplinar entre profissionais de saúde é fundamental para proporcionar aos pacientes a melhor chance de recuperação funcional e estética.
Continue aprendendo:
- Papel do sistema imune em queimaduras na população pediátrica: uma revisão sistemática
- Hiponatremia: o que é, causas e sintomas
- Fluidoterapia no choque séptico: liberal ou conservadora?
FONTES:
- ATLS 10ª edição
- Cirurgia Plástica Mélega 1ª edição
- Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras, Ministério da Saúde 2012
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