O diabetes mellitus (DM) é uma doença crônica que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. No cenário nacional, o Brasil é o 5º país com mais diabéticos no mundo. Atualmente, 9.3% dos adultos entre 20 e 79 anos vivem com diabetes, o que corresponde a 1 a cada 11 adultos. Entretanto, um a cada dois adultos com diabetes não é diagnosticado.
Quais os tipos?
A Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) classifica o diabetes em quatro tipos: diabetes tipo 1 (DM1), diabetes tipo 2 (DM2), diabetes gestacional (DMG) e em outros tipos de diabetes. Entretanto, as duas principais etiologias são a DM2, que corresponde entre 90% e 95% dos casos, e a DM1, que corresponde de 5% a 10% dos casos.
A distinção entre a DM1 e a DM2 é simples, e comumente é baseada em dados clínico-epidemiológicos. O tipo 1 é comumente diagnosticado em crianças e adolescentes, e os pacientes com a doença necessitam de insulina exógena para sobreviver. Já o tipo 2 está mais associado à obesidade e ao estilo de vida, e o controle glicêmico frequentemente envolve mudanças na dieta, exercícios e, em alguns casos, medicamentos.
A DMG é a principal complicação metabólica da gravidez. É definida pela intolerância à glicose diagnosticada pela primeira vez durante a gravidez, e pode ou não persistir após o parto. Essas pacientes estão mais suscetíveis a complicações obstétricas, como polidrâmnio, a ruptura prematura de membranas ovulares e a necessidade de cesáreas.
A macrossomia (peso fetal > 4kg) é a complicação fetal mais comum, sendo observada em até 30% dos bebês de mães diabéticas. A diabetes gestacional comumente ocorre após a 24ª semana de gestação e, por isso, não aumenta o risco de teratogênese para o bebê. Entretanto, quando a hiperglicemia ocorre no período da embriogênese fetal (DM prévia à gestação), o risco de malformações aumenta.
Além disso, existem as formas raras do diabetes, como a monogênica, causada por mutações genéticas, e a diabetes secundária. Observe a tabela abaixo.
Fisiopatologia do diabetes
Para compreender a diabetes, é essencial explorar sua fisiopatologia. O processo começa com a digestão dos alimentos, que se transformam em glicose no trato gastrointestinal. A glicose é então absorvida para a corrente sanguínea e é transportada para as células do corpo, onde será utilizada como fonte de energia. A insulina, produzida pelas células beta das ilhotas de Langerhans no pâncreas, é responsável por permitir que a glicose entre nas células.
Fisiopatologia da diabetes mellitus tipo 2
A DM2 surge mais comumente após os 40 anos de idade, e cerca de 80% desses indivíduos são obesos. Assim, a obesidade é a causa mais comum de resistência à insulina (RI). Além disso, cerca de 70% a 90% dos pacientes apresentam também síndrome metabólica, caracterizada pela presença de dislipidemia, obesidade abdominal, resistência à insulina e tolerância à glicose ou diabetes e hipertensão.
Para mais, outros fatores de risco importantes são o sedentarismo, a história familiar de DM2, idade > 40 anos, síndrome dos ovários policísticos e DMG prévia. E ainda, crianças que nasceram pequenas para a idade gestacional também apresentam maior risco de DM2 e síndrome metabólica na idade adulta.
Isso ocorre devido a alteração nos mecanismos reguladores da tolerância à carboidratos, aumentando a disponibilidade de nutrientes e, dessa forma, poupando a glicose. Entretanto, essa adaptação ficaria programada permanentemente, persistindo por toda a vida. Essa hipótese corresponde ao fenótipo econômico.
Da mesma forma, crianças nascidas de gestações de mães com diabetes mellitus gestacional também apresentam maior risco de desenvolver o tipo 2. Assim, diversos mecanismos são responsáveis pelo surgimento do problema, como o efeito incretínico reduzido, a redução de células beta pancreáticas e o aumento da produção hepática de glicose. Observe a imagem abaixo.
Fisiopatologia da diabetes mellitus tipo 1
A DM1 é caracterizada pela deficiência completa da produção de insulina, e ocorre, na maioria das vezes, devido a destruição autoimune das células beta pancreáticas. Acredita-se que isso ocorre devido a uma agressão por fatores ambientais (ex.: infecções) em pacientes geneticamente suscetíveis.
Sendo o principal responsável o polimorfismo no complexo antígeno leucocitário humano (HLA), localizado no cromossomo 6. Assim, cerca de 90% dos pacientes com o tipo 1 apresentam mutações no gene HLA. Dessa forma, na maioria dos casos, anticorpos produzidos contra antígenos virais acabam mimetizando as células beta, provocando sua destruição.
Os principais anticorpos são o anti-ilhotas (ICA), anti-insulina (IAA) e antidescarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD). Entretanto, essa destruição é variável, podendo ser rápida - comumente em crianças - ou lenta, como normalmente ocorre em adultos. A hiperglicemia permanente ocorre quando 90% das ilhotas são destruídas.
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Quadro clínico do diabetes mellitus
Os sintomas clássicos da diabete mellitus são os 4 P’s: poliúria, polidipsia, polifagia e perda ponderal, e são característicos da DM1. Nos pacientes com DM2, cerca de 50% dos pacientes são assintomáticos ou oligoassintomáticos, sendo característico sintomas inespecíficos, como a tontura, dificuldades visuais, astenia e/ou cãibras. Além disso, vulvovaginites e disfunção erétil também podem estar presentes.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico geralmente é dado após dois resultados anormais nos testes laboratoriais da glicemia de jejum (GJ), hemoglobina glicada (HbA1c) ou glicemia de jejum de 2 horas no teste de intolerância oral à glicose (TOTG). Exceção disso são a presença de crise hiperglicêmica ou de sintomas clássicos de hiperglicemia, associado a glicose plasmática aleatória > 200 mg/dL, em que apenas um valor alterado confirma o problema. Observe a tabela abaixo.
A GJ é o exame mais prático e disponível para diagnóstico da diabetes mellitus. Nos pacientes com resultado entre 100 e 125 mg/dL, faz-se necessário realizar o TOTG, que deve ser realizado com 75 g de glicose anidra, após 8 a 14 horas de jejum. Em crianças, a sobrecarga de glicose deve ser realizada com 1,75 g/kg, com máximo de 75g.
Já a HbA1c reflete a média das glicemias durante 2 a 3 meses, e é considerada o padrão-ouro para avaliar o controle glicêmico. Suas principais indicações são para realizar o diagnóstico do diabetes mellitus - quando GJ for ≥ 100 e < 126 - e em pacientes com diabetes pós-transplante.
Para mais, situações que encurtam a vida das hemácias, como anemias hemolíticas e hemorragias, diminuem nos valores de HbA1c. Já estados de aumento de vida das hemácias, como anemias ferroprivas e megaloblásticas, provocam resultados de HbA1c inapropriadamente elevados. E mais, uremia, hipertrigliceridemia, alcoolismo crônico e uso de salicilatos e opioides também aumentam os valores de HbA1c.
Tratamento medicamentoso do diabetes mellitus
O objetivo principal do tratamento é diminuir o surgimento de complicações micro e macrovasculares. Assim, as metas glicêmicas são, em sua maioria, a manutenção da HbA1c < 7%, devido ao menor risco de complicações microvasculares, e a manutenção da glicemia de jejum entre 80 e 130 mg/dL e, nas glicemias pós-prandiais, a manutenção em valores < 180 mg/dL.
Ademais, em idosos, objetiva-se evitar a hipoglicemia e, por isso, a meta de HbA1c < 7,5 para idosos saudáveis e, para idosos frágeis, < 8%. Por fim, em pacientes com DM1 não-gestantes e DMG, é recomendado que o tempo na meta glicêmica seja > 70%, com limite de glicemia entre 70 e 180 mg/dL para os primeiros. Observe a tabela abaixo.
Terapia farmacológica na diabetes mellitus tipo 2
Devido a sua eficácia, baixo risco para hipoglicemias e baixo custo, a metformina é considerada o tratamento de primeira linha para adultos não gestantes, recém-diagnosticados com DM2, e HbA1c < 7,5%. Já para os pacientes adultos não gestantes, sem tratamento prévio, sem doenças cardiovasculares ou renais e com HbA1c entre 7,5 e 9,0%, recomendam-se a associação da metformina com um 2º antidiabético.
Entretanto, em pacientes que persistem com a HbA1c acima da meta desejada após 3 meses de tratamento, apesar da terapia dupla, recomenda-se a adição de um terceiro medicamento antidiabético. E ainda, em caso persistência da HbA1c acima da meta após 3 meses da introdução da terapia tripla, é recomendada a adição de terapia quádrupla ou da insulinoterapia.
Por fim, em adultos não gestantes com diagnóstico recente de DM2, sem doença cardiovascular ou renal e assintomático, em que a HbAc for > 9,0%, deve-se iniciar a terapia dupla com metformina associada à insulina.
Terapia farmacológica na diabetes mellitus tipo 1
A base do tratamento farmacológico na DM1 é a insulinoterapia, que deve mimetizar a secreção fisiológica dos indivíduos sem diabetes. Assim, a estratégia que deve ser empregada é a terapia basal-bolus, presumindo-se que há secreção de 50% de componente basal e 50% de componente prandial da insulina.
Por isso, deve-se usar preferencialmente insulinas basais para o componente basal, e insulinas prandiais para o componente prandial, dando-se preferência aos análogos de insulina rápida e ultrarrápida ação nestes últimos. As necessidades diárias de insulina variam de 0,4 U/kg/dia a 1,0 U/kg/dia, sendo o componente prandial dividido em 3 a 4 bolus pré-prandiais por dia.
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Terapia farmacológica na diabetes mellitus gestacional
Em gestantes com DMG, se após duas semanas de terapia nutricional os objetivos terapêuticos não forem atingidos - duas ou mais medidas de glicemia avaliadas após 7 a 14 dias de terapia não farmacológica estiverem acima da meta - a terapia medicamentosa deve ser instituída. Os ajustes desta devem ser feitos a cada 15 dias até a 30ª semana de idade gestacional (IG), e semanalmente após a 30ª semana, devido às mudanças fisiológicas ao longo da gestação.
Assim, para essas mulheres, a insulinoterapia é a primeira escolha para o controle glicêmico, devido a sua eficácia e segurança comprovadas durante a gravidez e pelo fato de o tamanho da molécula limitar a passagem placentária do fármaco. Assim, a dose inicial é de 0,5 U/kg/dia, e seus ajustes devem ser realizados com base no monitoramento diário da glicose a cada 1 a 2 semanas.
Conclusão
Em resumo, a diabetes Mellitus é uma condição de saúde complexa que requer compreensão profunda e uma abordagem multidisciplinar para seu tratamento. A educação, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado são fundamentais para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com diabetes e reduzir o impacto das complicações associadas a essa condição.
Continue aprendendo:
- Associação entre esteatose e fibrose hepática com o grau de sensibilidade à insulina em pacientes com obesidade grave e diabetes tipo 2 - um estudo transversal
- Manejo da Glicemia na Diabetes Mellitus Tipo I
- Relação entre a redução do nível de insulina e mudanças na densidade óssea: uma análise entre os subtipos da diabetes mellitus tipo 1
FONTES:
- Silva Júnior WS, Gabbay M, Lamounier R, Bertoluci M. Insulinoterapia no diabetes mellitus tipo 1 (DM1). Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2022). DOI: 10.29327/557753.2022-5, ISBN: 978-85-5722-906-8.
- Filho R, Albuquerque L, Cavalcanti S, Tambascia M, Valente F, Bertoluci M. Tratamento farmacológico da hiperglicemia no DM2. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2022). DOI: 10.29327/557753.2022-10, ISBN: 978-85-5722-906-8.
- Zajdenverg L, Dualib P, Façanha C, Goldbert A, Negrato C, Forti A, Bertoluci M. Tratamento farmacológico do diabetes na gestação. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes (2022). DOI: 10.29327/557753.2022-13, ISBN: 978-85-5722-906-8.
- VILAR, Lucio. et al. Endocrinologia Clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda, 2020.
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